Apelo de Moraes por punição marca julgamento de Bolsonaro


A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta terça-feira (2) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro com atos incomuns. Na abertura da sessão, o principal juiz do processo, Alexandre de Moraes, fez um discurso a favor da punição, antes de ouvir a defesa final dos réus. Depois, no momento de defender os clientes acusados, vários advogados usaram a tribuna para demonstrar apoio a teses já externadas pelos ministros; alguns fizeram elogios pessoais aos julgadores. Um advogado levou até bronca ao tratar de voto impresso e voto auditável.

Antes da leitura do relatório — documento que resume o andamento do processo, um ato protocolar —, Moraes falou contra a “impunidade”. A fala foi vista como um repúdio velado aos anseios no Congresso e em parte da sociedade pela anistia dos condenados por ele e seus colegas do STF pelos atos de 8 de janeiro de 2023. O ministro argumentou que a medida não pacificaria o país, mas enfraqueceria a democracia e incentivaria, segundo ele, “novas tentativas de golpe”.

“A história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação, pois o caminho aparentemente mais fácil, e só aparentemente, que é da impunidade, que é da omissão, deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia, como lamentavelmente o passado recente do Brasil demonstra”, disse.

Moraes vai proferir seu voto apenas na semana que vem – é nesse momento posterior que, em regra, o juiz examina se há provas das imputações criminais da acusação contra cada réu. No discurso, porém, Moraes tratou a suposta tentativa de golpe como fato indubitável, com base em 683 condenações já proferidas pelo STF contra pessoas presas na invasão da Corte, do Congresso e do Palácio do Planalto.

Afirmou que o objetivo dos atores envolvidos seria “uma verdadeira ditadura” – expressão que nem sequer consta na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Moraes repetiu que a Corte não cederá a “pressões internas ou externas”, um recado ao grupo político de Bolsonaro e ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que não vai recuar. Contrapôs-se à afirmação de que persegue politicamente o ex-presidente e promove uma “caça às bruxas” contra seus apoiadores, dizendo que o STF respeita o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

No momento seguinte, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, usou a sustentação oral – fala em que apresenta as conclusões da acusação – para fazer um discurso afinado com Moraes. Disse que a denúncia traçou um “panorama espantoso e tenebroso” e sustentou, em vários momentos, que os diversos fatos narrados – que compreendem o período que vai de julho de 2021 a janeiro de 2023 – devem ser interpretados de forma articulada para se compreender a tentativa de golpe.

Na fala, Gonet também se contrapôs à banalização das acusações, muito presente em discursos de Bolsonaro e de seus aliados. “Não se pode admitir que se puerilizem as tramas urdidas e postas em prática”, disse o procurador-geral, acrescentando que as manifestações contra o resultado das eleições “não podem ser tratados como atos de importância menor, como devaneios utópicos anódinos, como aventuras inconsideradas, nem como precipitações a serem reduzidas, com o passar dos dias, ao plano bonachão das curiosidades tão-só irreverentes da vida nacional”.

Ao longo da sustentação, Gonet reiterou as acusações feitas contra cada um dos réus: além de Jair Bolsonaro, os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência.

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Na fase de sustentação oral das defesas, os primeiros a falar foram os advogados de Cid, que tenta uma absolvição por ter feito um acordo de delação com a PGR. Apesar da colaboração com a acusação, Gonet pediu sua condenação, com redução mínima na pena, em razão de sucessivas contradições e omissões de Cid durante depoimentos.

A defesa de outros réus buscou anular as provas colhidas a partir dos relatos de Cid apontando coação da Polícia Federal, principalmente após vazarem áudios em que ele reclamava da “narrativa pronta” dos investigadores. “Eles não queriam que eu dissesse a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa deles”, desabafou o tenente-coronel.

Para defender a colaboração, o advogado Jair Alves Pereira, que integra a defesa de Cid, negou a coação e defendeu o delegado do caso, Fábio Schor, dizendo que sua equipe “foi extremamente ética e profissional”. “Qual o delegado que não tem uma tese confrontante ao que ele está investigando? Se ele não tiver uma hipótese, vai perguntar o quê? Se não tiver isso, não tem nada. Posso não concordar com o relatório e indiciamento, mas nem por isso posso dizer que ele cometeu ilegalidade ou coagiu.”

