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As sessões da Câmara dos Deputados e do Senado foram interrompidas na terça-feira (5/8) por ação coordenada de parlamentares da oposição.
Em protesto contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que impôs prisão domiciliar a Jair Bolsonaro, aliados do ex-presidente impediram a continuidade dos trabalhos no Congresso e prometeram manter a obstrução até que três pautas sejam votadas.
Os oposicionistas exigem a votação de um projeto de anistia aos presos e condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e a proposta que extingue o foro privilegiado — o que pode levar os processos contra Bolsonaro para instâncias inferiores da Justiça.
A movimentação começou ainda pela manhã, com senadores e deputados da oposição reunidos na rampa do Congresso. O gesto foi interpretado por integrantes da base governista como mais uma tentativa de desestabilização institucional.
Para o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), a postura da oposição vai além da obstrução parlamentar tradicional. Ele classificou o ato como “um novo 8 de janeiro” e afirmou que os parlamentares estão “a serviço da impunidade” e atrapalham pautas de interesse da população.
Segundo ele, a paralisação afeta diretamente a votação de projetos relevantes, como a correção na tabela do Imposto de Renda.
Do outro lado, o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), admitiu que a medida é radical, mas afirmou que os pedidos refletem demandas legítimas de uma parte expressiva do Parlamento.
“São problemas simples de ser resolvidos. São projetos de lei que tramitam na casa. Nós não queremos nada que seja extraordinário, nem exorbitante. Estamos apenas exercendo nosso papel aqui como legisladores”, disse Marinho.
A pressão da oposição ocorre em meio à crescente tensão entre bolsonaristas e o STF, especialmente após novas decisões judiciais envolvendo o ex-presidente. O pedido de impeachment de Alexandre de Moraes, porém, depende também do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que até o momento não sinalizou disposição de levar o tema adiante.
A BBC News Brasil procurou a assessoria de imprensa do STF, mas não tinha recebido resposta até a publicação desta reportagem.
1. Quem pode apresentar um pedido de impeachment contra um ministro do STF?
Segundo a lei, qualquer cidadão — seja parlamentar ou não — pode apresentar uma denúncia contra um ministro do STF.
O pedido deve ser protocolado no Senado e, depois de registrado como Petição (PET), passa por uma análise da Advocacia do Senado.
Se considerado juridicamente admissível, o processo segue para a Comissão Diretora e, só então, pode ser levado à deliberação dos senadores. A partir daí, pode seguir o mesmo rito do impeachment presidencial.
De acordo com a assessoria de imprensa do Senado, não há previsão constitucional específica para o impeachment de um ministro do STF. Apesar disso, o inciso II do artigo 52º da Constituição Federal diz que compete ao Senado processar e julgar ministros do STF quanto a crimes de responsabilidade.
A definição sobre quais são os crimes de responsabilidade para ministros do STF está prevista na lei 1.079, de 1950, a mesma que trata do impeachment de presidentes da República.
A lista de condutas que podem motivar esse tipo de processo inclui: alterar decisão judicial fora dos meios legais; julgar causas nas quais é suspeito e exercer atividade político-partidária (veja a lista completa na próxima resposta).
2. Quais crimes podem gerar afastamento de ministro do STF
A definição sobre quais são os crimes de responsabilidade para ministros do STF está prevista na lei 1.079, de 1950.
Os crimes de responsabilidade para ministros do STF são:
- Alterar decisões, exceto por meio de recurso, decisões ou votos que já foram proferidos em sessão do Tribunal;
- Participar de julgamento quando, por lei, ele estaria impedido por suspeição, que é quando um ministro ou juiz tem algum tipo de vínculo com o tema ou com as partes envolvidas no processo;
- Exercer algum tipo de atuação político-partidária;
- Desídia (negligência ou descuido) no cumprimento dos deveres;
- Proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro das funções de ministro do STF.
Para o advogado Clóvis Bertolini, doutorando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), a definição de crime de responsabilidade para ministros do STF é vaga, assim como ocorre com presidentes da República.
“Quando a lei do impeachment foi editada, em 1950, o Brasil vinha do regime totalitário de Getúlio Vargas e tentou-se impedir alguns abusos cometidos os anos 1930 e 1940, mas não houve um detalhamento sobre o que poderia constituir um crime de responsabilidade para um ministro do STF”, disse Bertolini à BBC News Brasil durante entrevista publicada em 14 de agosto de 2024.
