Aliança de Motta com STF e Lula contribuiu para esvaziar Câmara



O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) completa no próximo dia 1º de agosto seis meses à frente da presidência da Câmara em uma gestão marcada por tentativas de aproximação com o Supremo Tribunal Federal (STF), conciliação com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e afastamento da oposição. Agora, o desafio será o de conduzir a Casa em meio ao clima de disputa eleitoral e polarização do país, que tende a piorar até as eleições de 2026.

O desgaste mais evidente nessa primeira parte do seu mandato na presidência da Câmara dos Deputados foi justamente com a oposição, liderada pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. A sigla detém a maior bancada da Câmara, com cerca de 90 parlamentares e foi uma das primeiras que declararam apoio à candidatura de Motta. Apesar disso, o grupo se queixa que o deputado não estaria cumprindo as promessas feitas durante a campanha e um ala, inclusive, defende um rompimento da aliança.

O embate mais recente ocorreu na última terça-feira (22), quando Motta impediu que a oposição votasse moções de apoio a Bolsonaro durante o recesso parlamentar. A bancada interrompeu as férias dos parlamentares e convocou sessões das comissões de Relações Exteriores e de Segurança Pública após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, impor diversas restrições ao ex-presidente. Contudo, o presidente da Câmara publicou um ato impedindo qualquer deliberação até 4 de agosto.

“Hoje é mais um dia histórico na Câmara dos Deputados. Estamos aqui cancelando uma reunião com quórum, convocada pelo presidente da comissão, por uma decisão ilegal, antirregimental, do presidente Hugo Motta”, criticou o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ). 

Questionado sobre os motivos que levaram o PL a cumprir a decisão de Motta, o líder do partido disse que o grupo tinha “subserviência até para se submeter a uma decisão ilegal, mas ele não sabia até quando”.  Nos bastidores, deputados do partido de Bolsonaro indicam que o presidente da Câmara usou a oposição para vencer a disputa pelo comando da Casa, mas já deu claro sinais de que não vai dar andamento aos pleitos do grupo nas votações no Parlamento.

Motta segura projeto da anistia em meio aos acenos ao STF 

Outro ponto crítico da relação de Motta com a oposição diz respeito ao projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023. A proposta foi uma das prioridades da bancada do PL neste primeiro semestre, mas acabou sendo segurada na gaveta pelo presidente da Câmara. 

O projeto enfrenta resistências, principalmente do Supremo, e Motta optou por não pautá-lo na Câmara – mesmo diante do apoio da maioria dos deputados. A oposição protocolou, em abril, um requerimento de urgência com de 262 assinaturas, mas o deputado acabou atuando para que a proposta não fosse levada ao plenário.

“Presidente Hugo Motta, respeito é uma via de mão dupla. Respeite os deputados, os senadores, respeite o Brasil. Paute a anistia, pois ela é, com certeza, a maior justiça que o senhor vai fazer”, cobrou o líder da oposição, Luciano Zucco (PL-RS).

Dentro da bancada do PL, a avaliação é de que o presidente da Casa não respeitou o que foi acordado antes de sua eleição, bem como condicionantes para que a anistia fosse votada. A avaliação é de que Motta tem deixado as promessas de lado para se manter próximo aos ministros do STF.

Nesta semana, a oposição anunciou que, além da anistia, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 333/2017, que trata do fim do foro privilegiado, também estará na lista de prioridades do grupo após o fim do recesso. Contudo, ainda não há sinalização de acordo para que esses temas sejam pautados pelo presidente da Câmara.  

“Quando retornar o trabalho legislativo [na semana do dia 4 de agosto], nós temos como pauta nosso item número 1: não abriremos mão, na Câmara nem no Senado, de pautarmos anistia dos presos políticos do 8 de janeiro”, declarou o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), após se reunir com o ex-presidente Bolsonaro e com deputados e senadores na Câmara.

