Crédito, BBC/Matthew Goddard
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- Author, Jonathan Beale
- Role, Repórter de defesa, do Colorado (EUA), para a BBC News
Foi um grito agudo e curto: “Lançamento Iêmen!”
E os homens e mulheres de uniforme, sentados em frente aos seus computadores, responderam em uníssono: “Entendido, lançamento Iêmen.”
Olhando para suas telas em uma base nos subúrbios de Denver, no Estado americano do Colorado, eles conseguem rastrear mísseis em qualquer parte do mundo — e os acompanham do local de lançamento até o seu provável ponto de impacto.
Somos os primeiros jornalistas internacionais autorizados a entrar na sala de operações de alerta e rastreamento de mísseis da Força Espacial americana, na base Buckley da Força Espacial, um centro nervoso onde os guardiões ficam em alerta 24 horas por dia, sete dias por semana.
Eles são rodeados por enormes monitores, que fornecem mapas e dados enviados por uma constelação de satélites militares no espaço. Os guardiões são os primeiros a detectar a assinatura de calor infravermelho que marca o lançamento de um míssil.
Momentos depois, surge outro grito: “Lançamento Irã”, seguido pelo coro de: “Entendido, lançamento Irã.”
Este é apenas um treino. Mas, no mês passado, a ação foi real.
A coronel Ann Hughes descreve o clima naquele dia como “pesado”.
Ao contrário da maioria dos lançamentos, eles haviam sido alertados sobre aquele míssil específico com antecedência. Eles conseguiram rastrear os mísseis iranianos e encaminharam a informação para as baterias de defesa aérea em terra.
“Acabamos salvando toda a instalação e as pessoas que estavam ali”, ela conta, expressando seu alívio.
Crédito, BBC/Matthew Goddard
Hughes afirma que a equipe tem ficado excepcionalmente ocupada nos últimos anos, com o desenrolar das guerras no Oriente Médio e na Europa.
Pergunto a ela se eles vêm fornecendo alertas para a Ucrânia. “Nós fornecemos alertas táticos e estratégicos sobre mísseis para todas as forças americanas e aliadas”, responde Hughes.
Os Estados Unidos não confirmam abertamente, mas parece provável que eles também possam ter fornecido alertas a Kiev sobre ataques russos iminentes.
A base Buckley da Força Espacial será parte fundamental dos planos do presidente americano Donald Trump para a criação de um escudo de defesa contra mísseis dos Estados Unidos, conhecido como o Domo de Ouro.
O governo americano reservou 175 bilhões de dólares (cerca de R$ 971 bilhões) para o ambicioso programa, inspirado no Domo de Ferro, o sistema de defesa aérea de Israel. Mas muitos acreditam que o custo será muito maior.
As bases do programa já estão instaladas em Buckley. O cenário é dominado por inúmeros radomes, que são coberturas arredondadas que servem para proteger potentes antenas parabólicas no seu interior. Eles parecem bolas de golfe gigantes no horizonte.
Estas antenas de satélite já detectaram ondas de rádio frequência de uma supernova a 11 mil anos-luz de distância.
O chefe do Comando de Operações Espaciais dos Estados Unidos, general David Miller, afirma que o desenvolvimento do Domo de Ouro, ainda nos seus estágios iniciais, é o reconhecimento das crescentes ameaças ao território americano. Ele menciona especificamente a China e a Rússia.
Os dois países desenvolveram mísseis hipersônicos, que podem viajar a mais de cinco vezes a velocidade do som. Eles já testaram Sistemas de Bombardeio Orbital Fracionado, que são mais difíceis de rastrear.
“A velocidade e a física associadas à sua interceptação exige que consideremos interceptores espaciais”, afirma Miller. Ele prefere falar em “recursos” para defender os interesses dos Estados Unidos, não em armas no espaço.
Crédito, BBC/Matthew Goddard
A criação da Força Espacial dos Estados Unidos, cinco anos atrás, é uma prova de que o espaço, agora, é um local de combate bélico.
A China e a Rússia já testaram mísseis antissatélites, além de formas de interferir nas suas comunicações.
A Rússia já “demonstrou capacidade de potencialmente colocar uma carga nuclear” no espaço, segundo Miller. Para ele, o espaço já é uma área “altamente disputada” e “também precisamos estar preparados para o conflito no espaço”.
A coronel Phoenix Hauser supervisiona a unidade de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento das Forças Espaciais, conhecida como Delta 7. Seu trabalho é descobrir o que está acontecendo no espaço.
