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O gabinete de segurança de Israel aprovou um plano para assumir o controle da Cidade de Gaza, onde vivem centenas de milhares de palestinos, uma escalada controversa na guerra que já dura quase dois anos.
A decisão foi tomada depois que “uma maioria absoluta dos ministros do gabinete avaliou que o plano alternativo apresentado ao gabinete não seria capaz de derrotar o Hamas nem garantir o retorno dos sequestrados”, segundo um comunicado do gabinete do primeiro-ministro.
Também foram divulgados “cinco princípios para encerrar a guerra”, incluindo o desarmamento do Hamas; o retorno de todos os reféns, vivos ou mortos; a desmilitarização da Faixa de Gaza; o controle de segurança israelense sobre a Faixa de Gaza; e um governo civil alternativo que não seja o Hamas nem a Autoridade Palestina.
O anúncio veio em um momento em que Israel enfrenta uma pressão internacional cada vez maior, inclusive de seus aliados, para encerrar a guerra em Gaza e permitir mais acesso a ajuda humanitária ao território.
Israel iniciou sua guerra em Gaza após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1,2 pessoas foram mortas e 251 levadas para Gaza como reféns.
Desde então, a ofensiva militar de Israel matou pelo menos 61 mil palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas.
Como resultado das operações militares de Israel, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 87% de Gaza seja uma zona militar designada ou sujeita a avisos de evacuação.
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“É como se não houvesse mais nada para ocupar”, afirmou o palestino Mahmoud al-Qurashli à agência de notícias Reuters, da Cidade de Gaza, em resposta aos planos de Netanyahu de assumir o controle total da região.
“Praticamente toda a Faixa de Gaza foi espremida na parte ocidental da Cidade de Gaza, e isso é tudo o que resta. Neste momento, para o povo, não há mais diferença — se ele ocupa ou não”, acrescenta.
Raed Abu Mohammed conta que eles estão vivendo em tendas há cinco meses, e começaram a se acomodar um pouco: “Sim, há sofrimento, sim, há morte. Mas ainda estamos nos agarrando à vida. Israel não está matando o Hamas. Israel está matando civis, crianças, mulheres”.
Em resposta à proposta de assumir o controle da Faixa de Gaza, o Hamas afirma que Netanyahu está “planejando continuar sua abordagem de genocídio e desalojamento, cometendo mais crimes” contra o povo palestino.
Suas ações “representam uma clara reversão do curso das negociações e revelam claramente os verdadeiros motivos por trás de sua retirada da rodada final (de negociações)”, diz um comunicado.
O grupo acrescentou que eles estavam “muito próximos” de um acordo final, e que o preço seria alto para Israel ocupar Gaza.
O Hamas também fez um apelo aos países árabes e islâmicos, assim como à comunidade internacional, para que “condenem e rejeitem estas declarações perigosas, e tomem medidas urgentes para interromper a agressão e acabar com a ocupação”.
Em entrevista antes da reunião do gabinete de segurança, Netanyahu disse à rede Fox News que Israel pretende assumir o controle de toda Faixa de Gaza, remover o Hamas, mas “não quer mantê-la”.
“Queremos nos libertar e libertar o povo de Gaza do terrível terror do Hamas.”
“Queremos ter um perímetro de segurança. Não queremos governá-la”, acrescentou.
As Forças Armadas se opõem aos planos de ocupação total de Gaza, de acordo com reportagens publicadas na imprensa. O tenente-general Eyal Zamir, chefe do Estado-Maior do Exército, teria dito a Netanyahu em uma reunião tensa no início desta semana que isso seria “o mesmo que cair em uma armadilha”.
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O plano de assumir o controle da Cidade de Gaza foi fortemente condenado pelas famílias dos reféns que ainda estão detidos no território. Elas continuam a exigir o fim imediato da guerra e querem um acordo negociado.
Mais cedo, familiares e apoiadores dos reféns protestaram em Tel Aviv e em frente ao gabinete de Benjamin Netanyahu, em Jerusalém, enquanto o gabinete de segurança discutia os planos.
Alguns manifestantes se acorrentaram uns aos outros e alertaram que a medida seria uma “sentença de morte” para os seus entes queridos.
As pesquisas de opinião sugerem que a grande maioria da população israelense é a favor de um acordo com o Hamas para a libertação dos reféns e o fim da guerra. Os líderes israelenses afirmam que o Hamas, neste momento, não está interessado em negociar, uma vez que, na sua opinião, o grupo se sente encorajado pela pressão internacional sobre Israel devido à crise humanitária em Gaza.
A ameaça de uma ocupação total pode ser parte de uma estratégia para tentar forçar o grupo a fazer concessões nas negociações que estão paralisadas.
Mas muitos aqui acreditam que Netanyahu está prolongando o conflito para garantir a sobrevivência da sua coalizão, que depende do apoio de ministros ultranacionalistas que ameaçaram deixar o governo se houver qualquer acordo com o Hamas.
O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, defenderam publicamente a expulsão dos palestinos de Gaza — o que poderia equivaler ao desalojamento forçado de civis, um crime de guerra —, e o reassentamento de judeus na região.
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Israel impôs um bloqueio total à entrega de ajuda humanitária no início de março, e retomou sua ofensiva militar contra o Hamas duas semanas depois, rompendo um cessar-fogo de dois meses. O país afirmou que queria pressionar o grupo para que libertasse os reféns israelenses restantes.
Embora o bloqueio tenha sido parcialmente aliviado após quase dois meses, em meio a alertas de fome iminente por parte de especialistas internacionais, a escassez de alimentos, medicamentos e combustível piorou.
Quatro pessoas morreram de desnutrição nas últimas 24 horas, informou o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, na quinta-feira (07/08). Isso eleva o número total de mortes por desnutrição desde o início da guerra para 197, incluindo 96 crianças.
Na quinta-feira, Israel anunciou que 80 pacotes de ajuda humanitária foram lançados do ar em Gaza pelos Emirados Árabes Unidos, Alemanha, Jordânia, Bélgica e Canadá.
Mas as agências de ajuda humanitária têm alertado consistentemente que os lançamentos aéreos em Gaza estão longe de ser suficientes para satisfazer a quantidade de ajuda necessária para combater a propagação da desnutrição e a falta de outros recursos vitais, como combustível e suprimentos médicos.
O governo israelense não permite que organizações internacionais de notícias, incluindo a BBC, entrem em Gaza para apurar informações e cobrir o conflito livremente.