Anistia pode incluir Bolsonaro, mas depende de ajustes



A bancada da oposição, liderada pelo PL de Jair Bolsonaro, pretende fazer nesta semana uma nova ofensiva para pautar o projeto da anistia na Câmara dos Deputados. O objetivo é derrubar as condenações do Supremo Tribunal Federal (STF) a manifestantes do 8 de janeiro de 2023 e incluir o ex-presidente no rol de beneficiados.

A mobilização acontece após Bolsonaro e outros sete acusados serem condenados por tentativa de golpe, organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio público.

Os líderes do PL articulam para incluir na pauta de votações já desta terça-feira (16) o pedido de urgência para o Projeto de Lei 2858/2022, relatado pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE). O requerimento para acelerar a tramitação da proposta foi protocolado ainda em abril, mas foi engavetado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

No último final de semana, o presidente nacional do PL, Valdemar da Costa Neto, esteve reunido com o presidente do PSD, Gilberto Kassab, justamente para costurar o apoio do partido ao texto da anistia. Outras legendas como União Brasil, Republicanos, Progressistas e Novo já declararam voto favorável ao projeto na Câmara.

Para o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), a condenação de Bolsonaro “reforça a necessidade de corrigirmos os rumos” e que agora a anistia deve incluir também o ex-presidente e outros réus. Segundo o parlamentar, a expectativa é de votar o mérito da proposta logo após a aprovação da urgência.

“A anistia não ignora os erros. Ela os reconhece e, ainda assina, opta por reconciliar. Ela abre a porta para o perdão, a estabilidade institucional e a pacificação nacional”, disse Cavalcante.

Para avançar na aprovação do projeto, a oposição aposta no acordo com partidos do Centrão e na sinalização dada por Hugo Motta na reunião de líderes da semana passada de que o tema “precisaria ser enfrentado em algum momento”. Segundo alguns parlamentares da oposição, Motta teria se comprometido a priorizar o tema já nesta semana, começando pela votação do pedido de urgência, para evitar novos protestos ou obstrução das pautas de votações.

“Nós já temos hoje a maioria. O cálculo é de mais de 300 votos. Ninguém está pedindo aqui para aprovar a anistia, mas, se há apoio suficiente, por que não pautar?”, questionou o deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara.

Até agora, Motta vinha resistindo às pressões, mantendo a pauta alinhada ao governo Lula para priorizar projetos como a reforma do Imposto de Renda. Mas, com a crescente articulação da oposição e o fortalecimento do tema da anistia nas ruas, o compromisso foi considerado uma vitória parcial pelos apoiadores de Bolsonaro.

“Não há mais motivo para adiar. Se não votarmos, temos que fechar o Congresso, porque há um desrespeito evidente à maioria absoluta da Casa”, disse Zucco à Gazeta do Povo

Sobre as recentes declarações dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino de que a anistia será considerada inconstitucional, Zucco afirmou: “Isso não deve nos amedrontar”.

“O Congresso tem que mostrar o seu tamanho, a sua força. Para nós, a anistia não é apenas prioridade, é questão de justiça, de sobrevivência da democracia”, completou o líder da oposição. 

Projeto da anistia pode sofrer alterações antes da votação no plenário

A proposta encampada pela oposição e relatada por Rodrigo Valadares está parada desde outubro do ano passado, quando o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu que o tema seria discutido por uma comissão especial. A manobra teve como pano de fundo a estratégia de Lira para que o PT apoiasse a candidatura de Hugo Motta para a sucessão no comando da Casa. O colegiado nunca foi instalado.

O projeto, defendido pela oposição, prevê anistia ampla a quem participou de manifestações com motivação política ou eleitoral a partir de 30 de outubro de 2022 – data do segundo turno das eleições presidenciais.

De acordo com a proposta, a anistia seria estendida não apenas a quem esteve presente nos atos, mas também a apoiadores indiretos: doadores, prestadores de serviço e até usuários que publicaram conteúdos nas redes sociais.

Abrangeria tanto crimes políticos quanto conexos, alcançando decisões já transitadas em julgado e medidas cautelares que restringiram a liberdade de expressão.

O projeto deve enfrentar forte resistência da base governista e do próprio Judiciário, que já sinalizou não reconhecer como válida uma anistia que interfira em decisões transitadas em julgado.

Pelo projeto, ficam de fora apenas crimes graves, como homicídio, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos e determinados artigos do Código Penal, como lesão corporal grave e incêndio.

Na forma atual, o PL 2858/2022 não menciona diretamente o nome de Jair Bolsonaro. A interpretação da oposição é que, ao tratar de manifestações políticas e eleitorais, o texto poderia alcançar também processos envolvendo o ex-presidente. No entanto, líderes da base governista argumentam que seria necessário apresentar uma emenda para incluir Bolsonaro de maneira explícita, já que o projeto nasceu voltado principalmente aos investigados e condenados pelos ataques de 8 de Janeiro de 2023.

A líder da Minoria, Caroline de Toni (PL-SC), afirma que o texto “precisará de ajustes para adequá-lo à atual realidade” e lembra que, desde a tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), já se discutia a elaboração de um substitutivo para delimitar quais crimes estariam abrangidos e em quais casos a anistia seria aplicada.

“Esse tipo de alteração é natural no processo legislativo: em regra, todos os projetos aprovados passam por mudanças de redação resultantes de amplas discussões entre os parlamentares”, disse.

De acordo com a deputada, a condenação do Bolsonaro “reforça a urgência da anistia” e a necessidade do Congresso “reagir para impedir que a Justiça continue sendo usada como instrumento de perseguição política”.

