Crédito, AP
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- Author, Bui Thu, MyHang Tran, Bui Hai e Grace Tsoi
- Role, Serviço vietnamita da BBC e Serviço Mundial da BBC
A imagem marcante da Guerra do Vietnã, “Garota Napalm” também tem sido motivo de orgulho e aspiração para fotojornalistas vietnamitas: seu criador, Nick Ut, tornou-se o primeiro e único fotógrafo vietnamita a ganhar um Prêmio Pulitzer.
“Nick Ut foi o escolhido”, declarou um fotógrafo vietnamita que preferiu não ser identificado. Reverenciado como “Mestre”, Ut mora nos Estados Unidos e viaja frequentemente para seu país natal, onde orientou gerações de fotojornalistas vietnamitas.
Mas, mais de 50 anos depois, a autoria da imagem icônica foi questionada por um novo documentário intitulado The Stringer, que estreou no Festival de Cinema de Sundance em janeiro.
Com a ajuda da tecnologia moderna, o documentário lançou uma alegação explosiva: afirma que a imagem foi tirada por Nguyen Thanh Nghe, um fotógrafo freelancer que agora tem 87 anos.
Crédito, Getty Images
Após o documentário, a World Press Photo (WPP) iniciou uma investigação e decidiu suspender a atribuição da imagem a Ut, gerando profunda controvérsia na comunidade fotojornalística.
“Para derrubar um herói, uma figura lendária, é preciso haver provas convincentes e suficientes”, disse outro fotojornalista vietnamita à BBC.
Na era digital, é “raro” que uma única imagem tenha tanto impacto, acrescentou. “Devemos ter cuidado. Não devemos permitir que a controvérsia prejudique o legado de uma foto tão importante ou cause mais sofrimento.”
A autenticidade da imagem não está em dúvida, mas a controvérsia se tornou emocionalmente carregada porque o nome do fotógrafo também faz parte do registro histórico, disse Keith Greenwood, professor associado de fotojornalismo na Universidade do Missouri.
“A Guerra do Vietnã tem uma história complexa e ainda pode gerar sentimentos fortes. É natural que questionar a foto também alimente alguns desses sentimentos”, concluiu.
Crédito, Getty Images/World Press Photo
A foto
A imagem icônica foi tirada após a Força Aérea Sul-Vietnamita lançar um ataque de napalm que atingiu acidentalmente a vila de Trang Bang em 8 de junho de 1972. Kim Phuc, a pessoa fotografada, brincava com o irmão e os primos no pátio de um templo.
Ut trabalhava para a Associated Press (AP) na época. O fotógrafo relatou que os moradores corriam por uma estrada próxima após a explosão. Após fotografar uma avó segurando uma criança, Ut viu Phuc correndo com os braços levantados. Ele correu para tirar fotos até ver a pele dela descascando. Então, jogou água no corpo dela e levou as crianças para um hospital.
Antes das câmeras digitais, os fotógrafos — tanto funcionários de agências quanto freelancers — tinham que deixar seus filmes no escritório. O editor da câmara escura registrava os créditos e revelava o filme. O fotógrafo-chefe então decidia qual foto enviar para a sede da AP.
“Quando voltei ao escritório, gritei: ‘Tenho uma foto muito especial!’ Todos se viraram para olhar”, disse Ut à BBC em janeiro.
Ut disse que ficou ao lado do editor da câmara escura, Yuichi “Jackson” Ishizaki, enquanto revelava o filme. Ishizaki rotulou o filme com o nome de Ut e trouxe a imagem para a área principal.
“Todos viram a foto, e alguém chamou meu chefe, o fotógrafo-chefe Horst Faas, para voltar do almoço imediatamente”, disse Ut.
De acordo com Ut, Faas chegou antes do editor de fotografia Carl Robinson, e os dois discutiram sobre a publicação da foto. Robinson, responsável pelas legendas, considerou a imagem inadequada por conter nudez. Sua objeção foi rejeitada.
Crédito, Getty Images
No entanto, Robinson relatou uma história muito diferente à BBC.
Ele disse que só encontrou Ishizaki e um técnico dentro da câmara escura depois do almoço. Segundo Robinson, os filmes já haviam sido revelados e preparados para análise. Havia duas fotos da mesma cena — uma de lado e outra de frente — em rolos diferentes, enviados por dois fotógrafos.
