O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta terça-feira (10) ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que sempre atuou “dentro das quatro linhas” da Constituição, refutou a elaboração de qualquer “minuta do golpe” e protagonizou um momento de descontração com o magistrado durante o interrogatório. Bolsonaro destacou que golpe de Estado “é uma coisa abominável” e reiterou que a possibilidade de ruptura institucional “nem sequer foi cogitada no meu governo”.
“Só tenho uma coisa a afirmar a Vossa Excelência. Da minha parte, ou da parte dos comandantes militares, nunca se falou em golpe. Golpe é uma coisa abominável. O golpe até seria fácil de começar, o after day [dia seguinte] é que seria imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar por uma experiência dessas”, disse.
Ele destacou que fez um desabafo durante a reunião ministerial de julho de 2022, onde criticou ministros da Corte e questionou a segurança das urnas. O encontro é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como início da suposta tentativa de golpe de Estado.
Esta é a primeira vez que Moraes e Bolsonaro interagem frente a frente no andamento das investigações. O ex-presidente compareceu ao STF em março para acompanhar o recebimento da denúncia da PGR pela Primeira Turma. O ministro abriu o depoimento citando falas de Bolsonaro durante a reunião ministerial de 5 de julho de 2022.
O ex-presidente respondeu citando que outras autoridades também teriam feito questionamentos sobre os equipamentos, como o ministro Flávio Dino, do STF, e o ex-ministro Carlos Lupi, da Previdência, em episódios passados.
“Minha retórica me levava a falar dessa maneira, que usei muito enquanto deputado e depois como presidente buscando o voto impresso como uma forma a mais de termos mais uma barreira para evitar qualquer possibilidade de alterar o resultado das eleições”, disse Bolsonaro reforçando que sempre jogou “dentro das quatro linhas”.
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Pouco antes do início do depoimento, Moraes negou um pedido de Bolsonaro para exibir vídeos que embasam suas alegações de defesa. Bolsonaro afirmou que as críticas feitas durante a reunião ministerial de julho de 2022, apontada como o início da organização do suposto plano de golpe, foram uma espécie de desabafo por conta de decisões da Justiça contra ele.
Bolsonaro pede “desculpas” a Moraes por acusações em reunião ministerial
Bolsonaro pediu desculpas a Moraes por acusações feitas sobre ele e o ministro Edson Fachin na reunião ministerial em julho de 2022. Na ocasião, o ex-presidente afirmou que os ministros estariam recebendo milhões durante o período eleitoral. Fachin comandou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022, antes de Moraes.
“Quais eram os indícios que o senhor tinha que nós estaríamos levando U$S 50 milhões, U$S 30 milhões?”, perguntou Moraes.
“Não tem indícios nenhum, senhor ministro. Tanto é que era uma reunião para não ser gravada. Um desabafo, uma retórica que eu usei. Se fosse outros três ocupando teria falado a mesma coisa. Então, me desculpe, não tinha qualquer intenção de acusar de qualquer desvio de conduta os senhores três”, respondeu Bolsonaro.
“Intenção minha não foi desacreditar, foi alertar, para aprimorar”, diz Bolsonaro a Moraes sobre urnas
O ex-mandatário reforçou que sempre defendeu o voto impresso ao longo de sua trajetória política. Ele disse que sua “retórica” o levou a questionar de forma veemente a segurança das urnas eletrônicas. “A intenção minha não é desacreditar, sempre foi alerta, para aprimorar”, disse Bolsonaro sobre a PEC do voto impresso auditável, que defendeu durante seu mandato. A proposta foi rejeitada pela Câmara dos Deputados em agosto de 2021.
“Para o bem da democracia, seria bom que algo fosse aperfeiçoado para que não pudesse haver qualquer dúvida sobre o sistema eleitoral. Se não houvesse essa dúvida, com toda certeza nós não estaríamos aqui hoje”, argumentou Bolsonaro, em outro momento.
