Mesmo com a sanção ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes pelos Estados Unidos, com base na Lei Magnitsky, anunciada na quarta-feira (30), e após suas reiteradas decisões abusivas escalarem nos últimos meses, figuras do alto escalão dos Três Poderes e entidades representativas da elite jurídica brasileira emitiram nos últimos dias manifestações públicas de apoio irrestrito ao magistrado.
Críticas contundentes sobre os excessos de Moraes têm vindo não só da oposição, mas até mesmo de veículos e formadores de opinião críticos da direita. Na elite do establishment, contudo, o alinhamento a Moraes se mantém intacto.
Foi o que se viu, por exemplo, na sessão de abertura do semestre no STF, na sexta (1º), em que os ministros mais influentes dentro da Corte defenderam Moraes sem ressalvas. Como mostrou matéria da Gazeta do Povo, o posicionamento já não é unânime dentro do Supremo. Ainda assim, figurões como Luís Roberto Barroso, que preside o STF, e Gilmar Mendes continuam resguardando Moraes.
Barroso prestou homenagem direta ao ministro, citando-o nominalmente e afirmando que ele conduziu processos “com inexcedível empenho, bravura e custos pessoais elevados”.
Gilmar Mendes também foi enfático no apoio: “Já me pronunciei neste sentido e agora reafirmo: Vossa Excelência, ministro Alexandre, tem prestado um serviço fundamental ao Estado brasileiro, demonstrando prudência e assertividade na condução dos procedimentos instaurados para a defesa da democracia”.
No Executivo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva registrou seu apoio a Moraes na quarta-feira (30). “O governo brasileiro se solidariza com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, alvo de sanções motivadas pela ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses”, disse ele em comunicado. Lula fará um pronunciamento em rede nacional no domingo (3), em que deverá reforçar a mesma mensagem.
Na cúpula do Legislativo, o alinhamento com Moraes ficou nas entrelinhas. O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, afirmou que “como país soberano não podemos apoiar nenhum tipo de sanção por parte de nações estrangeiras dirigida a membros de qualquer Poder constituído da República”. Diversos parlamentares governistas fizeram declarações no mesmo sentido.
Entidades jurídicas também se manifestaram nos últimos dias a favor de Moraes. O Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça (Consepre) disse que a sanção é uma “grave e inadmissível interferência nos assuntos internos do Brasil” e “atenta contra a soberania nacional”. A Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) se posicionou de forma semelhante, classificando o evento recente como “inaceitável ameaça à soberania nacional, à independência do Poder Judiciário e aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil”.
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Elite pró-Moraes se isola da sociedade e se refugia no corporativismo, dizem analistas
Para analistas consultados pela Gazeta do Povo, a aliança entre a elite do poder e Moraes é uma combinação de conveniência política com corporativismo.
O cientista político Paulo Kramer recorda as críticas do sociólogo Oliveira Vianna (1883-1951) à alienação das “elites bacharelescas” no Brasil. “Para ele, essas pessoas viviam em um ‘Brasil legal’, em contraposição ao Brasil real, e tinham uma visão distorcida da nossa realidade, pois a encaravam pelo prisma dos autores e dos modismos intelectuais europeus”, comenta.
Segundo o analista, a mudança do cenário político nos últimos anos aprofundou o divórcio entre a chamada “juristocracia” e a realidade. “Os juristocratas vivem refugiados numa bolha, cada vez mais hostis às parcelas majoritárias de nossa sociedade, uma sociedade que eles consideram anti-iluminista, retrógrada, supersticiosa, autoritária, ignorante e sobretudo antiestética. No seu mundo de fantasia, insistem em corrigir esses ‘erros’ a golpes de interpretação, recorrendo, se necessário, à coerção estatal para submeter o povo a um conceito de legalidade que, na prática, desmantela o Estado democrático de Direito em seus pressupostos mais elementares, como a liberdade de expressão”, afirma Kramer.
Para o especialista, a juristocracia incorre “no equívoco do ‘autoritarismo instrumental'”, que é o “comportamento de elites que não hesitam em abusar dos direitos civis e das liberdades políticas para conduzir a ‘massa ignara’ ao paraíso da democracia…”
O cientista político Ricardo Caldas, que é professor da UnB e já lecionou disciplina sobre combate à corrupção, diz que há no Brasil “uma corrupção sistêmica” que favorece o corporativismo. Citando o conceito de “homem cordial” do sociólogo Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), ele explica que “os atores estatais se sentem independentes da sociedade, como se estivessem acima da sociedade civil” e que “tudo se baseia em troca de favores” no poder estatal brasileiro.
“Existe no Brasil uma confusão entre o público e o privado. Dentro do Supremo, há um corporativismo. E há uma prevalência do Estado, como mencionava [o sociólogo] Raymundo Faoro [1925-2003] no livro ‘Os Donos do Poder‘ [1958]. Os donos do poder não são, como Marx dizia, os capitalistas, são os burocratas. E aí acaba havendo uma confusão entre o público e o privado, que é o patrimonialismo”, diz.