Crédito, Victor Piemonte/STF
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- Author, Mariana Schreiber e Leandro Prazeres
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
O ministro votou, nesta quarta-feira (10/9), para que o processo seja anulado e absolveu Bolsonaro por todos os cinco crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República.
“A questão do voto do ministro Fux chocou todos pela falta total de aderência ao passado. Vamos lembrar que o ministro Fux sempre foi punitivista”, disse o criminalista Aury Lopes Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em um vídeo compartilhado em seu Instagram.
Até 20h da quarta-feira, quando seu voto já durava mais de 9 horas, Fux só havia condenado o delator Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, pelo crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Com isso, formou-se maioria por sua condenação — os ministros, porém, ainda vão decidir se sua pena será reduzida ou extinta, como prêmio pela colaboração.
Acusados de tentar um golpe de Estado após Bolsonaro perder as eleições de 2022, todos os réus negam envolvimento em planos ou ações autoritárias.
Além de Fux, já votaram os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, ambos pela condenação dos oito. O julgamento ocorre na Primeira Turma do STF, formada por cinco ministros — ou seja, se houver mais um voto pela condenação de Bolsonaro, ele será considerado culpado.
A expectativa é que Fux conclua seu voto nesta quarta-feira e o julgamento seja retomado na quinta-feira com os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Se Fux for o único a absolver réus, isso não mudará o desfecho do julgamento. Mas, caso ao menos um segundo ministro o acompanhe em votos mais brandos, isso poderá abrir brechas para recursos contra a condenação ao plenário do STF, formado pelos onze ministros da Corte.
Segundo as regras do Supremo, se houver dois votos da Primeira Turma absolvendo o réu, ao menos em parte das acusações, é possível esse tipo recurso, chamado de embargos infringentes.
Um cenário como esse prolongaria o julgamento de Bolsonaro, mas não significaria, necessariamente, chances concretas de reverter uma eventual condenação na Primeira Turma, já que a maioria do plenário STF tem apoiado a atuação de Moraes em processos relacionados aos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas inconformados com eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva depredaram as sedes dos Três Poderes.
Crédito, Gustavo Moreno/STF
Juristas já esperavam que Fux divergiria de Moraes, devido a posições recentes adotadas pelo ministro. Ele passou, por exemplo, a considerar excessivas as penas dos condenados pelos ataques de 8 de janeiro, após ter apoiado essas condenações nos primeiros julgamentos.
Apesar disso, advogados dos réus ouvidos pela BBC News Brasil reconheceram que o voto de Fux pela absolvição surpreendeu. Inicialmente, a expectativa era de que ele poderia votar por condenações mais brandas que Moraes.
“Lavou nossa alma”, disse Celso Villardi, advogado do Bolsonaro, durante o julgamento, ao ser questionado pela reportagem sobre a decisão do ministro de aceitar as preliminares.
Outro ponto celebrado pelos advogados foi a decisão de Fux de atender a maioria das preliminares levantadas pelas defesas. As questões preliminares costumam tratar da legalidade do processo, e são analisadas antes que os ministros decidam sobre a culpa ou inocência dos réus.
Ao analisar esses pedidos, o ministro votou, por exemplo, para que toda a ação penal fosse anulada por entender que houve cerceamento da defesa, devido à falta de tempo adequado para que os advogados analisassem o grande volume de conteúdo produzido pela investigação da Polícia Federal.
Ele também considerou que o processo deveria ter tramitado na primeira instância judicial, e não no Supremo, e disse que isso também era um motivo para anular a ação penal.
Moraes e Dino, porém, rejeitaram essas preliminares e votaram pela legalidade do processo. Cármen Lúcia e Zanin ainda vão se manifestar nesse ponto, mas há expectativa de que também recusem os pedidos.
‘Um dos episódios mais estranhos da história do Supremo’
O ex-defensor público federal Caio Paiva também considerou surpreendente a postura mais branda de Fux no julgamento de Bolsonaro, típica de um “garantista” — ou seja, um juiz que dá maior peso em seus votos às garantias constitucionais dos acusados e aos argumentos das defesas.
