A Polícia Federal indiciou nesta quarta-feira (20) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por obstrução da investigação sobre a suposta tentativa de golpe de Estado. Uma pessoa investigada passa à condição de indiciada quando o inquérito policial aponta um ou mais indícios de que ela teria cometido determinado crime.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirma que o indiciamento é formalizado pelo delegado de polícia, com base em evidências colhidas em depoimentos, laudos periciais e escutas telefônicas, entre outros instrumentos de investigação.
O pastor Silas Malafaia também foi incluído na investigação e teve aparelhos celulares apreendidos em uma busca pessoal no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, ao desembarcar de Lisboa. No entanto, ele não foi indiciado pela PF.
VEJA TAMBÉM:
Os investigadores apontam que Malafaia teria atuado com “adesão subjetiva ao intento criminoso”. Segundo a PF, o pastor teria definido estratégias, difundido “narrativas inverídicas” e direcionado ações coordenadas para “coagir” membros da cúpula do Poder Judiciário.
Os indiciamentos e investigações ocorrem no contexto de um inquérito que apura a atuação de Eduardo nos Estados Unidos contra autoridades brasileiras. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do caso, encaminhou o relatório final da PF à Procuradoria-Geral da República (PGR).
A Polícia Federal atribui a Bolsonaro e Eduardo os crimes de: coação no curso do processo (Art. 344 do Código Penal); obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa (Art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13); e abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359-L do Código Penal).
Entenda as determinações de Moraes
Após receber o relatório final da PF, Moraes determinou que a defesa de Bolsonaro apresente explicações no prazo de 48 horas sobre o descumprimento de medidas cautelares, a “reiteração das condutas ilícitas e a existência de comprovado risco de fuga”, que foram relatadas pela autoridade policial no documento.
Após a manifestação da defesa, determinou que seja dada vista imediata dos autos à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que se manifeste no mesmo prazo de 48 horas.
Além disso, o ministro encaminhou o relatório da PF para análise da Procuradoria-Geral da República (PGR). Cabe ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, decidir se apresentará uma denúncia contra Eduardo e Bolsonaro no âmbito dessa investigação. Somente após o posicionamento da PGR, o STF deve avaliar se receberá ou não a denúncia.
Bolsonaro já é réu no Supremo na ação penal sobre a suposta tentativa de golpe de Estado. No âmbito dessa apuração, Bolsonaro cumpre prisão domiciliar desde o dia 4 de agosto. O julgamento do processo do golpe terá início no dia 2 de setembro na Primeira Turma do STF.
Acusações contra Bolsonaro
No relatório, a PF aponta que Bolsonaro planejou atos para fugir do país com o objetivo de impedir a aplicação da lei penal. O ex-presidente é réu na ação penal sobre a suposta trama golpista, que começará a ser julgada em 2 de setembro. Mensagens encontradas no celular do ex-presidente revelaram a existência de uma minuta de pedido de asilo político ao presidente argentino Javier Milei.
Este documento, em formato editável (.docx), foi modificado dois dias após a Operação Tempus Veritatis, realizada em fevereiro de 2024, que apreendeu seu passaporte. A autoria da minuta estaria vinculada a Fernanda Bolsonaro, nora do ex-presidente.
A PF também acusa Bolsonaro de reiterado descumprimento de medidas cautelares impostas por Moraes em julho, incluindo a proibição de uso de redes sociais e contato com outros investigados. Ele teria ativado um novo celular após a apreensão do anterior e intensificado a produção e propagação de mensagens, utilizando terceiros para burlar as restrições. Exemplos do descumprimento citados pelos investigadores incluem:
- Uso de terceiros para mídias sociais: Bolsonaro teria orientado o deputado federal Capitão Alden (PL-BA) sobre como expor sua imagem sem falar diretamente, e mensagens e vídeos foram compartilhados por meio de contatos como “Negona do Bolsonaro”.