“Esse julgamento contra Bolsonaro é nulo do início ao fim, nem sequer deveria ter começado. Nos últimos dias, o mundo inteiro assistiu aos vícios de parcialidade, às arbitrariedades e ao completo desrespeito ao devido processo legal. É diante disso que o Parlamento precisa cumprir o seu papel histórico e aprovar a anistia”, explicou Carol de Toni.

O deputado Coronel Tadeu (PL-SP) também defende a inclusão do ex-presidente: “Não há provas concretas contra Bolsonaro. O que existe é narrativa. O Parlamento cumpre sua função constitucional e não deve se intimidar.”

Até o momento, já foram apensados sete projetos similares à proposta original da anistia. Entre eles, o PL 4485/24, de autoria do deputado Marcos Pollon (PL-MS), que “revoga as punições e crimes atribuídos aos envolvidos nos eventos de 8 e 9 de janeiro de 2023, mantendo a preservação da ordem democrática, a paz pública e os direitos constitucionais fundamentais”.

O texto final dependerá de acordos e do relator que for escolhido para dar o parecer sobre a proposta no plenário. A escolha ainda é incerta, tendo em vista, a declaração de Motta de que não há previsão para indicação de um deputado e nem de pautar no plenário. Enquanto isso, a oposição tenta articular o nome de algum parlamentar do Centrão ou que seja mantido o mesmo: o deputado Rodrigo Valadares.

O que esperar das articulações pela anistia

As próximas semanas serão decisivas para o destino da anistia no Congresso. De um lado, a oposição pressiona pela aprovação de um perdão amplo, capaz de alcançar Jair Bolsonaro e todos os réus ligados aos atos de contestação eleitoral. Inicialmente, havia a expectativa de que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), desembarcasse em Brasília ainda nesta segunda-feira (15) para participar das negociações.

A viagem estava prevista para as 16h30, mas o Palácio dos Bandeirantes anunciou no fim da manhã a mudança de planos, sem dizer o motivo do cancelamento. Tarcísio esteve em Brasília há duas semanas e se reuniu com Motta para cobrar que a proposta da anistia fosse pautada.

“De fato o [Tarcísio] entrou de cabeça nessa articulação junto com a gente porque sabe que é injusto o que está acontecendo. O Brasil precisa virar essa página e isso só vai acontecer com a anistia”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

A oposição tenta emplacar uma proposta que anistie o ex-presidente Bolsonaro e os demais réus condenados pelo STF pela tentativa de golpe de Estado. Apesar disso, líderes do Senado, em especial o presidente Davi Alcolumbre (União-AP), articulam uma alternativa mais restrita: um projeto ainda em elaboração que não extinga os processos, mas apenas reduza as penas dos condenados pelos ataques de 8 de janeiro.

A proposta, segundo aliados, busca acomodar o desgaste político da pauta sem afrontar diretamente o Supremo. Mas o texto definitivo ainda é desconhecido e deve enfrentar forte disputa até mesmo dentro do Centrão.

O diretor-geral do Ranking dos Políticos, Juan Carlos Arruda, avalia que o cenário ainda é de “grande incerteza”. Segundo ele, embora haja um movimento político para acelerar a tramitação, a proposta enfrenta resistências importantes no Congresso, “especialmente porque envolve um tema de forte impacto simbólico e com repercussões diretas sobre a relação entre os poderes”.

A possível inclusão do ex-presidente Jair Bolsonaro, acrescenta Arruda, é o ponto mais delicado. “Embora haja setores que defendam sua anistia, a decisão final dependerá de dois fatores: o texto que for aprovado pelo Legislativo e, sobretudo, a interpretação do STF sobre a abrangência desse benefício. Em última instância, caberá ao Supremo definir se casos já julgados e condenados poderão ser alcançados pela medida.”

Ele observa ainda que, no curto prazo, o que tem mais chances de avançar é a revisão do tamanho das penas em casos como o da manifestante conhecida como “Débora do Batom”, que recebeu penas consideradas desproporcionais.

O governo Lula, por sua vez, adota cautela acerca das propostas de anistia. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), avisou que qualquer aprovação será vetada pelo presidente.

Anistia é “esperança” para presos do 8/1, diz advogado

O advogado Ezequiel Silveira, que atua na defesa de condenados do 8 de janeiro, afirma que as famílias “estão muito esperançosas com o andamento da anistia”, especialmente após a condenação de Bolsonaro no STF. Isso porque o ministro Luís Roberto Barroso havia dito que não se poderia discutir o tema antes de uma condenação, e questiona: “Agora há uma condenação. Significa que o STF vai permitir que o Congresso legisle sobre essa pauta? Essa é a nossa dúvida e a nossa esperança também.”

Sobre a inclusão de Bolsonaro, Silveira reconhece que, “por questão de justiça”, o ex-presidente deveria ser beneficiado. Ele cita o voto do ministro Luiz Fux como prova de que Bolsonaro “não teve ingerência sobre o 8 de janeiro e não poderia ser condenado, assim como aqueles que foram punidos apenas por estarem presentes em Brasília sem cometer crimes”.

Entretanto, ele pondera que a presença do ex-presidente pode inviabilizar a tramitação “É evidente que colocar Bolsonaro como beneficiário de uma eventual anistia vai travar o projeto e impedir o seu andamento.”

Segundo Silveira, os governistas têm como objetivo manter o ex-presidente inelegível, e essa disputa política pode atrasar a solução para centenas de pessoas presas.

“Talvez seja necessário fazer sacrifícios para tirar essas pessoas que nunca fizeram escolha política e estão sofrendo. A nossa prioridade sempre serão as pessoas humildes, aquelas que não têm advogados caros, que não têm quem lute por elas.”



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