Nova regra alonga pagamentos por até 17 anos, dá fôlego a gestores, mas gera controvérsia entre especialistas
Promulgada nesta terça-feira (9) pelo Congresso Nacional, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 66/2023 que altera as regras de precatórios para estados e municípios deve aliviar em quase R$ 5 bilhões as dívidas que o Governo do Estado e as prefeituras de Mato Grosso do Sul têm com a população. A análise é do advogado Lucas Medeiros Duarte, do escritório Saad & Duarte Advocacia e Consultoria Jurídica, a pedido do Campo Grande News.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023, promulgada pelo Congresso Nacional, altera as regras de pagamento de precatórios, permitindo que estados e municípios parcelem suas dívidas em prazos mais longos. Em Mato Grosso do Sul, a medida deve aliviar cerca de R$ 5 bilhões em débitos. No entanto, o adiamento dos pagamentos, que pode se estender por até 17 anos, é visto como um “calote” para os credores, gerando críticas sobre a insegurança jurídica e a perda de credibilidade do setor público. A PEC também enfrenta questionamentos de inconstitucionalidade, com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizando ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida. A proposta, que retira parte dos gastos com precatórios do teto de despesas, é defendida por gestores como uma forma de equilibrar as contas públicas e garantir investimentos em áreas essenciais, como saúde e educação.
Na prática, a PEC flexibiliza o pagamento dessas dívidas judiciais, permitindo que sejam quitadas em parcelas menores e prazos mais longos.
Os precatórios são “dívidas do governo”, União, estados, municípios e autarquias, já reconhecidas pela Justiça, sem possibilidade de novos recursos. Eles decorrem, por exemplo, de ações movidas por cidadãos, empresas ou servidores sobre salários atrasados, aposentadorias mal calculadas ou indenizações por desapropriação. Como os valores costumam ser altos, não são pagos de imediato. A Justiça então emite o precatório, que entra em uma fila organizada pelos Tribunais de Justiça, obrigando o poder público a reservar verba no orçamento para quitar o débito.
Calote – Embora alivie o caixa dos entes públicos, a medida representa, segundo o advogado, mais um adiamento para quem tem valores a receber. “Enquanto a decisão do Congresso Nacional alivia “o caixa” do Estado e dos municípios sul-mato-grossenses, a população, infelizmente, acaba recebendo “um calote”, praticamente. Isso porque o pagamento dos débitos será postergado mais uma vez, agora por mais 17 anos conforme as novas regras”, afirmou.
Duarte calcula que, no caso dos municípios de MS, as dívidas tenham triplicado: de cerca de R$ 500 milhões em 2015 (último dado público disponível do Conselho Nacional de Justiça – CNJ) para algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão atualmente. Já os precatórios estaduais teriam aumentado de R$ 1 bilhão para R$ 3 bilhões.
Ele critica a proposta, uma vez que o pagamento dos precatórios, que no passado foi incluído na Constituição Federal para fazer justiça, vem sendo desvirtuado, gerando insegurança jurídica e descrédito da população no setor público. “A partir do momento em que você não paga uma dívida, isso gera perda de credibilidade do governo. Como acreditar que receberá alguma coisa?”, questiona.
O advogado também aponta inconstitucionalidade. “Talvez tenha uma finalidade pública de que a receita aumente, que os governos federal, estaduais e municipais consigam pagar suas contas e implementar programas sociais, mas é um custo controverso”, disse.
A poucas horas após a decisão do Congresso, o Conselho Federal da OAB ajuizou ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a medida, com pedido cautelar. O entendimento da entidade é de que a PEC permite que estados e municípios posterguem “indefinidamente” o pagamento de precatórios já reconhecidos.
Em todo o país, o estoque da dívida somava cerca de R$ 100 bilhões em 2024, considerando as 27 unidades da federação.

Equilíbrio controverso – Duarte lembrou que a origem da medida remonta a 2021, quando foi incluída na Constituição Federal a exigência de que os municípios quitassem seus precatórios até 2029. “Como esse prazo já está chegando, o Congresso, provavelmente vendo que os municípios não iriam conseguir pagar essa dívida à população que tem esse crédito, publicou agora essa PEC que acaba com essa obrigatoriedade”, explicou.
A proposta também auxilia o governo federal a cumprir a meta fiscal, retirando parte desses gastos do teto de despesas, além de limitar pagamentos por estados e municípios e permitir o refinanciamento de dívidas previdenciárias junto à União.
Para o presidente da Assomasul (Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul), Thalles Tomazelli, a promulgação da PEC 66 representa “uma grande vitória para o municipalismo”. Segundo ele, a medida dá fôlego às administrações locais. “Na prática, isso significa mais equilíbrio fiscal e melhores condições para cuidar da saúde, educação e infraestrutura da nossa população”, afirmou, por meio da assessoria de imprensa.
Na mesma linha, o presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal) e secretário de Fazenda de Mato Grosso do Sul, Flávio César, disse que a PEC “faz justiça e rememora um princípio importante do pacto federativo”.