Robinson viu um nome desconhecido no diário de bordo porque o jornalista freelancer não trabalhava regularmente para a AP. “Tínhamos muitos correspondentes vietnamitas. Podiam ser civis ou, às vezes, soldados que ganhavam um dinheiro extra”, disse ele.
Robinson observou que Faas retornou mais tarde e não houve discussão sobre qual foto enviar. Ele também insistiu que Ut não estava presente durante o processo de seleção das fotos.
Robinson contou que, enquanto escrevia a legenda, Faas se aproximou e sussurrou em seu ouvido para dar crédito a Ut, um funcionário da AP. “Não tive coragem de desafiá-lo porque queria ficar em Saigon com minha esposa vietnamita e meus dois filhos pequenos”, afirmou.
Tanto Faas quanto Ishizaki morreram.
Crédito, Getty Images
A consciência de Robinson ficou abalada nas décadas seguintes. Ele queria se desculpar com o fotógrafo, mas não conseguia se lembrar do nome dele. Em 2015, com a ajuda de um ex-colega da AP, encontrou o nome de Nghe, mas não conseguiu localizá-lo.
Sete anos depois, Ut e Kim se encontraram com o Papa Francisco para celebrar o 50º aniversário da foto. “Finalmente decidi que precisava encarar tudo isso. Não podia continuar virando as costas e esquecendo.”
Robinson contatou o colega fotojornalista Gary Knight, que concordou em entrevistá-lo, marcando o início de The Stringer.
Pouco depois, a equipe de produção do documentário localizou Nghe, que havia se mudado para os Estados Unidos como refugiado após a queda de Saigon, mas havia retornado ao seu país de origem em 2002.
“Ele estava em silêncio, sem voz, ansioso e com dor — emoções profundamente reprimidas”, disse Nghe. “Nada é mais importante do que a verdade.”
As investigações
Após saber que o documentário estava em andamento, a AP iniciou sua própria investigação com base nas imagens disponíveis, entrevistas com testemunhas e uma inspeção das câmeras de Ut.
A AP publicou duas reportagens em janeiro e maio e concluiu que não havia evidências definitivas para remover Ut da foto. No entanto, a agência de notícias reconheceu que havia “questões significativas”.
A AP afirmou que a foto provavelmente foi tirada com uma câmera Pentax, o que contradiz o relato de Ut. Ele alegou que tinha quatro câmeras consigo naquele dia (duas Leica e duas Nikon) e que usou uma Leica para capturar a imagem. Quando questionado pela AP, Ut alegou que não prestou atenção no modelo e acrescentou que Faas explicou que a imagem veio de um rolo usado em uma Leica.
No dia da imagem, Nghe foi fotografado segurando uma câmera semelhante a uma Pentax.
Tanto o documentário quanto a AP tentaram reconstruir uma linha do tempo com base em filmagens, fotos e imagens de satélite. Imagens de vídeo gravadas logo após a foto ser tirada mostram uma figura borrada, que se acredita ser Ut, bem distante das crianças. O documentário afirma que Ut estava a 60 metros da câmera que fez essas imagens em vídeo, o que significa que ele teria tido que correr após tirar a foto.
A AP contestou essa estimativa, situando a figura borrada em uma faixa de 28,8 a 48 metros, com uma margem de erro de 20%. A agência argumentou que o cálculo da distância poderia ser afetado por diversas variáveis e que o documentário também ignorou outras imagens de vídeo e não teve acesso a dois conjuntos de imagens que utilizou em sua investigação.
O que acontece agora?
Nem a AP nem a World Press Photo afirmam ser capazes de determinar a identidade do fotógrafo. A World Press Photo chegou a sugerir que um terceiro fotógrafo pode ter capturado a imagem.
As dúvidas persistem: vários jornalistas presentes no local rejeitaram a versão do documentário como infundada e se recusaram a participar da filmagem.
E quanto à foto impressa? Nghe disse que Faas lhe deu uma, mas sua esposa a rasgou, frustrada.
Ut afirma ser o fotógrafo legítimo e planeja entrar com uma ação por difamação.
“As pessoas naturalmente querem saber a verdade por trás da foto”, disse o primeiro fotógrafo vietnamita anônimo citado neste artigo. “Precisamos de mais tempo e evidências para saber o que realmente aconteceu”, acrescentou.
Não há dúvidas sobre o poder que “Napalm Girl” mantém décadas após ter sido tirada, mas as alegações em torno de sua autoria adicionaram uma camada de mistério.