Na sua base, perto de Colorado Spring, equipes monitoram telas que mostram milhares de pequenos pontos ao redor do planeta. Existem hoje cerca de 12 mil satélites no espaço e este número pode crescer até 60 mil no final da década.
Hauser afirma que seu foco principal é a China. “É a ameaça em progressão”, segundo ela.
A China já detém cerca de mil satélites em órbita, a metade para uso militar. Hauser afirma que, na próxima década, o país asiático terá dezenas de milhares de satélites na órbita baixa da Terra.
O espaço está cada vez mais disputado e congestionado.
“Já estamos disputando espaço”, ela conta. “Observamos atividades inseguras e não profissionais dos nossos adversários.”
Elas incluem satélites equipados com aparelhos de interferência eletrônica, lasers e até redes e braços agressivos, que poderão ser utilizados para retirar outro satélite do seu curso.
Alguns sugeriram que já existem “lutas corporais” ocorrendo no espaço.
“Não sei se já chegamos ao ponto de ‘luta corporal’, como em Top Gun“, segundo Hauser. “Mas certamente precisamos nos preparar para isso.”
Crédito, BBC/Matthew Goddard
A Força Espacial dos Estados Unidos está se preparando para a possibilidade de um conflito no espaço.
Hauser afirma que, um ano atrás, eles “não conseguiam falar em ter capacidades espaciais ofensivas”.
Mas, agora, segundo ela, o foco é em “gerar opções para o presidente, a fim de podermos ganhar e manter a superioridade espacial por meio do controle ofensivo e defensivo do espaço”.
Para Miller, a única forma de evitar conflitos é “por meio da força e precisamos ter nossos próprios recursos para defender nosso patrimônio”. Ele não oferece detalhes sobre o que isso exatamente significa.
Mas os recentes ataques norte-americanos ao programa nuclear iraniano — a Operação Martelo da Meia-Noite — podem dar uma ideia do que a Força Espacial dos Estados Unidos já é capaz de fazer.
Os ataques com bombardeiros B-2 também destacam por que a manutenção da dominância no espaço ainda é fundamental para as Forças Armadas americanas.
“Você precisa entender o quanto as Forças Armadas dos Estados Unidos consideram as vantagens que o espaço nos oferece”, afirma Miller. Elas incluem a capacidade de navegar e se comunicar além do horizonte, realizando ataques precisos com o uso de GPS.
A BBC recebeu os primeiros detalhes sobre como os guardiões da Força Espacial dos Estados Unidos se envolveram na operação.
“Uma das nossas ações foi impulsionar nossa capacidade de guerra eletromagnética, para garantir o domínio em toda a operação”, explica Miller. O espectro eletromagnético inclui as ondas de rádio, micro-ondas, infravermelho e a luz visível.
“Nós sabíamos que o ambiente sofreria interferências”, ele conta.
A Força Espacial dos Estados Unidos garantiu que essas interferências não tivessem sucesso, de forma que os bombardeiros B-2 americanos pudessem atingir o seu alvo e soltar com precisão suas bombas Massive Ordnance Penetrator, teleguiadas por GPS.
Crédito, BBC/Matthew Goddard
Os especialistas em guerra eletrônica da unidade Delta 3 da Força Espacial americana já estavam operando em terra na região.
Seu comandante, o coronel Angelo Fernandez, mostra as fileiras de antenas parabólicas e os contêineres de comando que podem voar para qualquer parte do mundo.
As antenas, segundo ele, podem ser usadas para interceptar e derrubar as comunicações das forças inimigas, “transmitindo ruídos mais altos”.
“Eles conseguem proteger o patrimônio americano e, ao mesmo tempo, abrir um corredor de voo”, explica ele.
Os guardiões da unidade Delta 7 da Força Espacial dos Estados Unidos supervisionaram a missão antes, durante e depois do seu término.
Phoenix Hauser conta que eles conseguiram monitorar o espectro eletromagnético “para entender se o Irã sabia o que estava acontecendo, se eles têm algum alerta tático de que podem estar ocorrendo ataques”.
Eles ajudaram a preservar o elemento surpresa e permitiram que a tripulação aérea completasse sua missão sem ser detectada.
A Força Espacial dos Estados Unidos pode ser o setor militar mais jovem do país, mas é fundamental para o poderio militar americano. O general Miller afirma que as Forças Armadas dos Estados Unidos “dependem da superioridade no espaço”.
Ele deseja garantir que isso seja mantido. E traz um alerta para eventuais adversários.
“Quando as Forças Armadas americanas se concentram em algo, Deus os ajude!”