Crédito, Getty Images
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- Author, Paula Adamo Idoeta e Camilla Veras Mota
- Role, Da BBC News Brasil em Londres e São Paulo
As tensões entre Brasil e EUA, elevadas por conta da expectativa de tarifas americanas de 50% sobre exportações brasileiras a partir de 1° de agosto, ganharam um novo elemento: o debate em torno de minérios que são produzidos no Brasil.
Em evento do governo federal em Minas Novas (MG) na quinta-feira (24/7), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez, em tom de voz elevado, uma defesa da soberania mineral do país.
“Temos nosso ouro para proteger. Temos todos esses minerais ricos para proteger, e aqui ninguém põe a mão. Este país é do povo brasileiro”, afirmou Lula. “A única coisa que eu peço ao governo americano é que respeite o povo brasileiro como eu respeito o povo americano.”
Foi uma resposta ao fato de o encarregado de negócios da Embaixada americana no Brasil, Gabriel Escobar, ter manifestado interesse dos EUA em minerais críticos e estratégicos brasileiros, em reunião pedida por ele com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade privada que representa as empresas do setor.
O presidente do instituto, Raul Jungmann, relatou ter respondido que negociações nesse sentido deveriam ser conduzidas pelo governo brasileiro, e não por empresários.
O episódio acontece simultaneamente às negociações entre diplomatas brasileiros e americanos em torno de qual será a dimensão do tarifaço anunciado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, sobre os produtos brasileiros.
Mas a questão mineral também é parte de um xadrez bem mais amplo e complexo: a batalha global por recursos cada vez mais estratégicos para indústrias do presente e do futuro.
Corrida por minérios
Lítio, nióbio, cobre, manganês e terras-raras, entre outros minérios, estão no centro de uma das disputas mais acirradas do século 21.
Essas matérias-primas são essenciais para a fabricação de tecnologias que moldam o futuro: desde carros elétricos e painéis solares até equipamentos militares de ponta e smartphones.
São também a base da transição energética global e, por isso, tornaram-se alvo de uma verdadeira corrida geopolítica, movida por interesses bilionários, disputas territoriais e estratégias de poder.
A demanda por esses minérios deve crescer 1,5 mil por cento até 2050, segundo relatório da Unctad, a agência de desenvolvimento da ONU. É muito acima do que a produção global dá conta no momento.
Terras raras
Crédito, Reuters
Terras raras é o nome que se dá a um grupo de 17 elementos que não são exatamente raros, mas sim de difícil exploração, presentes nos celulares, nas telas, nas turbinas eólicas, nos carros elétricos, nos painéis solares e até nos mísseis supersônicos.
A geógrafa e pesquisadora Julie Klinger, especialista em mineração, detalhou à BBC Reel por que esses elementos se tornaram tão cruciais:
“Eles têm propriedades magnéticas e de condutividade fantásticas, que permitiram a miniaturização dos nossos eletrônicos: para que nossos computadores ficassem do tamanho de celulares e laptops, em vez de serem do tamanho de um prédio. Permitiram também veículos mais eficientes, por simplesmente torná-los mais leves e resistentes ao mesmo tempo”, disse ela, em entrevista concedida em março de 2025.
Outra área em que eles têm papel crescente é na militar. A Otan, aliança militar ocidental, recentemente listou 12 minerais críticos pra produzir caças, tanques, submarinos e mísseis.
A aliança diz que o abastecimento desses minérios, inclusive os terras-raras, é “vital para manter a vantagem tecnológica e a prontidão operacional da Otan”.
E um dos que estão de olho nesse mapa mineral é Donald Trump.
Em março, o presidente americano assinou um decreto que ordena a ampliação da produção de minérios críticos e terras raras.
Além disso, seu governo já demonstrou interesse pela produção mineral de lugares como Groenlândia, Ucrânia, Rússia, República Democrática do Congo — e agora, Brasil.
Os Estados Unidos ainda dependem fortemente das importações, enquanto sua maior rival, a China, sob muitos aspectos está à frente: concentra 60% da produção global e 90% do refinamento de terras raras, segundo a Agência Internacional de Energia.
O caso da Ucrânia foi especialmente emblemático. Trump exigiu acordo para exploração de minerais e terras raras ucranianas como condição para seguir apoiando militarmente o país, em guerra com a Rússia desde 2022.
“Como vocês sabem, estamos constantemente procurando terras raras. Eles [ucranianos] têm muitas delas, e fizemos um acordo para que possamos começar a cavar e fazer o que precisamos”, disse o presidente americano, sobre o pacto.
Brasil: terras raras e nióbio
Nessa corrida global, o Brasil também tem papel importante: o relatório U.S. Mineral Commodity Summaries estima que o país detenha até 23% das reservas conhecidas de terras raras no mundo.
