Defesa de Bolsonaro aponta cerceamento no processo do golpe



Os advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros réus no processo da suposta tentativa de golpe em 2022 têm apontado violações ao direito à ampla defesa e ao contraditório no caso. Desde a abertura da primeira ação penal, no início de abril, as defesas têm se queixado de dificuldade para obter, acessar e encontrar provas colhidas na investigação que poderiam demonstrar a inocência dos réus, além de restrições no questionamento de testemunhas que começaram a prestar depoimento.

Uma das últimas reclamações foi protocolada pela defesa de Bolsonaro no dia 23 de maio, quando o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), iniciou os depoimentos das testemunhas indicadas pelos réus – processo que acaba nesta segunda-feira (2). Os advogados do ex-presidente queriam suspender e adiar as oitivas para que, antes, pudessem analisar melhor o conjunto das provas colhidas e disponibilizadas pela Polícia Federal, para questionar melhor as testemunhas do caso.

No pedido enviado a Moraes, os advogados Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno informaram que começaram a vasculhar o material disponibilizado pela PF dez dias antes, em 14 de maio, mas que o volume de documentos era “gigantesco”. Os arquivos compactados somavam 40 terabytes de dados e poderiam dobrar de tamanho na extração.

“Apenas para baixar o material são necessários muitos dias”, queixou-se a defesa, acrescentando outros obstáculos para analisar o material, como a exigência de senha para acessar documentos e a não localização da íntegra de conversas de WhatsApp das quais foram retiradas mensagens isoladas para acusar o ex-presidente.

“Não é possível, sequer, localizar o contexto do qual a prova da acusação foi retirado. O recorte continua existindo de forma isolada e, agora, sem fonte e localização conhecida”, escreveram os advogados, em referência aos diálogos do coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator no processo, com o general Mario Fernandes, acusado de planejar um atentado contra Alexandre de Moraes.

“A defesa ainda tenta acessar a prova enquanto as testemunhas são questionadas sobre o recorte das conversas”, afirmaram ainda os advogados, citando, desta vez, mensagem de Cid para o ex-comandante do Exército Freire Gomes – o general, em seu depoimento, apresentou versão mais amena das reuniões que tinha com Bolsonaro.

Reclamação semelhante, relacionada à dificuldade para examinar o conjunto das provas coletadas pela PF, foi externada a Moraes pela defesa do ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro e também réu no processo. Em 20 de maio, os advogados dele também tentaram adiar os depoimentos para questionar as testemunhas com provas que pudessem inocentá-lo.

“Se mensagens foram destacadas de conversas para imputar os supostos crimes ao requerente, é inadmissível que a instrução ocorra sem esta Defesa poder se utilizar da íntegra dessas mesmas conversas, sob pena de restar configurado cerceamento de defesa”, escreveram os advogados José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’acqua.

A defesa do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) também tentou, em vão, adiar os depoimentos, mantidos por Moraes. “Tal medida visa assegurar a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa”, escreveu o advogado Matheus Milanez ao ministro.

Moraes negou provas que podem inocentar Anderson Torres e Filipe Martins

Vários pedidos apresentados pelas defesas para ampliar o acesso às provas foram negados ou ignorados, até o momento, por Moraes.

A defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, por exemplo, quis obter imagens das câmeras de segurança do Palácio da Alvorada, para tentar provar que ele nunca participou de reuniões de Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas para discutir minutas de decreto que instituiriam estado de defesa, de sítio ou de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Um documento com teor semelhante foi apreendido na casa de Torres em 2023, mas ele alega que não participou da elaboração desse texto. Na denúncia, a Procuradoria-Geral da República (PGR) o acusa de ter participado das reuniões com os militares.

Moraes negou o acesso às imagens com o argumento de que isso era “desnecessário”, uma vez que na investigação foram juntados registros manuscritos, feitos pelo GSI, do controle da entrada de visitantes no Palácio da Alvorada. “Já existe prova documental sobre o fato apontado, cuja ausência de veracidade não foi contestada pela defesa”, despachou o ministro, ao negar obtenção das gravações em vídeo, antes do início dos depoimentos das testemunhas.

Durante os depoimentos, o ex-comandante do Exército Freire Gomes e o ex-chefe da Aeronáutica Baptista Júnior, não deram certeza, em seus relatos, sobre a presença de Anderson Torres nas reuniões com Bolsonaro.

A defesa do ex-assessor internacional Filipe Martins, por sua vez, também tenta, desde antes dos depoimentos, provar que ele não participou de uma reunião com Bolsonaro e comandantes das Forças Armadas em que, segundo a delação de Mauro Cid e a denúncia da PGR, ele teria lido os “considerandos” (parte inicial) da minuta de decreto de intervenção no TSE. Martins é acusado de elaborar o documento.

Os advogados dele tentaram obter dados de geolocalização de seu telefone celular para provar que, no momento da reunião, em 18 de novembro de 2022, ele não estava no Palácio da Alvorada. A denúncia da PGR usou como prova registro de sua entrada no local às 14h59 só no dia seguinte, 19 de novembro de 2022.

A denúncia também diz que Filipe Martins estava presente numa reunião de Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas nos dias 6 e 7 de dezembro de 2022, para discutir a minuta do decreto. Dados de geolocalização já obtidos pelos advogados demonstraram, porém, que seu celular estava num edifício residencial da Asa Sul, oito quilômetros distante do Palácio da Alvorada.

Nos depoimentos, Freire Gomes e Baptista Júnior também não deram certeza da participação de Filipe Martins nas reuniões que tiveram com Bolsonaro.

Ainda assim, a defesa do ex-assessor tentou impedir que os dois militares fossem questionados sobre o assunto nos depoimentos, uma vez que Martins faz parte de outra ação penal no caso, que sequer foi aberta. Como ele não é réu no mesmo processo de Bolsonaro, seus advogados entendem que houve cerceamento de defesa pelo fato de eles não terem participado dos questionamentos aos ex-comandantes.

As defesas de Torres e Martins consideram que as imagens e dados de geolocalização podem provar a inocência deles, pela ausência de participação nessas reuniões.

Condenação pode ocorrer neste ano

Entre advogados do processo, a previsão é o que o julgamento final do processo contra Bolsonaro e outros seis réus ocorra nos próximos três meses. A tendência é de condenação por cinco crimes: tentativa de golpe, abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração do patrimônio público, cujas penas, somadas, podem alcançar 30 anos de prisão.

Após o fim dos depoimentos, na segunda-feira (2), as defesas terão um período, ainda não definido, para apresentar provas que possam inocentar os réus. Depois, será marcado o depoimento deles e, em seguida, as defesas e a PGR apresentarão as alegações finais, última manifestação no processo antes do julgamento final.

Havendo condenação ou absolvição, ainda há a possibilidade de apresentação de recursos ao próprio STF. Só após a rejeição desses recursos, as penas podem começar a ser cumpridas, em caso de condenação.



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