Propostas de anistia vão da mais ampla à mais branda



A anistia aos condenados do 8 de janeiro e de outros episódios ligados às eleições de 2022 é o assunto que mais mobiliza e divide o Congresso atualmente. Em torno dela, há uma série de propostas em análise na Câmara e no Senado, que vão do perdão “amplo, geral e irrestrito” ao ajuste processual para redução de penas de alguns, a “anistia light”.

O debate sobre a anistia se divide entre duas correntes. De um lado, a oposição busca até a volta dos direitos políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que já foi sentenciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e está inelegível até 2030, e está prestes a ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe. De outro, líderes do Centrão defendem saídas brandas, restritas aos que fizeram depredações em Brasília.

Em meio à tensão – deflagrada pelo julgamento de Bolsonaro aberto terça-feira (2), impulsionada pela retaliação dos Estados Unidos e pelas novas denúncias de abusos do ministro Alexandre de Moraes, do STF -, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), veio a campo para engajar PP, União e Republicanos. Nesse cenário, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mostra-se cauteloso diante dos possíveis textos e da resistência total do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A expectativa é de que a discussão avance logo após o fim do julgamento de Bolsonaro, previsto para a próxima sexta-feira (12). No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (União-AP) acena com uma proposta que não inclui o ex-presidente, elevando o embate entre as versões amplas e alternativas.

Propostas de anistia estão sendo elaboradas em negociações paralelas

Circulam no Congresso minutas paralelas aos projetos de anistia já protocolados, usadas como moeda de negociação. Uma delas, elaborada pela oposição, prevê perdão total a Jair Bolsonaro — do inquérito das fake news à inelegibilidade — e também beneficiaria Eduardo Bolsonaro. Caso aprovada, ambos estariam livres para disputar a eleição presidencial de 2026.

O texto, no entanto, é visto como inviável pelo centro político, já que extinguiria condenações, multas e restrições de direitos por atos, falas e postagens desde 2019.

Republicanos, União Brasil, PP e PSD defendem uma versão intermediária, sem restituir os direitos políticos de Bolsonaro, que pavimentaria a candidatura presidencial de Tarcísio de Freitas em 2026.

Mas a proposta mais restritiva sobre a anistia ainda não foi formalizada, justamente por falta de apoio suficiente. Davi Alcolumbre, em articulação com Rodrigo Pacheco (PSD-MG), costura no Senado um texto alternativo que evita o termo “anistia” e propõe análise diferenciada dos réus, preservando punições mais duras para organizadores e articuladores dos atos. Seria a mais branda das opções, ao gosto do governo e STF.

Marcus Deois, diretor da consultoria política Ética, avalia que um dos projetos de anistia até agora pouco considerados pode ganhar relevância nas discussões em curso. Trata-se do PL 1815/25, de autoria do deputado Fausto Pinato (PP-SP), que, segundo ele, pode surpreender ao abrir caminho para uma saída negociada. “O texto divide os réus em categorias, o que permite dosimetria justa das penas e debate lógico”, afirma.

Deois destaca ainda que o presidente da Câmara, Hugo Motta, não definiu como conduzirá a proposta. Entre as opções estão a tramitação regular pelas comissões, a criação de uma comissão especial ou a apresentação de um requerimento de urgência, que levaria o tema diretamente ao plenário, acelerando sua análise.

Apesar de os acordos recentes envolverem as propostas citadas, outras proposições tramitam no Congresso há mais tempo. Confira abaixo quais são elas.

Resumo de outros projetos sobre a anistia

  • PL 2858/2022 – Deputado Major Vitor Hugo (PL-GO)

Texto-mãe da discussão, concede ampla anistia a manifestantes ligados ao processo eleitoral de 2022. A ideia é que os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 sejam beneficiados em caso de aprovação dessa proposição. Criou-se uma comissão especial em outubro de 2024, que o juntou a outros textos semelhantes. Em abril deste ano, foi pedido regime de urgência, mas não avançou no mérito.

  • PL 5643/2023 – Deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB)

Prevê a anistia aos acusados de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado, crimes previstos pelos artigos 359-L e 359-M do Código Penal, dentro dos inquéritos do 8 de janeiro. Tramita agregado ao PL 2858/2022.

  • PL 5793/2023 – Deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ)

Essa proposta não trata diretamente de anistia e propõe apenas ajustes nos tipos penais e no Código de Processo Penal. O PL 1216/2024, de Hélio Lopes (PL-RJ), também não aborda a questão principal, mas faz alívios processuais e de multas para os inscritos no CadÚnico.

  • PL 5064/2023 – Senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS)

A proposta tramita no Senado e concede anistia a acusados dos artigos 359-L e 359-M, que tratam de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. Mas os envolvidos no 8 de janeiro ainda responderiam pelos crimes como dano qualificado e destruição de patrimônio tombado. Encontra-se parado desde a sua apresentação na Comissão de Defesa da Democracia (CDD).

  • PL 1068/2024 – Senador Marcio Bittar (União-AC)

Prevê anistia aos atos de 8 de janeiro e restabelece direitos políticos de inelegíveis ligados às eleições de 2022. O texto segue em tramitação no Senado, junto com o PL 2706/2024, de Rosana Martinelli (PL-MT), e o PL 2987/2024, de Ireneu Orth (PP-RS). Bittar é autor ainda da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 70/2023, que anistia e devolve direitos políticos. Está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas sem relator.

Para analista, ameaça de derrubada da anistia pelo STF perdeu força

Na Câmara, a oposição pressiona para votar a anistia como “prioridade das prioridades”. O deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) declarou que o projeto “é urgente para pacificar o país”. Já o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), reagiu: “Aprovar anistia seria golpe parlamentar”. No Senado, Hamilton Mourão admitiu que “a batalha é mais difícil”.

Do lado do governo, a reação foi dura. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT-PR), acusou Tarcísio de Freitas de promover um “vexame total” e de querer “dar presente a Donald Trump”, presidente dos Estados Unidos. Já o deputado Rui Falcão (PT-SP) ingressou no STF com representação contra o governador de São Paulo e alegou tentativa de obstrução de justiça ao pressionar pela votação em meio ao julgamento de Bolsonaro.

Apesar de tudo isso, a maior resistência à ofensiva da oposição encontra-se mesmo no Senado, cujo presidente trabalha por uma alternativa ainda sem texto conhecido, que excluiria Bolsonaro e apenas reduziria penas para outros réus, o inverso dos projetos de anistia ampla.

Para o cientista político Ismael Almeida, perdeu força o temor de que o STF possa anular a anistia por inconstitucionalidade. Ele lembra que a Constituição veda expressamente graça ou anistia a crimes de tortura, tráfico, terrorismo e hediondos. No caso de crime contra a ordem constitucional, não há menção contrária à anistia política.

A prerrogativa da anistia, reforça Almeida, é do Congresso, prevista no artigo 48 da Carta. “A imprescritibilidade e a inafiançabilidade desses crimes não excluem a chance de perdão legal, apenas impedem fiança ou prescrição. Sem a vedação expressa, não se pode limitar uma competência do Legislativo, que deve avaliar o interesse público”, diz.



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