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A morte de uma mãe ou um pai é um daqueles temas que raramente ganham espaço nas conversas do dia a dia, talvez por nos assustar. Ainda assim, é uma realidade inevitável. Quase todos nós vamos passar por isso em algum momento da vida.
Em 2020, quando minha mãe estava morrendo, lembro de me sentir privilegiada por poder estar com ela até o fim e ajudá-la. Também me lembro de pensar que perder um dos pais — assim como ter um filho — é um momento para o qual ninguém nos prepara.
Para a comentarista política e escritora da Vanity Fair, Molly Jong-Fast, esse momento tem durado anos.
Filha da autora feminista Erica Jong, ela acaba de lançar um livro de memórias intitulado How to Lose Your Mother (Como se perde a sua mãe, na tradução livre para o português).
Na obra, Molly narra o declínio cognitivo de sua mãe, diagnosticada com demência — um processo que teve início no mesmo ano em que seu marido, o professor Matthew Adlai Greenfield, descobriu um tipo raro de câncer.
O livro é um relato honesto, sensível e, em alguns momentos, engraçado sobre como Molly Jong-Fast enfrentou esse período.
Além de lidar com o avanço da doença da mãe, hoje com 83 anos, ela também teve que encarar o diagnóstico de Parkinson do padrasto. Tudo isso enquanto o mundo passava pela pandemia da Covid-19 e ela precisava manter todos à sua volta debaixo do mesmo teto, incluindo um cachorro idoso que tinha seus próprios problemas de saúde.
São temas pesados, mas também encontramos momentos de riso, uma marca registrada do estilo da escritora.
Em seu livro, ela fala sobre a mentira que contou para seus filhos sobre a saúde do pai, se referindo a um tumor no pâncreas como uma “massa”, porque “uma ‘massa’ pode ser qualquer coisa — um grupo de pessoas, um grupo de vasos sanguíneos, ou até um grupo de cachorros se encontrando no Central Park [em Nova York]”.
As lições que Molly Jong-Fast compartilha sobre como lidar com a perda e o luto, encarar o legado da fama da mãe, e as decisões difíceis que precisou tomar diante do envelhecimento dos pais são reflexões com as quais todos podemos aprender.
Confira abaixo os principais trechos da nossa entrevista.
Katty Kay – Quando minha mãe morreu, eu me lembro de pensar que tinha recebido treinamento para quase tudo na vida, mas ninguém me deu um manual sobre como passar por aquela situação. Ninguém me disse que, à medida que os pais envelhecem, talvez você precise trocar fraldas ou pensar nas finanças, muito menos que precisaria de alguém para me ajudar a lidar com todas as emoções. Fico muito feliz que você escreveu esse livro para ajudar outras pessoas.
Mas como é possível que uma experiência que praticamente todo mundo vai passar ainda nos pegue tão desprevenidos?
Molly Jong-Fast – Eu acho que existe muita vergonha em torno do envelhecimento. E é por isso que falo sobre estar sóbrio o tempo todo. Eu quero tirar o estigma do alcoolismo, eu quero que as pessoas digam ‘eu bebo demais, eu tenho uma doença, eu não sou uma pessoa ruim. Eu posso conseguir ajuda para essa doença indo aos Alcóolicos Anônimos’. E é dessa forma que eu me sinto, até certo ponto, em relação ao envelhecimento.
As pessoas não querem falar sobre isso, elas não querem envelhecer. É realmente muito assustador. Se você pensar sobre envelhecer, só tem um caminho e não dá para escapar. Você não pode pular aniversários. É simplesmente uma marcha constante em direção à morte, e ninguém sabe o que acontece depois disso.
O que eu achei mais interessante em toda essa experiência que eu passei com a minha mãe, meu pai, meu marido, meu sogro, foi como ela me levou inevitavelmente a muitos questionamentos: por que estamos aqui? Qual o sentido de tudo isso? Por que estamos neste planeta e o que deveríamos tentar tirar dessa experiência humana antes que seja tarde demais?
Katty Kay – Depois de ter passado por tudo isso nos últimos anos e escrito esse livro, você sente que tem lições a compartilhar que são úteis?
