Jasmim egípcio em crise, indústria de perfumes em alerta


No setor de perfumaria, volta e meia surgem sinais de alerta relativos a matérias-primas, como no caso do pau-de-águila, das rosas de Taif, do ylang-ylang de Comores e, agora, do jasmim egípcio. As mudanças climáticas estão alterando o ecossistema e, por tabela, as fontes tradicionais de valiosos ingredientes naturais.

Rendimento em declínio

No verão dos últimos anos, os campos do delta do Nilo registraram uma queda vertiginosa na colheita de flores de jasmim destinadas às grandes marcas de perfumes.

“É por causa do calor”, suspira Wael al-Sayed, 45 anos, que há quase uma década cultiva o jasmim em Shubra Balula, vilarejo situado a cerca de cem quilômetros ao norte do Cairo e uma das principais regiões produtoras dessa flor no Egito. À medida que a temperatura aumenta, diz ele, a quantidade de flores diminui. Em dois anos, a colheita diária passou de seis quilos para apenas dois ou três quilos.

Nessa região de terras férteis, há várias gerações o jasmim é uma importante fonte de renda para milhares de famílias. De junho a outubro, homens, mulheres e crianças trabalham nos campos da meia-noite ao amanhecer, período em que as flores exalam seu perfume com maior intensidade.

Porém, os efeitos das alterações climáticas – ondas de calor, secas intermináveis e proliferação de parasitas – estão ameaçando essa tradição. Diante de colheitas cada vez mais magras, alguns desses agricultores acabam jogando a toalha.

Floração prejudicada pelas altas temperaturas

Segundo A. Fakhry & Co, principal indústria de beneficiamento do país, em termos de produção mundial o Egito é responsável pelo fornecimento de praticamente metade do concreto de jasmim, espécie de pasta semelhante a uma cera que entra na composição de fragrâncias.

Nos anos 1970, o país produzia 11 toneladas dessa substância por ano, segundo a Federação Internacional de Óleos Essenciais. Hoje, a produção é de no máximo 6,5 toneladas, afirma a A. Fakhry & Co.

O jasmim dessa região é muito sensível ao calor e à umidade, explica Karim Elgendy, do Carboun Institute, think tank holandês especializado em questões de clima e energia. “As temperaturas altas muitas vezes perturbam a floração, alteram a concentração em óleo essencial (…) e diminuem o rendimento da plantação”, explica.

Um relatório da Agência Internacional de Energia publicado em 2023 revela que, entre 2000 e 2020, a temperatura média no Egito aumentou 0,38°C a cada década, ou seja, um aumento mais rápido do que a média mundial.

O calor enfraquece o poder olfativo do jasmim, prejudicando a qualidade do óleo essencial extraído dessa flor, explica Badr Atef, diretor da A. Fakhry & Co. Ao mesmo tempo, alguns parasitas – ácaros e lagartas, por exemplo – proliferam em temperaturas extremamente altas, piorando ainda mais a situação.

Na cidade francesa de Grasse, capital mundial do perfume, Alexandre Levet, CEO da French Fragrance House, lamenta o tamanho do estrago: “Dezenas de ingredientes naturais estão sofrendo as consequências das alterações climáticas”, diz ele à AFP, explicando que novas regiões produtoras estão surgindo à medida que as antigas se deterioram.

Comunidades em risco

O delta do Nilo é uma região particularmente exposta às consequências das mudanças climáticas. A elevação das águas do Mar Mediterrâneo modifica a salinidade do solo, posicionando os produtores de jasmim na linha de frente dos efeitos nefastos do aquecimento global.

Uma tonelada de pétalas produz apenas dois a três quilos de concreto e uma quantidade ainda mais ínfima de óleo essencial. Os agricultores egípcios recebem cerca de 105 libras egípcias (aproximadamente 2 euros, ou meros 12 reais) por cada quilo de jasmim colhido.

Desde 2022, a libra egípcia sofreu uma desvalorização de mais de dois terços, provocando uma escalada dos preços e mergulhando muitas famílias numa situação de extrema precariedade.

Em junho, os agricultores lançaram uma greve inédita para exigir que a remuneração aumentasse para 150 libras egípcias por quilo. As usinas de beneficiamento privadas concederam um aumento irrisório, de apenas 10 libras.

Ano após ano, a renda dos trabalhadores vem encolhendo, e aqueles que têm a possibilidade acabam procurando outras ocupações. Sem esquecer que, com as temperaturas cada vez mais altas, “vilarejos inteiros talvez se tornem inabitáveis”, avisa Karim Elgendy.



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