O segundo advogado de Cid, Cezar Bitencourt, iniciou sua fala rasgando elogios aos ministros. Disse que Cristiano Zanin foi “um dos mais extraordinários advogados” – antes de chegar ao STF, defendeu e livrou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva das condenações na Lava Jato. “Rendemos homenagem a Vossa Excelência pela garra, pela batalha, pela competência, pela dedicação, pela seriedade…”. Ao saudar Moraes, disse ser “honra imensa estar aqui na presença de Vossa Excelência”.

Quanto a Cármen Lúcia, “uma satisfação retornarmos aqui”. Com Fux, foi ainda mais longe: “sempre saudoso, sempre presente, sempre amoroso, sempre simpático, sempre atraente, como são os cariocas”. Flávio Dino até brincou: “não aceito nada menos que isso”. “Vossa Excelência está acima disso, vem lá do Norte, com a grandeza, a elegância, o tratamento, com a sabedoria, o talento, tudo que a gente precisa ter aqui”, emendou Bitencourt, ganhando o sorriso dos ministros.

Advogado de Almir Garnier, o advogado e ex-senador Demóstenes Torres passou mais de 20 minutos elogiando os ministros e advogados prestigiados no STF. “É possível gostar do ministro Alexandre de Moraes e ao mesmo tempo gostar do ex-presidente Bolsonaro? Sim, sou eu”, contando, em seguida, de um episódio em que Bolsonaro o abraçou no aeroporto. “Então, se o Bolsonaro precisar de eu levar cigarros para ele em qualquer lugar, conte comigo, ele é uma pessoa que eu gosto”, disse, fazendo piada sobre a possibilidade de prisão do ex-presidente na cadeia.

Eumar Novacki, advogado de Anderson Torres, tentou um aceno aos ministros manifestando repúdio aos atos de 8 de janeiro de 2023. “Eu fiquei revoltado quando vi aquelas cenas de destruição aqui na Esplanada”, afirmou, lembrando que em 2017 também houve invasão do Ministério da Agricultura, mas por manifestantes da esquerda.

“Aquilo atenta completamente contra o Estado Democrático de Direito”, afirmou, entoando o discurso repetido inúmeras vezes por ministros. Depois, disse que Anderson Torres fez reunião para desmobilizar o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, de onde partiram os manifestantes invasores.

Defensor de Alexandre Ramagem, o advogado Paulo Renato Cintra foi repreendido por Cármen Lúcia, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), depois de tentar explicar que as anotações do cliente contra as urnas eletrônicas tinham por objetivo defender o “voto impresso auditável”.

A ministra o interrompeu: “uma coisa é a eleição com processo auditável, outra coisa é o voto impresso”. “Só para ficar claro, porque vossa senhoria usou com muita frequência como se fosse a mesma coisa. Não é, e o que foi dito o tempo todo para criar uma confusão na cabeça da brasileira e do brasileiro, só para esclarecer”, disse.

O advogado tentou se explicar: “eu usei essa expressão, porque nesses textos e pronunciamentos de Jair Bolsonaro eram repetidos… minha opinião pessoal…”, disse, sendo novamente interrompido por Cármen Lúcia. “Não é opinião, é fato que o processo eleitoral brasileiro é amplamente auditável”. Constrangido, Cintra quase se desculpou: “eu conheço profissionalmente a segurança das urnas e essa questão do voto impresso é só em relação à defesa do que foi dito, não é a defesa que defende essa ideia”.

O julgamento será retomado nesta quarta-feira (3) com a sustentação oral das defesas de Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto.

Na saída da sessão, Paulo Cunha Bueno, um dos defensores de Bolsonaro, disse à Gazeta do Povo esperar a absolvição. “Se tiver um julgamento jurídico, com certeza, acreditamos e esperamos isso”. Questionado se o julgamento é político, ele respondeu: “não posso pensar dessa forma, tenho que acreditar que o julgamento seja estritamente jurídico”.

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