Governo prepara devassa fiscal contra empresas em MS que sonegaram R$ 10 bi


Sefaz estima rombo de R$ 8 a R$ 10 bilhões em impostos não pagos em Iguatemi e Campo Grande

Governo prepara devassa fiscal contra empresas do PCC que atuaram em MS
Agente da Receita sobre reservatório de combustíveis durante operação nesta quinta-feira (Foto: Divulgação)

Pegos de surpresa pela operação da Receita Federal, Ministério Público de São Paulo e Polícia Federal, a Carbono Oculto, os órgãos de controle de Mato Grosso do Sul decidiram agir para depurar o condomínio ilegal de empresas ligadas ao PCC no polo empresarial da Rodovia da Balsinha, em Iguatemi, a a 425 quilômetros de Campo Grande.

Operação conjunta entre Receita Federal, Ministério Público de São Paulo e Polícia Federal, denominada Carbono Oculto, expôs um esquema bilionário de lavagem de dinheiro do PCC por meio de empresas de fachada no setor de combustíveis em Mato Grosso do Sul. O esquema, orquestrado pelo empresário Mohamed Hussein Mourad, utilizava um condomínio de empresas localizadas no polo empresarial da Rodovia da Balsinha, em Iguatemi, para sonegar impostos e lavar dinheiro proveniente do tráfico de cocaína. As perdas aos cofres públicos são estimadas entre 8 e 10 bilhões de reais. Diante das revelações, o governo de Mato Grosso do Sul anunciou medidas para investigar e punir as empresas envolvidas. A Sefaz (Secretaria Estadual de Fazenda) realizará um pente-fino nas empresas do setor, recadastrando as autorizadas pela ANP e auditando a emissão de notas fiscais. O Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) também atuará, verificando a regularidade ambiental das empresas. A operação expôs a fragilidade da fiscalização estadual e municipal, que permitiu a atuação das empresas fraudulentas por anos.

A ação mais contundente está sendo preparada pela Sefaz (Secretaria Estadual de Fazenda), que fará um pente-fino nas empresas que se instalaram no Estado nos últimos anos, na maior operação do fisco estadual para estancar a sonegação de tributos e a proliferação de empresas que se utilizam de fraude para operar no mercado de combustíveis.

O Imasul anunciou que fará uma ação “in loco” para verificar a regularidade ambiental. As perdas estimadas para os cofres públicos representam, por baixo, um rombo de R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões em impostos não pagos em Iguatemi e em Campo Grande.

A Secretaria de Fazenda fará o recadastramento das empresas autorizadas pela ANP (Agência Nacional de Petróleo) e uma auditoria na emissão de notas fiscais. As concessões atuais passarão por verificação, inclusive de companhias até agora não vinculadas ao grupo do empresário Mohamed Hussein Mourad, apontado como o articulador do esquema de fachada no comércio de combustíveis para lavar dinheiro do PCC oriundo do tráfico de cocaína.

A fraude foi tema de debate na cúpula estadual sob a ótica da ilegalidade e da evasão de divisas em meio a um quadro de dificuldades financeiras que já levou Mato Grosso do Sul ao chamado limite prudencial de gastos.

No km 18 da Rodovia da Balsinha, Mourad instalou, segundo as investigações, oito empresas de distribuição, formulação e comércio de combustíveis que atuaram nos últimos cinco anos sem serem incomodadas por órgãos municipais ou estaduais.

São elas: Duvale, Safra, Orizona, Maximus, Alpes, Império, Arka e Star, a maioria em nome de Armando Hussein Ali Mourad, irmão de Mohamed, considerado o braço empresarial do PCC no setor.

A rede, que incluía também centenas de postos de combustíveis no país e lojas de conveniência, era controlada por familiares do empresário, que permanece foragido desde a deflagração da operação.

Governo prepara devassa fiscal contra empresas do PCC que atuaram em MS
Base de distribuição de combustíveis interditada em Iguatemi (Foto: Divulgação/ANP)

Infraestrutura ajudou crime – O que chama a atenção é a tranquilidade com que essas empresas se movimentaram. Em Iguatemi, começaram a ser abertas em 2020 e, mesmo com o cerco da ANP, que chegou a suspender ou proibir o funcionamento de distribuidoras em outras regiões do país , foram se estruturando no vácuo deixado pelo Estado.

A Prefeitura não fiscalizou os alvarás; o governo estadual foi omisso, ao não acompanhar as atividades das companhias, seja na parte tributária, seja na verificação da necessária licença ambiental.

O caso de Iguatemi tornou-se paradigmático. Em 2020, o governo estadual anunciou a pavimentação da MS-290, obra orçada em R$ 42,4 milhões e que já havia alcançado R$ 70,8 milhões em 2023. No mesmo período, uma leva de distribuidoras de combustíveis surgiu no endereço da Balsinha, muitas delas ligadas a Mourad.

A coincidência de cronogramas mostra como o investimento público em infraestrutura acabou favorecendo a criação de um polo logístico que, se por um lado atendeu uma demanda do setor, na prática, pela falta de fiscalização, também funcionou como fachada para movimentações financeiras incompatíveis com a estrutura física das empresas.

