Crédito, Nicola Stocken
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- Author, Série “Outlook”
- Role, Serviço Mundial da BBC
“Vocês têm cinco horas e, então, vamos explodir suas cabeças.”
Chegava o momento que eles recearam durante três meses em cativeiro: o possível fim das suas vidas.
Winder era um banqueiro comercial de 29 anos e estava em um ano sabático. Depois de ter viajado extensamente pela África e pelo sudeste asiático, ele começou a rezar.
Dyke tinha 24 anos de idade e havia passado os dois últimos anos percorrendo o mundo em busca de plantas. Ele pegou o diário que mantinha em segredo dos sequestradores e se pôs a desenhar.
Ele planejou preencher o jardim murado da sua casa na Inglaterra com as plantas encontradas nas suas viagens. Dyke criou seu desenho e imaginou o futuro que, aparentemente, não iria ver.
“Pensei: vou fazer um mapa-múndi em miniatura no terreno e, em cada região, plantarei as sementes que fui enviando para casa”, ele conta.
Mas, de repente e sem prévio aviso, as pessoas a cargo do grupo que os mantinha cativos mudaram, o que eliminou a ameaça de morte imediata. O perigo continuava presente, mas Dyke havia descoberto um lugar para onde se retirar em momentos difíceis.
Todas as vezes em que sua mente precisava escapar, ele se transportava para o seu jardim imaginário, para cuidar não só das plantas, mas do seu estado de espírito.
Sua paixão era sua salvação, mas também foi por causa dela que ele terminou naquele lugar.
Do castelo para o mundo
Tom Dyke é um caçador de plantas britânico. Ele foi sequestrado em uma floresta implacável no outro lado do mundo, enquanto procurava por orquídeas desconhecidas.
Não se trata apenas de um passatempo incomum. Dyke é uma pessoa diferente.
Para começar, ele mora no castelo de Lullingstone, em Kent, no sudeste da Inglaterra.
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O castelo “é nosso lar familiar desde que nos mudamos para lá, em 1361”, ele conta.
“Originalmente, era uma fazenda que foi crescendo ao longo dos séculos, até chegar a ter cerca de 1.620 hectares. Hoje, tem cerca de 50 hectares.”
A mansão atual, com vista para um imponente lago, foi construída em 1497. Desde então, membros da realeza britânica se tornaram visitantes habituais, incluindo o rei da Inglaterra Henrique 8° (1491-1547).
“É um lugar fantástico para crescer, de uma beleza natural excepcional”, relembra Dyke. “Por isso, tenho tanto interesse pelas plantas.”
Mas, para ele, este é mais do que um interesse. É uma obsessão herdada da avó. “Ela sempre foi entusiasta da botânica, da beleza pura e da diversidade do mundo vegetal.”
“Minha mãe recorda que, quando eu tinha cerca de três anos, ela me disse: ‘Aqui estão algumas sementes de cenoura e uma pá. Vá sujar as mãos! Enquanto você não matar uma planta, não terá aprendido nada.'”
“Esta foi minha lição de vida”, segundo ele. “Ela é o motivo por que tenho clorofila no sangue.”
Foi sua avó que apresentou a Dyke o mundo da “caça às plantas”.
Ele conta que, à noite, em vez de ler livros infantis, ela contava histórias do século 18 sobre longas viagens para trazer espécimes desconhecidos, como a de Joseph Banks (1743-1820) com o capitão Cook (1728-1779), no navio HMS Endeavour.
“Era fantástico!”, relembra Dyke. E seu amor pelas plantas sempre andou de mãos dadas com sua paixão por viajar.
Algumas das suas primeiras recordações vêm da época em que o trabalho do seu pai levou a família a morar em Botsuana, o que permitiu que ele conhecesse as maravilhas da África.
“Ver as avenidas de jacarandá púrpura e a Janela de Deus [em Botsuana], o assombroso bosque de nuvens na África do Sul, os baobás, as orquídeas crescendo nas árvores… Foi absolutamente revelador!”
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Não havia retorno: seu destino estava definido. Tom Dyke passaria a vida viajando em busca de plantas.
Em 1996, ele partiu para sua primeira aventura sozinho: uma viagem de bicicleta para Portugal.
Dyke tinha 20 anos e estava ansioso para conhecer o mundo, embora não estivesse muito bem preparado.