Entre as queixas dos deputados da oposição está a de que Motta deixou de lado a promessa de defender as prerrogativas da Câmara para se aliar ao STF. Desde o início de seu mandato, o presidente da Casa tem evitado embates com os ministros da Corte e já sinalizou que não entrará em conflito com o Judiciário. “Até quando seremos capacho de outro Poder?”, questionou o deputado Sóstenes Cavalcante.

No episódio mais recente, o ministro Alexandre de Moraes anulou a decisão do Congresso que havia derrubado o decreto do presidente Lula que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Assim como Hugo Motta, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), silenciou sobre a decisão monocrática do magistrado do STF. 

“Não é possível que a Câmara dos Deputados continue engavetando a PEC que pede o fim das decisões monocráticas sem tirar nenhum poder do Supremo. Pelo contrário, dando poder ao Supremo, deixando ao Supremo uma situação melhor do que essa situação de ter que decidir por um homem só”, disse o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). O parlamentar é autor da proposta que limita as decisões monocráticas da Corte que já passou pelo Senado, mas que segue na gaveta do presidente da Câmara. 

IOF estremece relação com Lula, mas presidente da Câmara mantém diálogo com Planalto 

O impasse sobre o decreto do IOF foi justamente o ponto que causou um distanciamento entre Hugo Motta e o governo Lula nesses seis primeiros meses de gestão. Desde que chegou ao comando da Câmara, o deputado vinha mantendo uma relação de proximidade com o Planalto, mas a proposta de aumento de impostos acabou virando um entrave com o petista.

Motta incluiu o pedido de derrubada do decreto em meio às negociações com o Planalto, o que irritou Lula. O presidente da Câmara virou alvo de ataques da militância petista nas redes sociais e integrantes do governo precisaram entrar em campo para tentar restabelecer um diálogo com o deputado. 

Apesar de ter conseguido manter o aumento do IOF por meio da decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, aliados de Hugo Motta acreditam que a relação com o Executivo deve se manter estremecida pelos próximos meses. Apesar disso, a avaliação de seus interlocutores é de que o deputado vai manter uma postura de diálogo e que não ele pretende inviabilizar o restante governo petista. 

Com as eleições de 2026 no horizonte, há pouca margem para “tentar algo novo” no segundo semestre, segundo líderes do Centrão. De forma reservada, parlamentares avaliam que, na tentativa de não desagradar o Executivo e o STF, Motta ficou sem ferramentas para arrefecer os conflitos e negociar soluções para fortalecer a Câmara. 

Há ainda quem aponte como um problema a “sombra” de Arthur Lira (PP-AL), que, diferentemente de outros ex-presidentes da Câmara, continua com um certo protagonismo no Legislativo. Motta indicou o ex-presidente da Casa para relatar o projeto da isenção do imposto de renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, uma das prioridades do Executivo no Congresso para este ano.

Foi Lira, por exemplo, quem fez o primeiro aceno em nome do Legislativo após a crise da derrubada do decreto do IOF e defendeu que todos os Poderes dessem “um passo atrás”.

Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec em Belo Horizonte, o resultado deste primeiro semestre mostrou que Hugo Motta enfrentou dificuldades para se posicionar politicamente, o que gerou ruídos com a oposição e travou o andamento do Legislativo.

“Ele começou se aproximando demais do STF e do governo, deixando a oposição desconfortável”, avalia Cerqueira. Essa postura, segundo ele, contribuiu para um cenário de estagnação. “Não houve grandes decisões tomadas pela Casa por conta disso. Uma certa paralisia legislativa aconteceu”, completou. 

Antes do recesso, alguns acordos feitos com o governo foram rompidos. Entre eles, parte da bancada do PT se queixa da decisão de Motta de retirar a relatoria da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do partido – promessa que foi feita ainda durante as negociações para que ele fosse candidato à presidência da Câmara. 

Deputados avaliam que Motta vai precisar encontrar uma maneira de se posicionar melhor nos conflitos e deixar claro “de que lado está” e “como funciona seu jogo”.

No governo, apesar de a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, ter uma boa relação com o presidente da Câmara, a avaliação é de que “não dá para confiar na palavra” do deputado.



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