Em nota ao Campo Grande News, a Sefaz confirmou ações em andamento e informou que realiza monitoramento contínuo do setor de combustíveis, adotando medidas para garantir isonomia tributária e intensificando a fiscalização sobre empresas que atuam fora da legalidade.

“No dia 4 de setembro de 2025, ocorreu uma operação conjunta entre a ANP e a Sefaz/MS na cidade de Iguatemi, onde funciona um pool de distribuidoras. Durante a ação, foram constatadas irregularidades que levaram à interdição imediata do local. Cabe destacar que grande parte das empresas envolvidas na Operação Carbono Oculto está localizada nesse pool, reforçando a importância da atuação integrada entre os órgãos fiscalizadores”, explicou a Sefaz em nota.

O próximo passo, segundo a secretaria, será a publicação das licenças operacionais das distribuidoras pela ANP, abrindo caminho para a instauração de processos administrativos de cancelamento das inscrições estaduais de cada empresa envolvida, assegurando o contraditório e a ampla defesa. “Ressalta-se que a licença da ANP é requisito obrigatório para que distribuidoras de combustíveis possam atuar legalmente em Mato Grosso do Sul, sendo essa medida essencial para a manutenção da regularidade e da segurança jurídica no setor”, explica a Sefaz.

Competência municipal – A Secretaria afirma que às empresas investigadas na Operação Carbono Oculto localizadas em Campo Grande, verificou-se de que não possuem inscrição estadual em Mato Grosso do Sul. Há indícios, segundo a Sefaz, de que “atuem exclusivamente na prestação de serviços, sem circulação de mercadorias, o que exige apenas inscrição municipal. Nesses casos, a competência fiscal é da Secretaria Municipal de Fazenda, conforme a legislação vigente.”

O funcionamento desse polo não foi fruto de improviso, mas da soma de omissões e permissividades. A ANP autorizou operações no endereço; a Prefeitura de Iguatemi emitiu alvarás, em alguns casos dispensando taxas; a Sefaz não fiscalizou um sistema organizado em cima de fraudes e sonegação.

O resultado foi um corredor estratégico para o crime organizado, erguido com a chancela burocrática de órgãos que deveriam fiscalizar. As irregularidades eram gritantes: inspeções da ANP apontaram ausência de bacias de contenção, falhas de segurança e estruturas incompatíveis com a movimentação financeira declarada.

Mesmo assim, empresas proliferaram no mesmo endereço rural, com matrizes abertas em outros estados e faturamento súbito de milhões de reais. Só a Operação Carbono Oculto conseguiu expor a engrenagem de lavagem ligada ao PCC.

O quadro mostra que não se trata de falha pontual, mas de negligência estrutural. O Estado investiu pesado em infraestrutura para abrir caminho físico para o polo da Balsinha, mas fechou os olhos para o controle administrativo e ambiental. A omissão não era um detalhe: foi a condição necessária para que empresas de fachada se multiplicassem e o crime organizado lavasse dinheiro à luz do dia.

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Esquema de fraudes e de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis (Imagem: Divulgação)

Fraude ambiental – Em nota ao Campo Grande News, o Imasul informou que “foi realizada pesquisa em seus sistemas e não foi localizada nenhuma licença ambiental vinculada às empresas mencionadas”, justamente as listadas na operação. O órgão ressalvou não ter informações precisas sobre a atividade efetivamente desenvolvida pelas companhias de Mourad e, ao final, admitiu a falta de controle apontada pelas investigações. “Diante disso, será realizada fiscalização para verificar in loco a regularidade ambiental.”

Procurada pela reportagem, a Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul) informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “essa investigação é da Polícia Federal”, mas não explicou quais providências seriam adotadas depois que a operação escancarou o avanço do PCC no Estado.

Além da fachada empresarial e de duas companhias de investimentos instaladas em endereços nobres na capital, com ramificações na Avenida Faria Lima, em São Paulo, onde foram lavados cerca de R$ 52 bilhões oriundos do tráfico de cocaína, a facção construiu bases na faixa de fronteira com a Bolívia e o Paraguai.

Iguatemi não foi escolhida por acaso: o município de 14 mil habitantes está na região mais suscetível à ação de traficantes internacionais e é de onde saem cerca de 80% da cocaína e da maconha que abastecem os mercados nacionais.

Deflagrada em 28 de agosto de 2025 pela Receita Federal, Gaeco de São Paulo e Polícia Federal, a Operação Carbono Oculto mirou uma rede de distribuidoras e postos de combustíveis usados como fachada pelo PCC.

O esquema, estruturado pelo empresário Mohamed Mourad e familiares, movimentou cerca de R$ 52 bilhões em investimentos oriundos do tráfico, parte deles canalizados pela Faria Lima e lavados por mais de meia centena de fintechs que tornaram o maior centro financeiro da América do Sul numa espécie de lavanderia do dinheiro do crime.



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