“O que não calculei foi que os Pirineus seriam uma experiência muito dolorosa sem uma bicicleta de montanha”, relembra ele. “Mas aquilo me ajudou a me preparar física e mentalmente para a grande viagem que viria a seguir.
Esta grande viagem é a que o levaria à Colômbia.
Sem entrada, nem saída
Suas expedições em busca de plantas começaram com um ano no sudeste asiático estudando orquídeas e, depois, outro ano na Austrália, incluindo quatro meses na Tasmânia.
Dyke enviava sementes de plantas para casa e convenceu clubes e organizações hortícolas a financiar suas façanhas.
No caminho, ele economizou um pouco de dinheiro, na esperança de realizar um desejo de todos os botânicos: conhecer pessoalmente as sequoias da Califórnia, que crescem até a altura assombrosa de 90 metros e atingem oito metros de largura.
“Foi uma experiência espiritual”, ele conta.
E, como havia sobrado algum dinheiro, ele foi “mais para o sul… para o México, até [o desfiladeiro] Barrancas del Cobre, 10 vezes maior que o Grand Canyon”.
“Depois, tive uma sensação meio que eletromagnética que me atraiu mais ao sul, incentivado por Paul Winder, que havia acabado de conhecer”, conta Dyke.
“Ficamos amigos imediatamente, embora fôssemos muito diferentes — eu, extrovertido e ele, introvertido.”
O Tampão de Darién é uma faixa de cerca de 100 km de terra montanhosa sem estradas, com pântanos e uma densa floresta tropical. Ele fica na fronteira entre o Panamá e a Colômbia e é o único caminho terrestre conectando a América Central e do Sul.
Ali, a natureza é maravilhosa e, em alguns casos, repleta de perigos. Ambientalistas e outras testemunhas relatam a existência de cobras, escorpiões, onças, pumas, gatos-do-mato, javalis selvagens, raposas e cachorros-do-mato, sem falar na malária.
A viagem de Dyke e Winder ocorreu no ano 2000. E, naquela época, somava-se a todos estes predadores naturais o perigo representado pelos bandidos, narcotraficantes e contrabandistas de armas, além dos guerrilheiros, protagonistas da guerra civil da Colômbia, que se escondiam na floresta.
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“Havia algo de agressivo na natureza daquela floresta tão remota, botanicamente tão pouco explorada e tão desafiadora”, segundo Dyke, o que acabou sendo irresistível para os jovens aventureiros.
Eles decidiram entrar na região, apesar das advertências do Ministério de Relações Exteriores britânico.
“Eles nos disseram para não irmos”, conta Dyke.
“Expliquei meu amor pelas orquídeas e eles pensaram que eu estava completamente louco. Eles nos disseram: ‘Por favor, não vão. As pessoas entram por um lado e nunca mais são vistas.'”
Montanha-russa de emoções
Tom Dyke seguia os passos dos seus heróis da infância, que haviam se aventurado pelo desconhecido. E queria encontrar uma orquídea não catalogada para batizá-la em homenagem à sua querida avó.
Por isso, ele e Winder embalaram alimentos e mosquiteiros para duas semanas na mochila e partiram do Panamá. A dupla não tinha mapas e seu único meio de transporte eram seus pés.
“A vegetação que nos rodeava era maravilhosa”, relembra Dyke. “Era um lugar bonito, mas intimidador, sem ninguém à nossa volta.”
Eles passaram quase sete dias caminhando sozinhos e estavam satisfeitos com seu progresso. A estimativa era que eles estivessem a apenas dois dias da América do Sul.
Eles encontraram pessoas que se ofereceram para guiá-los, mas pensaram que não precisariam de ajuda. O lugar era hostil, mas, para eles, era um “país das maravilhas”.
“Depois conhecemos alguém chamado Carlos”, conta Dyke. “Meu espanhol não era bom, mas entendi que ele nos oferecia câmbio de moeda, já que estávamos entrando na Colômbia, e também seus serviços de guia.”
“Inicialmente, não quisemos, mas logo percebemos que teríamos que confiar nele. Não sabíamos para onde estávamos indo, o caminho ficou mais estreito e a forma de topografia mudou.”
“E, claro, entraram em jogo as maravilhosas orquídeas penduradas nas árvores”, relembra Dyke. “Qualquer pensamento de perigo simplesmente desapareceu e nós arriscamos.”
