O anúncio do tarifaço pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre produtos brasileiros, somado à inclusão do ministro Alexandre de Moraes (STF) na lista de sanções da Lei Magnitsky, abalaram a costura entre a família de Jair Bolsonaro (PL) e líderes do Centrão, que tentam pavimentar uma aliança para a eleição presidencial de 2026.
Justificada pela perseguição judicial contra Bolsonaro, segundo palavras da Casa Branca, a ofensiva americana gerou atritos dentro do campo conservador. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) fez críticas a figuras vistas como reticentes, como os governadores presidenciáveis Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Ratinho Jr. (PSD-PR), e um aliado de peso do próprio partido, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).
A ausência de Tarcísio, Ratinho e dos governadores Ronaldo Caiado (GO) e Romeu Zema (MG) nas manifestações do último domingo também mostraram que eles receiam se indispor com Moraes e não querem ser ligados à crise do tarifaço de Trump.
A reação do entorno do ex-presidente revelou incômodo com o tom reticente adotado por parte da centro-direita diante da crise comercial e diplomática. Mas depois o próprio Jair Bolsonaro passou a adotar um tom mais cauteloso, sobretudo em razão das restrições impostas a ele por Alexandre de Moraes, que sugerem o risco de prisão preventiva.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por sua vez, passou a explorar politicamente o embate com os EUA, reforçando um discurso nacionalista e mobilizando sua base com a perspectiva de uma eventual condenação de Bolsonaro neste semestre no julgamento da suposta tentativa de golpe de Estado.
Ausências de governadores em protestos contra Moraes revelam distanciamento
A força simbólica dos atos contra o ministro Alexandre de Moraes, realizados neste domingo (3) em cerca de 70 cidades, foi atenuada pela ausência dos quatro governadores tidos como presidenciáveis—Tarcísio , Caiado, Zema e Ratinho Jr. — além do próprio Jair Bolsonaro, impedido de comparecer por usar tornozeleira eletrônica.
Em suas justificativas, Tarcísio recupera-se de um procedimento de radioablação na tireoide (procedimento não emergencial, tanto que ele voltou a trabalhar normalmente na segunda-feira); Caiado defendeu que o momento exige diálogo e manteve uma agenda de compromissos longe dos protestos; Zema manteve-se fora de cena e Ratinho Júnior percorreu o interior do Paraná.
Analistas avaliam também que os governadores também não conseguiram antever que as manifestações reuniriam grandes multidões e podem ter temido ter suas imagens vinculadas a atos com baixa adesão.
Nos bastidores, em geral a postura é lida como cálculo eleitoral: ao se afastarem das ruas agora, esses governadores preservam suas possíveis candidaturas de represálias do STF, mas seguem como alternativas a Bolsonaro em 2026.
Os protestos reuniram dezenas de milhares de manifestantes em São Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Belém, Campo Grande, Goiânia, Curitiba e Porto Alegre, entre outras capitais e cidades de médio porte. A ausência de alguns dos principais líderes locais foi criticada por apoiadores de Bolsonaro.
Família Bolsonaro cobra lealdade já; Centrão ainda calcula vantagens e riscos
O envolvimento pessoal do presidente americano nas tensões internas do Brasil constrangeu setores do Centrão, que tentavam manter uma equidistância estratégica. Segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a aliança entre direita e centro-direita segue viável, mas dependerá da forma como cada lado lidará com os efeitos políticos e econômicos da escalada da crise internacional.
O cientista político Leonardo Barreto, da consultoria Think Policy, avalia que a aliança entre Centrão e família Bolsonaro enfrenta um teste decisivo. A tensão aumentou desde quando Eduardo Bolsonaro começou a alertar que parlamentares brasileiros, particularmente os presidentes da Câmara e o Senado, poderiam ser alvo de sanções, caso não pautem propostas como a anistia aos réus do 8 de Janeiro e o impeachment de Moraes.
“O Centrão quer os votos de Bolsonaro, mas não sua liderança”, resume Barreto. Do outro lado, o ex-presidente exige respaldo sem abrir mão do protagonismo na direita. A influência de Bolsonaro em todas as bases conservadoras torna arriscado para partidos como PP, Republicanos, União Brasil e PSD romperem com ele de forma unilateral.
O cenário ideal, segundo Barreto, seria então um pacto: Bolsonaro apoiaria um nome do Centrão em troca de apoio explícito à sua anistia, caso venha a ser condenado.
Governadores evitam confronto direto com o STF; Zema é a única exceção
Durante o evento Expert XP, no último dia 26, os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Ratinho Jr. (PSD-PR) defenderam a unidade da direita em 2026 e a participação de Bolsonaro no processo eleitoral, mesmo inelegível até 2030. No entanto, evitaram fazer críticas ao STF e creditaram a Lula o tarifaço de 50% imposto as produtos brasileiros por Trump.
