Um novo embate entre Executivo e Legislativo está em curso no Congresso Nacional. A oposição quer tirar do presidente da República a prerrogativa de classificar e definir regras sobre armas de fogo por meio de decretos. O Projeto de Lei 3317/2025, de autoria do deputado federal Marcos Pollon (PL-MS), tem como alvo o artigo 23 do Estatuto do Desarmamento, que permite ao Executivo alterar, por decreto, o que pode ou não ser considerado arma de uso permitido ou restrito.
A proposta surge como reação aos decretos editados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde o início de seu terceiro mandato, que endureceram as regras sobre armas e munições no Brasil. O mais recente, o Decreto nº 11.615, publicado em julho de 2023, revogou medidas do governo anterior e reclassificou diversos modelos e calibres como de uso restrito, especialmente os utilizados por colecionadores, atiradores e caçadores — os chamados CACs.
Outra norma, o Decreto nº 11.366, de janeiro de 2023, já havia suspendido temporariamente novos registros de armas e restringido o funcionamento de clubes de tiro. Além disso, a nova regulamentação reduziu de 60 para 16 o número de armas que um CAC pode adquirir e proibiu o porte de armas em deslocamento para atividades de tiro, gerando insegurança jurídica no setor.
Pollon argumenta que a regra atual fere a Constituição, concentra poder nas mãos de um único governante e gera insegurança jurídica para colecionadores, atiradores, caçadores e comerciantes.
“Isso dá ao presidente o poder de criar crimes e aumentar penas sem passar pelo Congresso, que é quem faz as leis. Isso viola a Constituição e pode gerar insegurança jurídica, já que mudanças na legislação penal não podem ser feitas por decreto. Respeitar a lei e a Constituição é garantir que o povo tenha segurança e que as regras sejam claras e justas”, afirmou Pollon à Gazeta do Povo.
O parlamentar cita casos recentes em que atiradores foram presos após mudanças na classificação de armas promovidas por decretos presidenciais.
A proposta de Pollon visa revogar o artigo 23 do Estatuto e obrigar que todas as mudanças nas regras sobre armas passem pelo crivo do Congresso.
“Muitas armas ficaram paradas nas lojas por causa de mudanças feitas por decreto, o que prejudicou o setor e gerou perdas econômicas. Por exemplo, armas comuns como a pistola 9mm, usada por civis em todo o mundo, não são armas de guerra. Reclassificá-las como restritas sem estudo prévio só causa problemas desnecessários”, completou.
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“O direito à legítima defesa não é luxo”, diz deputado
O texto tem apoio da oposição, incluindo parlamentares das comissões de Segurança Pública e Constituição e Justiça. Um dos defensores da proposta é o deputado Coronel Meira (PL-PE), que vê a atual legislação como um “desvio democrático”. Segundo ele, ao permitir que o presidente decida por decreto, o artigo 23 tira do Parlamento a responsabilidade de legislar sobre um tema sensível e diretamente ligado à segurança das famílias brasileiras. “Isso vai na contramão do que se espera de uma democracia sólida”, afirmou Meira.
Para o deputado, a questão ultrapassa o campo técnico: “O problema aqui não é só técnico. É político e moral. A gente está falando de um tema muito sério, que mexe com o direito de defesa das famílias brasileiras. E esse debate foi retirado do Parlamento por anos e colocado nas mãos de governos, muitas vezes movidos por interesses ideológicos. O povo ficou de fora.”
Ao defender o projeto, Meira afirma que a proposta “corrige um erro grave” e “devolve ao Congresso a responsabilidade de tratar desse assunto, como manda a Constituição”. “Não é só uma questão de armas. É uma questão de liberdade, de dignidade e de confiança nas instituições. Por isso, apoio essa proposta. Porque ninguém deveria depender da boa vontade de um governo para exercer um direito tão básico quanto o de se proteger”, afirmou.
Ele também destaca o resultado do plebiscito de 2005, em que 64% dos brasileiros rejeitaram a proposta de proibir o comércio de armas no país. “O Estatuto do Desarmamento seguiu em frente como se o voto popular não tivesse valor. Isso é um desrespeito com a democracia”, critica.
“O direito à legítima defesa não é luxo. É uma necessidade real, vivida por milhões de brasileiros, especialmente os que moram em áreas rurais ou em regiões sem presença efetiva do Estado”, acrescenta o deputado.
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“Vai e vem” de decretos gera insegurança no setor de armas
A instabilidade jurídica gerada pelas mudanças constantes nas regras sobre armas também é uma preocupação do deputado Alberto Fraga (PL-DF), um dos nomes mais antigos do setor de segurança pública na Câmara. Para ele, o problema está justamente em deixar as definições técnicas a cargo do presidente da vez.
“Quando é um presidente desarmamentista, Lula, aí nós vamos ter essa questão dos decretos alterando o que foi feito no governo anterior. Por isso que eu acho que os calibres, eles deveriam estar previstos na lei federal, na lei que trata da legislação de armas, e não jogar isso a critério do presidente da República”, disse.
Fraga, no entanto, reconhece que o projeto enfrentará dificuldades para avançar, especialmente diante de um governo federal que adota uma política desarmamentista.
“O projeto realmente vai ter chance de caminhar apenas na Comissão de Segurança Pública, mas, com a atual conjuntura, eu não acredito que o projeto prospere, tendo em vista que é um governo de política desarmamentista, portanto não vai apoiar esse projeto”, avaliou.
Disputa entre liberdade e controle
Críticos do projeto, por outro lado, alertam que tirar essa prerrogativa do Executivo pode dificultar o controle de armas no país, especialmente em momentos de crise ou avanço do crime organizado.
O governo Lula defende que a política de controle de armas representa a retomada da responsabilidade do Estado na segurança pública, após o que classificou como um “armamentismo irresponsável” incentivado nos últimos anos. O Ministério da Justiça disse à época que os decretos editados buscam restringir o acesso indiscriminado a armamentos por civis e restabelecer os parâmetros do Estatuto do Desarmamento, limitando o número de armas, calibres permitidos e exigindo maior fiscalização.
Já os defensores veem a proposta como uma correção de rota necessária. “Queremos uma classificação mais clara e científica dos calibres e regras mais justas para quem tem direito de portar armas. Nosso objetivo é dar mais liberdade ao povo brasileiro, sempre respeitando a segurança e a liberdade de escolha”, resume Pollon.
O projeto ainda será analisado pela Comissão de Segurança Pública antes de seguir para outras comissões e eventual votação em plenário. A disputa sobre quem deve definir as regras sobre armas – o Congresso ou o presidente – está longe de acabar.