Eles negociaram com Carlos e um amigo dele uma tarifa modesta pela sua ajuda. O explorador conta que “valeu a pena”, pois os guias conheciam o caminho exato.
Eles os seguiram por quase dois dias e, em 16 de março (um dia que eles nunca esquecerão), estavam a 45 minutos de sair do outro lado, na Colômbia.
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“Nós terminamos de almoçar e, quando estávamos recolhendo nossas mochilas, surgiram três meninos de idade escolar em uniformes de combate, armados com fuzis M16 e AK47”, relata Dyke.
“Nossos dois guias ficaram paralisados, caíram ao solo quando eles puseram as armas nas suas cabeças e colocaram suas mãos nas costas.”
“É extraordinário o contraste entre estar alucinado pela beleza do lugar e o tremendo susto”, relembra ele. “E é incrível como os joelhos cedem. Os meus caíram ao solo assim que senti o M16 na minha têmpora.”
Chegaram mais guerrilheiros, todos jovens e também nervosos. Afinal, eles haviam encontrado dois estrangeiros em meio à selva e não sabiam muito bem o que fazer.
Assim começaram nove meses de cativeiro, que Winder descreveria posteriormente como “uma montanha-russa de emoções”.
Patrulhas de orquídeas
Pouco depois de capturá-los, os guerrilheiros disseram que iriam exigir um resgate de US$ 5 milhões (cerca de R$ 27 milhões) por cada um deles. Mas, por fim, eles não seguiram adiante com o plano.
De forma geral, os sequestradores os trataram bem. Eles chegaram a dar antibióticos para Winder, devido a uma infecção no pé. Depois, eles brincariam que os prisioneiros haviam ganhado peso com sua dieta de carne e banana.
Mas os britânicos inevitavelmente tiveram dificuldades para se adaptar ao árduo terreno, quando os rebeldes os obrigavam a seguir avançando para evitar que fossem descobertos.
“Não estamos acostumados a esse ambiente”, explica Dyke. “Eles eram muito fortes e nem sempre conseguíamos acompanhar o seu ritmo.”
“Houve momentos ruins, momentos bons, momentos apavorantes e momentos fantásticos.”
Para ele, esses momentos fantásticos estavam sempre repletos de flores.
Crédito, Tom Hart Dyke
Embora tivessem sido sequestrados, Dyke conta que ele e Winder foram levados ao “mais extraordinário” bosque, repleto de maravilhosas orquídeas. “E eles me deixavam ir em patrulhas armadas para trazê-las para o acampamento!”
“Fiz jardins de orquídeas em cativeiro e todas elas, até onde eu tinha conhecimento, eram completamente novas para a ciência.”
Dyke tentou levá-las de um acampamento para outro, “mas, no final, os guerrilheiros se cansaram, pois eu demorava muito para embalá-las”.
Parece idílico, mas havia uma rotação constante de pessoas e personalidades para mantê-los em cativeiro. Por isso, Dyke e Winder não conseguiam prever o que aconteceria de um momento para outro.
Às vezes, eles se sentiam cômodos e capazes de brincar com os sequestradores. Em outras ocasiões, havia uma pistola apontada para sua cabeça.
Até que chegou o dia em que eles anunciaram que iriam matá-los e os prenderam separados em duas barracas.
‘Não estão vivos’
Na solidão do encarceramento, no que seriam suas últimas horas de vida, Tom Dyke se transportou mentalmente para o seu lar ancestral e sonhou em criar um jardim.
“Foi uma fantasia que não só salvou a minha mente, mas me salvou a vida, não só naquele dia, mas nos dias seguintes”, ele conta.
Eles passaram seis semanas andando de forma forçada e incessante, o que os deixou “desgastados”. E, para suportar a situação, Dyke imaginava cada detalhe do seu sonhado jardim.
Depois daquele período difícil, a dupla observou que os sequestradores os haviam levado para perto de onde eles foram encontrados.
“Chegamos àquele vale incrível e um dos soldados veio e disse, simplesmente: ‘Tom e Paul, vocês estão livres para ir embora. Se, algum dia, vocês voltarem ou trouxerem alguém aqui, nós torturaremos e executaremos vocês e seus amigos. Aqui estão todas as suas coisas.'”