Molly Jong-Fast – Como eu fiquei sóbria aos 19 anos, percebi o benefício incrível de poder olhar para a minha própria experiência e mostrá-la a outras pessoas. Percebi que, se você passa por algo e compartilha a experiência com alguém, você pode ajudá-lo. É quase [uma psicologia] junguiana; existe um sofrimento coletivo que pode ser compartilhado e amenizado.
O que eu sempre tento dizer, principalmente para meus filhos, é para não se sentirem mal pelas coisas. O resto do mundo pode fazer você se sentir mal, ok? Mas não faça isso com você mesmo.
A outra coisa que realmente me ajuda e eu sempre digo para as pessoas é para fazerem o melhor que elas puderem. As coisas talvez não saiam do jeito que você imaginou, e tudo bem. Mas só porque as coisas não saíram como você queria não significa que não seja exatamente como deveriam ser.
Katty Kay – Acho que algumas pessoas, ao verem tudo o que você passou, pensariam: ‘Eu não aguentaria’. Mas há momentos lindos no seu livro em que você escreve sobre viajar com seus filhos para Califórnia durante o recesso escolar simplesmente porque era recesso. E você precisa fazer compras, buscá-los no colégio. Aquela vida, mesmo em meio à morte, tem que continuar.
Molly Jong-Fast – Teve um momento engraçado, eu não sei se eu cheguei a contar no livro, em que o pai do meu marido faleceu e, duas semanas depois, a irmã do meu padrasto também faleceu — e nós acabamos indo ao mesmo velório, em uma casa funerária em Connecticut. Os donos do funeral vieram falar com a gente um pouco chocados. A gente sabia que aquilo era muito pesado, não foi um bom ano, mas enxergamos humor naquela situação. É como deveria ser.
Eu realmente acho que uma coisa maravilhosa que acontece — e eu acho que você vê isso em histórias muito piores de pessoas que estão em campos de concentração ou em guerras — é que o seu foco se torna muito estreito e tudo se torna binário. Ou você pode fazer isso ou você pode fazer aquilo. E há algo muito esclarecedor no binário, que eu não acho que seja uma coisa ruim.
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Katty Kay – Logo no início do livro você conta que tem uma relação intensa e forte com sua mãe — que você faz parte dela e ela faz parte de você. Eu pensei: ‘oh, vai ser um ótimo livro sobre como você ama sua mãe e tem um relacionamento muito próximo’. Mas fica claro que essa relação é complicada e não tão próxima quanto você queria que fosse. E que sua mãe teve tendências bastante narcisistas durante a sua infância.
Eu acho que, para muitas pessoas que passam por esse processo, o que você escreveu é ainda mais importante, porque nem todo mundo tem uma relação fácil e amável com os pais, e quando esse momento chega [de perda ou cuidado no fim da morte], essas pessoas carregam um sentimento horrível de culpa.
Molly Jong-Fast – Eu arriscaria dizer que, no geral, as pessoas têm relações mais difíceis com os pais do que a gente imagina. Nossa geração está passando por esse período em que estamos perdendo nossos pais, e, quando converso com as pessoas, percebo que elas se sentem culpadas, elas ficam presas nesse sentimento ruim. E eu definitivamente me senti assim também e eu coloquei isso no livro. Mas o terapeuta do meu marido diz: ‘Às vezes, quando você tem pais narcisistas, você se sente pior por não ter dado certo por qualquer razão que seja.’
Katty Kay – Você se sentiu culpa quando sua mãe começou a ter demência e você decidiu levá-la para uma casa de repouso?
Molly Jong-Fast – Eu definitivamente nunca pensei que a colocaria em uma casa de repouso. Primeiro, preciso dizer que esses locais estão cada vez melhores. Mas, mais do que isso, no meu mundo ideal, minha mãe não seria uma alcoólatra e eu a traria para morar na minha casa, onde ela estaria pintando e escrevendo poesia, e talvez sendo “excêntrica”, mas, ainda assim, ela viveria comigo. Então, eu me senti muito mal, porque não aconteceu da forma como eu gostaria que tivesse acontecido.
Mas eu percebi que esse meu sentimento de mal-estar era algo útil para as pessoas verem. Eu não estou fazendo isso porque eu quero me exibir. Eu estou fazendo isso porque eu realmente acredito que quando você tem um relacionamento que não é o que você quer, e isso te faz sofrer, você não precisa carregar isso. E, ao dizer ‘eu fiz isso, mas você não precisa fazer”, essa é, de certa forma, a mensagem principal.