- Listas de transmissão no WhatsApp: Foram identificadas quatro listas (“Deputados”, “Senadores”, “Outros”, “Outros 2”) usadas para enviar mensagens e vídeos, incluindo um que descrevia um cenário “calamitoso” para o Brasil caso “desafiasse” sanções da Lei Magnitsky.
- Contato com Walter Braga Netto: O relatório indica que Bolsonaro e o ex-ministro Walter Braga Netto, que está preso, descumpriram a proibição de contato imposta na Operação Tempus Veritatis, evidenciando a “manutenção e fortalecimento do liame subjetivo” entre eles.
- Movimentação financeira suspeita: Bolsonaro teria transferido R$ 2 milhões para Eduardo Bolsonaro e R$ 2 milhões para sua esposa, Michelle Bolsonaro, um dia antes de prestar depoimento à PF, e realizou diversas operações de câmbio e saques fracionados, segundo a PF, com o objetivo de se desfazer de recursos financeiros e evitar medidas judiciais.
A PF também identificou um documento, intitulado “Privileged & Confidential Attorney Work Product Draft,” na mesa de trabalho de Bolsonaro na sede do PL, contendo questionamentos sobre investigações da PF, ações do STF, estratégias políticas relacionadas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e eleições futuras, sugerindo uma “sabatina” por profissionais jurídicos no interesse de grupos estrangeiros.
Acusações contra Eduardo
Eduardo é investigado por sua atuação nos Estados Unidos buscando articular sanções contra autoridades brasileiras com o governo Trump. A PF considera que o objetivo do deputado seria interferir no processo contra Bolsonaro por suposta tentativa de golpe de Estado em 2022 e obter uma “anistia ampla, geral e irrestrita”. As ações dele teriam se intensificado com o avanço do processo. Segundo a PF, conversas de WhatsApp entre pai e filho revelam:
- Coordenação de narrativas: Diálogos mostram alinhamento prévio sobre as informações a serem divulgadas publicamente para coagir os Poderes Judiciário e Legislativo e interferir na ação penal.
- Influência de Trump: Eduardo enfatizou o apoio de Trump e expressou preocupação de que o presidente americano pudesse “virar as costas” para Bolsonaro, o que enfraqueceria as demandas do ex-presidente.
- Tentativa de exclusividade no diálogo com os EUA: A PF afirma que Eduardo tenta ser o único interlocutor perante o governo americano, buscando inviabilizar a atuação de outras autoridades brasileiras, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tentava negociar a retirada das tarifas.
Acusações contra Silas Malafaia
Silas Malafaia foi incluído no inquérito no último dia 14. Além da busca e apreensão, o pastor precisou prestar esclarecimentos à PF ainda no aeroporto e é alvo de medidas cautelares, incluindo a proibição de deixar o país e de manter contato com outros investigados.
A PF aponta que Malafaia “exerce influência direta sobre o modus operandi da família Bolsonaro”, avalizando e validando o conteúdo das postagens do ex-presidente em redes sociais em momentos críticos da investigação. Ele teria instigado Bolsonaro a descumprir as medidas cautelares, sugerindo o envio de vídeos para sua “lista de transmissão” para burlar as restrições judiciais. Malafaia também é acusado de:
- Ameaças contra autoridades: Mensagens de Malafaia alertam sobre “próxima retaliação” contra ministros do STF e suas famílias, caso continuassem apoiando Moraes.
- Orientação e estratégias de coerção: Ele teria orientado Bolsonaro sobre o discurso a ser adotado, enfatizando que a única saída para reverter as sanções americanas seria uma anistia aos acusados pela tentativa de golpe, e se ofereceu para produzir vídeos em inglês para serem encaminhados a Trump.
- Campanhas orquestradas: Malafaia se disponibilizou a produzir vídeos e banners para uma “campanha orquestrada” que ligaria a anistia à queda de tarifas americanas, usando a frase “ANISTIA PARA TODOS! O Brasil da liberdade não será taxado”.