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- Author, Thais Carrança
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
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A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enviou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (22/7), negando que o ex-presidente tenha descumprido as medidas cautelares que o proíbem de utilizar redes sociais, direta ou indiretamente.
A defesa de Bolsonaro pediu ainda que Moraes esclareça o alcance exato da proibição e se ela envolve a concessão de entrevistas que possam ser transmitidas ou transcritas em redes sociais.
“O Embargante não postou, não acessou suas redes sociais e nem pediu para que terceiros o fizessem por si”, argumentou a defesa.
Os advogados Celso Vilardi e Paulo Amador da Cunha Bueno afirmam que, após a imposição de medidas cautelares pelo STF na sexta-feira, Bolsonaro parou de utilizar suas redes e determinou que terceiros também suspendessem qualquer tipo de acesso.
Vilardi e Bueno argumentam ainda que a decisão de Moraes não proíbe entrevistas, mesmo que seus conteúdos venham a ser reproduzidos posteriormente por terceiros nas redes sociais.
“Desta forma, ao tempo que refuta veementemente qualquer descumprimento, o ora Embargante (…) requer que a decisão seja esclarecida, a fim de precisar os exatos termos da proibição de utilização de mídias sociais, esclarecendo, ademais, se a proibição envolve a concessão de entrevistas”, escrevem os advogados.
Após a manifestação da defesa, a assessoria de imprensa do STF informou que os próximos passos poderão ser acompanhados no processo.
Segundo a assessoria, o ministro Alexandre de Moraes poderá tomar alguma decisão com relação à manifestação; poderá encaminhá-la à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o procurador se manifeste; ou pode não fazer nada por ora.
A manifestação da defesa de Bolsonaro foi uma resposta a pedido de esclarecimento feito por Moraes na segunda-feira.
O pedido foi feito após o filho de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), publicar um vídeo no Instagram em que o ex-presidente mostrava sua tornozeleira eletrônica e classificava o aparelho com um “símbolo da máxima humilhação”.
O vídeo foi postado poucas horas depois de Moraes ter publicado um despacho, informando que a proibição de uso das redes sociais por Bolsonaro “inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros, não podendo o investigado se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação e decretação da prisão”.
Além da proibição de usar redes sociais, essas medidas incluem o monitoramento com tornozeleira eletrônica, a exigência de permanecer em casa entre 19h e 6h de segunda a sexta-feira e em tempo integral nos fins de semana e feriados, entre outras.
A decisão de Moraes foi tomada no âmbito da ação penal em que Bolsonaro é réu por crimes como tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
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Despacho de Moraes gerou críticas
Para Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, a proibição de usar redes sociais imposta a Bolsonaro não tem previsão legal, ao contrário das outras medidas cautelares determinadas por Moraes.
“O artigo 319 do Código de Processo Penal lista dez medidas cautelares alternativas à prisão”, observou o especialista em direito penal, após a publicação do despacho de Moraes na segunda-feira.
“Tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e durante o final de semana, proibição de contactar determinadas pessoas. Todas essas [medidas] estão na lei. Proibição de usar rede social não está”, afirmou.
O professor da FGV observou ainda que não faz sentido a proibição alcançar terceiros.
“Se o Bolsonaro dá uma entrevista para qualquer veículo de comunicação e esse veículo publica num jornal impresso, ou transmite na televisão, ou coloca numa plataforma de mídia digital, isso não está no controle dele e ele não pode sofrer consequências por isso”, disse Bottino.
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Na mesma linha, o advogado constitucionalista André Marsiglia considerou as decisões de Moraes “inconstitucionais e censórias”.
O advogado argumentou que o despacho da segunda-feira viola não apenas o direito de Bolsonaro, mas também o da sociedade à informação.
“A liberdade de expressão não é apenas o direito de quem está entrevistando, é o direito da sociedade de receber aquelas informações, que são de interesse público. É um direito do jornalista, de quem se expressa, mas também o direito de todos nós recebermos aquilo. Então, isso fica impedido.”
Na avaliação de Marsiglia, a proibição se baseia em uma lógica de censura prévia, ao presumir que qualquer manifestação futura de Bolsonaro será ilícita.