O ministro destacou que “não há nenhuma dúvida” sobre a segurança das urnas eletrônicas. Moraes destacou que o inquérito citado por Bolsonaro, sobre uma invasão ao sistema do TSE, em 2018, não tem “absolutamente nada a ver” com as urnas.
“Na verdade não há nenhuma dúvida sobre o sistema eletrônico e esse inquérito não tem absolutamente nada a ver com as urnas eletrônicas. Absolutamente nada”, disse o relator.
Moraes rebate Bolsonaro
O ministro destacou que no interrogatório não cabe ao juiz contestar o réu, mas rebateu algumas declarações de Bolsonaro. O ex-presidente reclamou de uma série de decisões do TSE durante a campanha eleitoral de 2022 e disse que “essa disfuncionalidade do TSE prejudicou” sua campanha.
“Acredito, senhor ministro, que foi um pouco disfuncional. Eu não pude, por exemplo, fazer live do Alvorada […] mostrar o outro candidato com boné do CPX. Fui acusado de muita coisa, inclusive de pedófilo durante esse período. O outro lado podia tudo, até me acusar de genocida”, afirmou Bolsonaro.
“Quando o senhor foi acusado de pedofilia, as imagens, os diálogos, o TSE imediatamente proibiu a utilização dessa imagens no debate que seria no domingo a noite. O TSE proibiu isso sendo provocado domingo, às 14h”, disse Moraes.
“Gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 26”, brinca Bolsonaro com Moraes
Em um momento de descontração, o ex-presidente convidou Moraes para ser seu candidato a vice em 2026. Bolsonaro narrava como ele é tratado nas ruas quando viaja pelo país e perguntou se o ministro gostaria de ver um vídeo que mostra o tratamento que recebe da população. Moraes respondeu: “Declino”.
“Posso fazer uma brincadeira?”, pergunta o ex-mandatário.
Moraes alerta: “O senhor quem sabe. Eu perguntaria aos seus advogados”.
“Eu gostaria de convidá-lo para ser vice em 26”, afirmou Bolsonaro.
“Eu declino novamente”, disse o ministro, arrancando risadas dos presentes na sessão.
Jamais pressionei os comandantes das Forças Armadas, diz Bolsonaro
O ex-chefe do Executivo negou qualquer tipo de pressão sobre os ministros de sua gestão ou sobre os comandantes das Forças Armadas. A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta que houve pressão para que o Exército e a Aeronáutica aderissem ao suposto plano de golpe.
“O meu relacionamento com qualquer ministro nunca foi sobre pressão ou autoritarismo, em especial os chefes militares, os comandantes, era uma relação fraternal entre nós”, disse Bolsonaro.
Bolsonaro refuta “minuta do golpe”
Bolsonaro negou que teria discutido com o seu assessor para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, sobre uma “minuta do golpe”. Ele reiterou que tudo o fez foi com base na Constituição e disse não “enxugou” nenhuma proposta de ruptura institucional.
“Quando se fala em minuta dá a entender que é algo do mal […] Sempre estive do lado da Constituição. Eu refuto qualquer possibilidade de falar de minuta de golpe ou uma minuta que não esteja enquadrada dentro da Constituição brasileira”, afirmou.
Bolsonaro diz que não passou faixa a Lula para evitar “maior vaia” da história do Brasil
O ex-presidente relatou a Moraes que decidiu não passar a faixa presidencial para seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), evitar a “maior vaia da história do Brasil”. Bolsonaro não participou da cerimônia de posse do petista no início de 2023.
“Eu não ia me submeter à maior vaia da história do Brasil. Não passei porque não ia me submeter a passar a faixa para esse atual mandatário do Brasil”, enfatizou.
Bolsonaro é o sexto réu ouvido pela Primeira Turma do STF após a Corte ter aceitado por unanimidade a denúncia apresentada pela PGR. Além de Bolsonaro e Cid, também já foram ouvidos o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que chefiou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante a gestão do ex-presidente; o ex-ministro Anderson Torres, da Justiça; o almirante Almir Garnier Santos, que comandava a Marinha; e o general Augusto Heleno, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
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