Na avaliação dele, a análise sobre se um ministro cometeu ou não um crime de responsabilidade depende da interpretação política dos senadores.
“No caso do impeachment dessas autoridades, a definição é muito vaga e esses critérios passam a ser preenchidos ou não de acordo com a interpretação dos parlamentares que vão julgar o caso. O impeachment é um processo de natureza jurídica, mas a avaliação é política”, disse.
3. Quais são as fases caso um pedido seja aceito?
Se o presidente do Senado decidir autorizar a tramitação de um pedido de impeachment contra um ministro do Supremo, o processo passa por três fases principais:
É formada uma comissão de senadores responsável por analisar a denúncia. Esse grupo elabora um relatório sobre o caso e decide, por maioria simples, se a acusação atende aos critérios legais para prosseguir. Se o relatório for aprovado, ele segue para o Plenário.
2. Votação de admissibilidade no Plenário
O Plenário do Senado vota se aceita ou não a denúncia. Também aqui é necessária maioria simples. Se a denúncia for admitida, o ministro alvo do processo é afastado do cargo por até 180 dias. Se o julgamento não for concluído nesse prazo, o ministro pode retornar ao cargo temporariamente.
Nessa fase, são coletadas provas e depoimentos. O ministro tem direito à defesa e, como no impeachment de presidente da República, o julgamento é conduzido pelo presidente do STF. Para que o ministro perca o cargo, é necessário o voto favorável de dois terços dos senadores (54 dos 81 parlamentares).
4. Já aconteceu antes?
Até hoje, nenhum pedido de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal foi aprovado.
Todos os pedidos são públicos e podem ser consultados por qualquer cidadão no portal do Senado. Atualmente, há 51 petições em tramitação contra diferentes ministros da Corte.
O acompanhamento pode ser feito online.
5. Qual o argumento central dos parlamentares da oposição ao pedirem o impeachment de Moraes?
Parlamentares da oposição alegam que o ministro Alexandre de Moraes cometeu abuso de autoridade, promoveu censura, perseguição política e desrespeitou a imunidade parlamentar. Segundo eles, Moraes tem atuado de forma arbitrária e sem respeitar os limites constitucionais de sua função no Supremo Tribunal Federal.
O pedido mais recente de impeachment, protocolado no início de agosto, é liderado pelo deputado Hélio Lopes (PL-RJ), que realizou um protesto silencioso em frente ao Supremo em julho, e conta com o apoio dos parlamentares Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Cabo Gilberto (PL-PB), Coronel Chrisóstomo (PL-RO) e Rodrigo da Zaeli (PL-MT).
Moraes determinou a remoção imediata do acampamento, proibiu novos protestos no local e autorizou prisão em flagrante em caso de resistência. A decisão foi tomada a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e teve como justificativa o risco de repetição de atos semelhantes aos que antecederam os ataques de 2023 às sedes dos Três Poderes.
Para os parlamentares oposicionistas, essa decisão foi “ilegal e arbitrária”. Eles defendem que manifestações pacíficas não podem ser criminalizadas e acusam o ministro de agir motivado por razões políticas.
Durante os protestos desta terça-feira (5), o tom das críticas subiu. “A primeira medida desse pacote de paz que queremos propor é o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, que não tem nenhuma capacidade de representar a mais alta Corte do país”, declarou um parlamentar.
A ideia de afastar Moraes, no entanto, não é nova. Em setembro de 2024, o Senado chegou a divulgar nota reconhecendo o direito de senadores de apresentar pedidos de impeachment contra ministros do STF.
6. Qual a posição do líder do Senado?
Para o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), a postura da oposição vai além da obstrução parlamentar tradicional. Ele classificou o ato como “um novo 8 de janeiro” e afirmou que os parlamentares estão “a serviço da impunidade” e atrapalham pautas de interesse da população.
“O que ocorre hoje no Congresso Nacional é um novo 8 de Janeiro. É um vilipêndio ao funcionamento pleno do Congresso Nacional por parte daqueles que estão a serviço de interesses estrangeiros, estão a serviço da impunidade e não querem que a agenda do Brasil avance”, disse Randolfe, segundo publicação no site do Senado.
Segundo ele, a paralisação afeta diretamente a votação de projetos relevantes, como a correção na tabela do Imposto de Renda. A proposta em questão garante isenção para quem recebe até dois salários mínimos (R$ 3.036) e já foi aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos, com pedido de urgência para ir ao Plenário.