“Se você acha que a pessoa cometeu um ilícito, você pode restringir o ilícito passado. Mas pressupor que ela vai cometer ilícitos ao se manifestar no futuro, você promove censura, impede o ilícito, impedindo também o lícito, impedindo tudo.”
Outros advogados, por outro lado, consideraram a decisão de Moraes adequada.
“De fato, Bolsonaro usa as redes sociais para incensar as hordas bolsonaristas por uma saída que não seja democrática para a crise que eles mesmo criaram. Então faz sentido, neste momento que o país sofre fortes ataques à sua soberania, restringir essas falas que atentam contra a democracia e contra as instituições”, disse Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas — criado em 2014 e que se notabilizou por ações questionando decisões consideradas arbitrárias no âmbito da Operação Lava-Jato.
“Vamos lembrar que, na verdade, o que está em ataque, além da soberania, é a ordem econômica, com medidas anunciadas pelo Trump que foram articuladas pela família Bolsonaro, segundo eles próprios, que o confessaram em rede nacional e sem nenhum tipo de pudor.”
Relembre os últimos acontecimentos
As medidas cautelares contra Bolsonaro foram pedidas pela Polícia Federal (PF), com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Ao justificar o pedido, a PF afirmou que Bolsonaro e seu filho Eduardo “vêm atuando, ao longo dos últimos meses, junto a autoridades governamentais dos Estados Unidos da América, com o intuito de obter a imposição de sanções contra agentes públicos do Estado Brasileiro”.
Ao analisar o caso, Moraes considerou que há indícios de que Jair Bolsonaro e Eduardo teriam praticado atos ilícitos que podem configurar os crimes de:
- coação no curso do processo;
- obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa;
- e atentado à soberania nacional.
Em sua argumentação, Moraes citou que Bolsonaro e Eduardo têm buscado criar entraves econômicos nas relações comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil para obstruir a ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado após as eleições presidenciais de 2022.
Ainda conforme o ministro, Bolsonaro e Eduardo estariam ainda “atuando dolosa e conscientemente de forma ilícita” para tentar submeter o funcionamento do STF “ao crivo de outro Estado estrangeiro”, com graves impactos à soberania nacional e com objetivo de “gerar instabilidade política e econômica” no Brasil.
A decisão do ministro foi publicada pouco mais de uma semana após o presidente americano Donald Trump impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, dizendo que a medida seria uma resposta à perseguição que Bolsonaro estaria sofrendo no Brasil.
Em nota em inglês publicada na rede social X na sexta-feira, Eduardo Bolsonaro criticou a decisão de Moraes.
“Desta vez, não se trata apenas de censura ou de medidas coercitivas contra o líder político mais proeminente do Brasil — um homem que jamais se recusou a cumprir decisões judiciais ou a participar de processos legais. O que torna essa decisão ainda mais absurda é o fato de se basear em ações tomadas pelo governo dos Estados Unidos, após o anúncio de tarifas contra o Brasil feito pelo presidente Donald Trump — como se isso, de alguma forma, configurasse um crime”, escreveu o parlamentar.
Eduardo disse ainda que, para ele, Moraes está tentando criminalizar o presidente Trump e o governo americano.
“Como não tem poder contra eles, escolheu fazer do meu pai um refém. E, ao fazer isso, não ataca apenas a democracia brasileira — ele prejudica, de forma irresponsável, a relação do Brasil com seu mais importante aliado. Isso é sabotagem institucional, pura e simples.”
Ainda na sexta-feira, após a imposição das medidas cautelares contra Bolsonaro, o governo americano anunciou sanções contra Moraes, com a revogação do visto americano no ministro, seus familiares e “aliados”, incluindo outros ministros do Supremo.
No sábado (19/7), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou as sanções de Washington ao STF: “A interferência de um país no sistema de Justiça de outro é inaceitável e fere os princípios básicos do respeito e da soberania entre as nações”.
Na segunda-feira (22/7), os cinco juízes da Primeira Turma do Supremo concluíram votação sobre as medidas restritivas propostas por Moraes contra Bolsonaro.
Em julgamento que começou na sexta-feira, votaram em favor das medidas os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino e Cármen Lúcia.
Apenas um ministro foi contra as medidas de Moraes sobre Bolsonaro: o ministro Luiz Fux — que citou problemas na decisão referentes à liberdade de expressão e proporcionalidade das restrições.