Crédito, AFP
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- Author, Jeremy Bowen
- Role, Editor de internacional da BBC News
O país está permitindo o lançamento de ajuda humanitária por via aérea — realizou o primeiro lançamento durante a noite de sábado (26/07), e permitiu que a Força Aérea dos Emirados Árabes Unidos realizasse outro no domingo.
As FDI também anunciaram que permitiriam uma “pausa tática na atividade militar” em algumas áreas, e estabeleceriam “corredores humanitários designados… para refutar a falsa alegação intencional de fome”.
O Hamas condenou as medidas como uma “enganação”. Israel, segundo o grupo, estava “maquiando sua imagem perante o mundo”.
Mais tarde, Israel realizou um ataque aéreo durante a “pausa tática”. Relatos a partir do local dizem que uma mulher chamada Wafaa Harara e seus quatro filhos, Sara, Areej, Judy e Iyad, foram mortos.
Embora Israel continue a insistir que não é responsável pela catástrofe humanitária em Gaza e que não impõe restrições à entrada de ajuda em Gaza, essas alegações não são aceitas por seus aliados próximos na Europa, nem pelas Nações Unidas e outras agências que atuam em Gaza.
As novas medidas podem ser uma admissão tácita dos israelenses de que precisam fazer mais.
É mais provável que sejam um aceno para os aliados que emitiram declarações fortes culpando Israel pela fome em Gaza.
A mais recente, divulgada na última sexta-feira (25/07), pelo Reino Unido, França e Alemanha, foi contundente.
“Pedimos ao governo israelense que suspenda imediatamente as restrições ao fluxo de ajuda e permita urgentemente que a ONU e as ONGs humanitárias realizem seu trabalho para combater a fome. Israel precisa cumprir suas obrigações de acordo com o direito humanitário internacional.”
Israel impôs um bloqueio total de toda ajuda a Gaza, com restrições à aprovação do conteúdo e à movimentação de comboios com suprimentos. Com os americanos, o país estabeleceu um novo sistema de distribuição de ajuda por meio da chamada Fundação Humanitária de Gaza (GHF), destinada a substituir a rede de ajuda administrada pelas Nações Unidas.
Israel alega que o Hamas roubou ajuda humanitária do sistema da ONU. A ONU diz que ainda está esperando que os israelenses apresentem evidências que comprovem a alegação.
Um coronel aposentado das forças especiais dos EUA que trabalhou para a GHF em Gaza disse à BBC que viu colegas americanos e soldados das FDI abrindo fogo contra civis. Ambos negam que tenham mirado em civis.
Jonathan Whittall, chefe do escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) nos Territórios Palestinos Ocupados, já condenou os métodos usados pela GHF.
Israel disse a ele que seu visto não seria renovado depois que ele publicou nas redes sociais, há um mês, que o sistema da GHF havia levado Gaza a “condições criadas para matar… o que estamos vendo é uma carnificina. É a fome como arma. É o desalojamento forçado. É uma sentença de morte para pessoas que estão apenas tentando sobreviver. Parece ser a eliminação da vida palestina”.
Depois que Israel anunciou as novas medidas, Whittall disse à BBC que “a situação humanitária em Gaza nunca foi tão ruim”.
Ele afirmou que, para que as novas medidas de Israel mudem a situação para melhor, seria preciso reduzir o tempo que leva para permitir que os caminhões transitem pelas passagens para Gaza e melhorar as rotas fornecidas pelas FDI para os comboios usarem.
Israel também precisaria fornecer “garantias significativas de que as pessoas que se reúnem para retirar alimentos da carroceria dos caminhões não serão baleadas pelas forças israelenses”.