O professor Sidney Ribeiro, do Instituto de Química da Unesp (Universidade Estadual Paulista), explica à BBC News Brasil que o país acumula décadas de pesquisas acadêmicas sobre esses minérios e já faz a mineração de terras raras em Estados como Minas Gerais e Goiás.
Ainda assim, responde por menos de 1% da produção, porque muitas das reservas inexploradas estão em áreas como a Amazônia. Então é enorme o desafio de aproveitar o potencial mineral brasileiro e ao mesmo tempo manter de pé uma floresta já muito degradada.
Além das terras raras, o Brasil tem reservas de outros minérios cobiçados, como o nióbio — usado em ligas metálicas de alta resistência, fundamentais para siderurgia, construção civil, turbinas, trens de alta velocidade, baterias e equipamentos aeroespaciais e militares, como mísseis hipersônicos.
O país concentra cerca de 92% da produção do metal, que é leve e resistente a altas temperaturas e ganhou popularidade na última década, depois de ter sido reiteradamente defendido por Jair Bolsonaro como recurso estratégico para o país.
O maior mercado consumidor do nióbio brasileiro é a Ásia (em particular a China), mas os Estados Unidos têm posição de destaque como quarto maior importador.
O Brasil respondeu por cerca de 66% do que foi comprado pelos EUA entre 2020 e 2023, segundo o mais recente relatório sobre minerais críticos do Serviço Geológico dos EUA (U.S. Geological Survey – USGS), fornecendo 83% do óxido de nióbio que desembarcou no país nesse período e 66% do ferronióbio.
O volume de nióbio importado pelos americanos cresceu de cerca de 7,1 mil toneladas em 2020 para 10,1 mil em 2023.
Por conta da concentração das jazidas no Brasil — ou seja, a quantidade limitada de fornecedores — o nióbio foi considerado pelo USGS como o segundo recurso mineral mais crítico para o país quando se leva em consideração os riscos potenciais da cadeia de suprimentos – ou seja, se o envio brasileiro falhar por algum motivo, é difícil substitui-lo.
Disputa de potências e ‘neocolonialismo’
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E enquanto os EUA tentam abocanhar novas fontes de suprimento, outras duas grandes potências — Rússia e China — também avançam.
Moscou afirmou ter planos de ampliar a produção de terras raras pra diminuir em 15% a importação de minérios até 2030.
E Vladimir Putin também cobiça projetos minerais em países aliados, por exemplo na África.
A Rússia tem uma presença forte no Sahel, região de países vulneráveis no norte da África que concentra grandes reservas de urânio e ouro, por exemplo.
A China, por sua vez, também já investe em projetos de mineração e infraestrutura no continente africano — e quer avançar na região.
Mas muitos analistas acham que as investidas de todas essas potências mundiais têm o que chamam de um caráter neocolonialista: ou seja, de explorar as riquezas de países ou territórios em situação frágil sem de fato levar desenvolvimento econômico e social pra essas regiões.
O relatório da Unctad mencionado no início da reportagem alerta que a dependência da exportação de commodities – ou seja, matérias-primas como minérios — é um grande desafio para países em desenvolvimento e pode criar armadilhas socioeconômicas parecidas às sofridas por países dependentes da exportação de petróleo.
“Essa dependência impede o desenvolvimento econômico e perpetua desigualdades e vulnerabilidades pela África Subsaariana, a América do Sul, o Pacífico e o Oriente Médio”, diz o relatório.
Globalmente, a ONU estima que o mundo precisará investir até US$ 450 bilhões em minérios críticos até 2030 pra dar conta da demanda.
Alguns especialistas afirmam que será preciso otimizar práticas de mineração já existentes.
“Muitas vezes, elementos de terras raras estão presentes nos resíduos de outros tipos de mineração, em especial minas de fosfato e prata”, afirmou Julie Klinger à BBC Reel.
“Devemos trabalhar pra reimaginar esses processos, como uma fonte potencialmente abundante de terras raras, pra atender às preocupações e à escassez da cadeia de suprimentos sem ter que abrir novos buracos na terra.”
Outra possibilidade, diz Sidney Ribeiro, é reciclar as muitas toneladas de lixo eletrônico que são jogados fora todos os dias.
“Hoje se fala muito no que a gente chama de mineração urbana, você já usar lixo eletrônico pra recuperar a terra rara que já está ali para essas aplicações”, afirma o professor da Unesp, citando como exemplo projetos para purificar os elementos de terra-rara de lâmpadas luminescentes.
De qualquer modo, a disputa por esses elementos minerais só tende a crescer — dentro e fora de fronteiras.
Cálculos da ONU apontam que, de todos os conflitos intra-Estados registrados nas últimas décadas, 40% eram relacionados a recursos naturais — inclusive ao acesso a minérios.