Coordenador do CEI, uma plataforma de cursos jurídicos, ele faz um acompanhamento sistemático de decisões dos ministros do STF e afirma que Fux é o que mais rejeita habeas corpus — recurso típico das defesas.
“Conheço praticamente toda a jurisprudência penal do STF. Faço esse estudo há muitos anos, tanto da jurisprudência atual como de decisões mais antigas. Raramente algo relevante me escapa”, escreveu na rede social X.
“Por isso, afirmo com toda certeza: esse voto do ministro Fux representa um dos episódios mais estranhos da história do Supremo e, sem dúvida, o posicionamento mais garantista ou libertário do ministro mais rigoroso da história recente do STF. Fux elegeu o julgamento dos crimes contra a democracia para escrever uma página inédita no livro da sua história no Supremo”, continuou.
Juristas lembraram também a postura dura de Fux ao decidir sobre grandes escândalos de corrupção, como no julgamento do Mensalão (escândalo de corrupção do primeiro governo Lula) e depois em processos da Lava Jato, operação contra desvios na Petrobras e grandes obras públicas, iniciada em 2014 e que entrou em declínio a partir de 2019.
Professor da PUC-RS, Aury Lopes Júnior listou ainda outros momentos em que Fux se posicionou por uma aplicação mais dura do direito penal, em vídeo no seu Instagram.
Por exemplo, quando o ministro se posicionou a favor do cumprimento antecipado da pena, antes do esgotamento dos recursos, a chamada prisão em segunda instância.
Ou quando ficou contra o chamado juiz de garantias, uma nova categoria de magistrado criada pelo Congresso para que processos criminais passem a ser julgados por um juiz diferente daquele que preside o inquérito criminal, antes da abertura da ação penal.
O objetivo dessa divisão é garantir maior imparcialidade do juiz no julgamento, evitando que ele se “contamine” pela visão da acusação na fase de investigação.
O professor citou ainda pesquisa do advogado David Metzker mostrando que Fux costuma negar 99% dos habeas corpus que analisa, aparecendo, ao lado de Flávio Dino, como o ministro que mais nega esses pedidos.
“Ele não está sendo coerente com nada do que decidiu no passado. Hoje, ele teve mais divergência pró-réu, talvez, do que toda a vida”, disse ainda Lopes Júnior.
Crédito, EPA/Shutterstock
O voto de Fux
Em longa manifestação, que já dura mais de 9 horas, Fux votou para absolver Bolsonaro dos cinco crimes denunciados: organização criminosa; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano contra o patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado.
O ministro sustentou que não há provas de que o ex-presidente sabia do plano Punhal Verde e Amarelo, para matar autoridades, entre elas o presidente Lula.
Fux afirmou ainda que Bolsonaro ter supostamente discutido a decretação de Estado de sítio após perder as eleições, em 2022, não configuraria os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático ou golpe de Estado.
“Se então, o presidente da República aventou e discutiu a decretação do Estado de sítio ou operação de garantia da lei e ordem, nada disso saiu da mera cogitação, motivo pelo qual não é possível reconhecer a configuração do artigo 359 [do código penal, que criminaliza o golpe de Estado]”, disse o ministro.
Além disso, Fux também absolveu o ex-comandante da Marinha Almir Garnier. Na sua visão, ele não deve ser condenado por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, apesar de ele supostamente ter se colocado à disposição de Bolsonaro durante uma reunião com chefes das Forças Armadas em que teriam sido discutidas medidas golpistas.
Segundo Fux, o simples fato de se colocar “à disposição” não se configura como crime.
“Apenas afirmar que se está à disposição ou que tropas estão à disposição não corresponde a auxílio material concreto. A denúncia não imputou a Almir Garnier a conduta de ter efetivamente convocado suas tropas para permanecer de prontidão de modo a prestar auxílio futuro a evento golpe de Estado”, afirmou Fux.
Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Almir Garnier teria dito que estaria à disposição de Bolsonaro quando o então presidente se reuniu com outros chefes das Forças Armadas para discutir medidas de exceção após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022.
Ainda de acordo com a denúncia, Garnier teria sido o único chefe militar a supostamente aderir ao plano supostamente discutido com Bolsonaro.