Eles, então, devolveram tudo o que haviam tomado deles nove meses antes, como as carteiras de motorista e os passaportes.
Para Winder, eles entregaram US$ 1,5 mil (cerca de R$ 8,2 mil) em “cheques de viagem”, que se costumava usar na época. “Vão por este caminho” foi a orientação final.
“É claro que saímos correndo imediatamente”, relembra Dyke. “Seguimos o caminho até uma antena de rádio… e nos sequestraram de novo!”
Era outra divisão do mesmo grupo guerrilheiro. Por isso, quando Dyke explicou (com uma arma apontada no rosto) que eles os haviam deixado seguir viagem, a dupla foi liberada.
Mas havia uma encruzilhada no caminho — e eles seguiram na direção errada. “Acabamos em um pântano e passamos dias submersos na água”, ele conta.
“Não quero ser dramático, mas era como um filme de Indiana Jones. As serpentes realmente ficam penduradas nos galhos. Para dormir, flutuamos sobre massas de raízes entre duas árvores.”
“Estávamos física e mentalmente acabados. A selva ia nos matar.”
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Não houve outra solução senão retornar pelo mesmo caminho. Felizmente, eles haviam marcado as árvores com uma colher à medida que avançavam. Esta providência permitiu que eles chegassem, mesmo que quase mortos, à antena de rádio.
E, milagrosamente, eles regressaram aos braços dos seus sequestradores. Dyke e Winder estavam novamente no chão com M16 apontados para eles, enquanto os guerrilheiros perguntavam: “Onde está o exército?”
“Não, senhor, não trouxemos ninguém, simplesmente estamos perdidos”, responderam eles. “Queremos ir embora. Podem nos dar melhores instruções?”
Eles os orientaram a virar à direita, não à esquerda.
“Assim fizemos e, em poucas horas, encontramos dois guardas florestais que nos levaram à sua cabana, onde eles tinham um rádio para nos comunicarmos com a Embaixada”, contou Dyke.
Quando conversaram com o embaixador, ele respondeu: “Não, eles morreram tempos atrás. Nos fazem muitas dessas chamadas, de forma que vou desligar.”
E ele desligou, mas, em uma nova ligação, pediu os dados pessoais de ambos.
“Ele nunca havia visto um caso como o nosso, em 50 anos de guerra civil [na Colômbia]”, segundo Dyke. “Ele simplesmente não conseguia acreditar que estávamos vivos.”
Depois de convencê-los, tudo se acelerou.
“Uma lancha rápida da Cruz Vermelha nos recolheu, carros à prova de balas nos levaram para um jato particular, que nos transportou de volta para Bogotá, e terminamos na casa do embaixador, menos de 24 horas depois de sairmos da floresta.”
Agradecido aos sequestradores
Tom Dyke e Paul Winder voltaram para casa no dia 21 de dezembro de 2000, a poucos dias do Natal. Mas, depois daquela experiência longa e traumática, Dyke precisou de algum tempo para se reajustar.
“Passei duas semanas na cama, suando”, recorda ele.
“Em janeiro de 2001, abri meu diário, que soltou aquele odor fétido e o calor da selva. Mas, casualmente, ele abriu na página onde estava o jardim dos meus sonhos.”
Crédito, KEO Films
Crédito, Stephen Sangster
Cinco anos depois, o sonho que teve Tom Dyke naquele que poderia ter sido seu último dia de vida se tornou realidade. The World Garden (“O Jardim do Mundo”) foi aberto ao público no terreno da casa da família.
Dyke e sua avó viveram mais nove anos juntos, até a morte dela, em 2010. Ele finalmente encontrou no México uma espécie de planta que conseguiu batizar em sua homenagem.
Ele chamava a avó de Crac, de forma que a descoberta se chama Penstemon Crac’s Delight (“A alegria de Crac”, em tradução livre). É uma das cerca de 8 mil espécies presentes no Jardim do Mundo, que recebe cerca de 10 mil visitantes por ano e, agora, comemora seu 20° aniversário.
“A Colômbia me fez ser quem eu sou”, declarou o botânico ao jornalista Stuart Maisner, da BBC. “Ela me fez perceber que devo viver cada dia ao máximo.”
“Olhando para trás, sou agradecido aos nossos sequestradores, pois, sem eles, nunca teria tido meu belo jardim. Significa muito para mim.”