A exceção foi Romeu Zema (Novo-MG), que se lançou como pré-candidato à Presidência e passou a mirar o eleitorado fiel a Bolsonaro. Ele criticou duramente o governo, o STF e o impacto do tarifaço, afirmando que empresas e trabalhadores “pagarão a conta do Lula, da (primeira-dama) Janja e do STF”.
Zema também defendeu a inclusão da anistia a Bolsonaro nas tratativas com os EUA e sugeriu que a saída do Brasil do Brics (bloco diplomático formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Indonésia e Irã), argumentando que a atuação do país no bloco motivou a retaliação americana. Nas redes sociais, Zema alinhou-se ao discurso dos aliados próximos de Bolsonaro ao considerar “exageradas” as medidas cautelares impostas ao ex-presidente.
Eduardo Bolsonaro intensifica cobrança por alinhamento e ataca aliados
A tensão no campo conservador chegou ao ápice após críticas públicas de Eduardo Bolsonaro aos governadores, a quem acusou de omissão no episódio das sanções americanas. O deputado também reprovou a viagem de senadores brasileiros aos EUA em busca de diálogo com o governo Trump, incluindo a ex-ministra Tereza Cristina (PP-MS), e criticou Nikolas Ferreira por não se posicionar firmemente em defesa do tarifaço.
Nikolas buscou mostrar nas redes com tom conciliador, sem exibir rancores, dizendo que a sanção a Moraes representa “um marco na denúncia internacional contra abusos de autoridade” e reconhecendo a importância da atuação de Eduardo no processo. Depois de falar com Eduardo, Nikolas foi um dos destaques nas manifestações de domingo contra Moraes em Belo Horizonte e São Paulo.
Outro aliado de Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia, também atacou nas redes sociais os governadores que evitam confrontar o STF. Para ele, a omissão diante de Alexandre de Moraes é o “verdadeiro problema” da direita. “Falar de Lula é mole. Quero ver é botar o dedo na ferida”, disse, acrescentando em um outro momento que apenas Zema tem sido uma exceção, se posicionado com clareza em favor de Bolsonaro e contra Moraes.
Analista vê ganho provisório para Lula, mas descarta racha na direita em 2026
O cientista político Ismael Almeida considera naturais os ruídos provocados pela decisão de Trump, sobretudo diante do teor político da carta enviada ao presidente Lula. Segundo ele, os governadores tendem a priorizar os efeitos econômicos sobre seus estados, evitando entrar em disputas de cunho ideológico.
Para Almeida, o desgaste atual é pontual e não compromete a perspectiva de união entre direita e centro-direita em 2026. Ele observa que, embora não sejam associados à ala ideológica do PL, os governadores também nunca foram cobrados publicamente por isso. A tendência, diz, é de recomposição.
Almeida acredita ainda que Lula colhe ganhos momentâneos com a crise, mas alerta que o impacto do tarifaço poderá recair sobre o governo, principal alvo da insatisfação popular em momentos de turbulência econômica. “Se o governo insistir no confronto, ficará claro que a motivação é puramente eleitoral.”
O que mais chama a atenção, ressalta Almeida, é que os governadores continuam mostrando publicamente forte alinhamento no propósito comum de se contrapor e derrotar Lula e o PT. “Esse consenso reforça a percepção de que a direita tende a permanecer unida em 2026, sem risco de divisão”, diz.
Aliança com Trump fortalece Bolsonaro, mas também impõe novos dilemas
O apoio declarado de Donald Trump à família Bolsonaro no contexto das sanções comerciais e ao ministro Alexandre de Moraes reforça o capital político do ex-presidente, mas também traz riscos. Ao colocar o Brasil como exemplo de colapso do Estado de Direito, Trump acendeu alertas no mercado e impôs dilemas à centro-direita, que tenta capitalizar o apoio do eleitorado conservador e refutar o ônus econômico da crise.
Na justificativa de sua ordem executiva, Trump alegou que o Brasil vive “perseguição política com processos forjados”, o que ameaça a realização de uma eleição “livre e justa” em 2026. Sobre Bolsonaro, chegou a dizer que “deixe o povo decidir” o destino dele. E citou ainda “abuso de direitos humanos” e acusou o governo brasileiro de contribuir para o enfraquecimento das instituições.
A fala ecoa o discurso de Bolsonaro, que tem afirmado, juntamente com outros apoiadores, que eleição sem ele “não é eleição”. Inelegível por decisões da Justiça Eleitoral e alvo de processo criminal por suposta tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente prepara a sua estratégia com base em uma perspectiva de ainda forte instabilidade em 2026, mantendo a direita sob pressão para segui-lo e ainda enfrentando problemas de saúde.