Whittall tem entrado e saído de Gaza desde o início da guerra, mas isso agora está prestes a acabar, a menos que Israel decida não retirar seu visto. Ele afirma que, à medida que as operações militares das FDI continuam, “permanece um desrespeito abominável pelo direito humanitário”.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa Yoav Gallant já são alvos de mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) no ano passado, acusados de responsabilidade criminal conjunta pelo “crime de guerra de fome como método de combate; e os crimes contra a humanidade de assassinato, perseguição e outros atos desumanos”. Netanyahu, Gallant e o Estado israelense negam as acusações.
Israel divulgou imagens de vídeo granuladas de um avião de carga lançando pacotes de ajuda humanitária em Gaza. Uma fila de paraquedas era lançada da parte traseira da aeronave em meio à escuridão da noite. As FDI disseram que entregaram sete pacotes contendo farinha, açúcar e alimentos enlatados.
Em outras guerras, vi ajuda humanitária sendo lançada, tanto dos próprios aviões quanto de perto no solo, ao aterrissar.
O lançamento aéreo de ajuda é um ato de desespero. Também pode ficar bonito na televisão e espalhar a sensação de que algo, finalmente, está sendo feito.
É um processo rudimentar que, por si só, não vai fazer muito para acabar com a fome em Gaza. Somente um cessar-fogo e uma operação de ajuda irrestrita e de longo prazo podem fazer isso. Mesmo os grandes aviões de carga não transportam tanta carga quanto um pequeno comboio de caminhões.
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No Curdistão iraquiano, após a Guerra do Golfo de 1991, os EUA, o Reino Unido e outros países lançaram ajuda humanitária de aviões de carga C-130, principalmente rações militares, sacos de dormir e uniformes de inverno extras para dezenas de milhares de pessoas que tentavam sobreviver ao ar livre, na lama e na neve, no alto das montanhas na fronteira do Iraque com a Turquia.
Voei com eles e observei os aviadores britânicos e americanos lançando ajuda das rampas de carga traseiras das aeronaves a milhares de metros acima das pessoas que precisavam dela.
Era muito bem-vinda. Mas, alguns dias depois, quando consegui chegar aos acampamentos improvisados nas montanhas, vi rapazes correndo para campos minados para pegar a ajuda que havia caído lá. Alguns foram mortos e mutilados em explosões. Vi famílias serem mortas quando pacotes pesados caíram sobre suas tendas.
Quando Mostar foi sitiada durante a guerra na Bósnia em 1993, vi pacotes de “refeições prontas para comer” do Exército americano, lançadas de grandes altitudes, espalhadas por toda zona leste da cidade, que estava sendo constantemente bombardeada. Alguns pacotes de ajuda atravessaram telhados que, de alguma forma, não haviam sido destruídos por ataques de artilharia.
Os profissionais envolvidos em operações de socorro consideram o lançamento aéreo de ajuda humanitária como um último recurso. Eles o utilizam quando qualquer outro acesso é impossível. Esse não é o caso em Gaza. A uma curta distância de carro ao norte está Ashdod, o moderno porto de contêineres de Israel. A algumas horas a mais, está a fronteira com a Jordânia, que tem sido usada regularmente como uma rota de abastecimento para Gaza.
Gaza era um dos lugares mais densamente povoados do mundo antes da guerra, quando a população de mais de dois milhões de palestinos tinha acesso a toda a faixa. Em termos britânicos, a Faixa de Gaza é um pouco menor do que a Ilha de Wight. Em comparação com cidades americanas, é mais ou menos do tamanho da Filadélfia ou de Detroit.
Agora, Israel forçou a maior parte da população de Gaza a se concentrar em uma pequena área na costa sul, que corresponde a cerca de 17% do território de Gaza. A maioria vive em barracas lotadas aglomeradas. Não está claro se há sequer um espaço aberto para que as aeronaves possam mirar.
Os pacotes de ajuda lançados de paraquedas muitas vezes aterrissam longe das pessoas que precisam deles.
Cada pacote será disputado por homens desesperados que tentam conseguir comida para suas famílias e por indivíduos criminosos que querem vendê-la para obter lucro.