O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus foi retomado na última terça-feira (09/09).
O ministro relator defendeu que Jair Bolsonaro seja condenado pelos cinco crimes atribuídos a ele pela Procuradoria-Geral da República: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de bem tombado.
Entre as provas que Moraes citou, estão:
1. Uso de órgãos públicos (ABIN e GSI)
No voto, Moraes citou o uso da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para monitoramento de adversários políticos e estruturação da estratégia da organização criminosa.
Ele afirmou que essas estruturas foram utilizadas de forma indevida para a criação de uma chamada “ABIN Paralela”, responsável por espionagem e perseguição política, e para a produção e divulgação de desinformação sobre o sistema eleitoral.
Moraes apontou que a agenda de Augusto Heleno, então chefe do GSI, e documentos em posse de Alexandre Ramagem mostram o planejamento de atos executores para perpetuar o poder e restringir o Judiciário.
Segundo o ministro, integrantes militares, como Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, endossaram e participaram ativamente do planejamento de ações ilícitas, chegando a afirmar que, se necessário, “soco na mesa” ou “virar a mesa” deveria ocorrer antes das eleições.
2. Atos públicos de desinformação e ameaça
O ministro destaca as lives e entrevistas de Bolsonaro entre julho e agosto de 2021, nas quais o então presidente teria feito graves ameaças e disseminado desinformação sobre a Justiça Eleitoral.
Ele ressaltou uma transmissão de 29 de julho de 2021, afirmando que a live representou um dos primeiros atos executores públicos, com graves ameaças à Justiça Eleitoral.
Segundo Moraes, Bolsonaro repetia de forma massiva a narrativa sobre vulnerabilidade das urnas e questionava a legitimidade do STF, gerando desinformação direcionada à população e reforçando a estratégia da organização criminosa.
3. Atos de mobilização golpista
Entre os atos executores, o voto menciona a manifestação de 7 de setembro de 2021, marcada por ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral.
Também foram citadas reuniões ministeriais e encontros com embaixadores, que teriam servido para planejar e consolidar a estratégia de pressão institucional e internacional em favor do grupo.
4. Uso indevido de estruturas estatais nas eleições de 2022
O ministro destacou que a ‘organização criminosa’ criou um grupo de policiais federais para atuar “mais incisivamente” nas eleições, e que a Polícia Rodoviária Federal foi usada para dificultar a chegada de eleitores a locais de votação no segundo turno de 2022, especialmente em municípios onde Lula tinha mais votos no primeiro turno.
Essas ações foram interpretadas por Moraes como tentativa de manipular e interferir na eleição, configurando grave violação do Estado Democrático de Direito.
5. Provas documentais contra Augusto Heleno
Entre as evidências apresentadas está a agenda apreendida da época de Augusto Heleno, então ministro do GSI. Segundo Moraes, o documento contém anotações que indicam planejamento de fraude eleitoral, com tópicos como “fraude pré-programada” e “mecanismo usado para fraudar”.
O relator também cita a conexão dessas anotações com a tentativa de contratação de hackers, incluindo um que acabou preso na Itália, como prova de intenção concreta de ataque ao processo eleitoral.
6. A ‘minuta do golpe’
Moraes afirmou que não há nenhuma dúvida sobre reuniões do réu Jair Messias Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas, entre outras pessoas, para discutir a quebra da normalidade constitucional. Durante sua fala, ele apresentou documentos aos quais se referiu como “minuta de golpe”.
Apresentação usada durante voto do ministro Alexandre de Moraes
Em seu depoimento ao STF, Bolsonaro admitiu que manteve conversas com os chefes militares após perder as eleições de 2022, mas ele sustentou que os encontros tinham o objetivo de discutir opções para lidar com a manutenção de manifestações contrárias à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial.
Segundo Bolsonaro, foram discutidas as possibilidades de decretação de Estado de sítio, mas a ideia foi posteriormente descartada. Moraes, no entanto, descartou esse argumento.
“Ora.. não existe previsão constitucional para decretação de Estado de sítio, ou de defesa, ou GLO (Garantia da Lei e da Ordem) no caso de derrota eleitoral. Não existe. Chame-se como quiser. Aqui era uma minuta de golpe de Estado”, disse Moraes.
7. Operação milícias digitais e divulgação massiva de fake news
Moraes apontou o uso de um complexo sistema de milícias digitais para difusão das narrativas golpistas, com financiamento, robôs e a participação do chamado “Gabinete do Ódio”.
A intenção seria amplificar a desinformação e pressionar instituições, criando um clima de antagonismo contra a Justiça e questionando resultados eleitorais futuros.
8. Planejamento da Operação Punhal Verde Amarelo
Moraes apresentou a transcrição de áudios de conversas entre o general da reserva Mario Fernandes e o tenente-coronel Mauro Cid e um grupo de elite do Exército chamado “kids pretos” como provas da articulação das operações chamadas de ‘Punhal Verde e Amarelo’ e ‘Copa 2022’, planos que envolviam o monitoramento, a prisão ilegal e até uma possível execução de Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin.
O ministro disse que haveria “excesso de provas” sobre a existência e tentativa de executar um plano para o assassinato dos três, informa Leandro Prazeres, de Brasília.
“Esse planejamento é fartamente comprovado nos autos. Como cheguei a comentar com a ministra Carmen (Lúcia), há excesso de provas”, disse.
Segundo as investigações, o plano seria executado por militares de forças de elite do Exército brasileiro. Parte do plano chegou a ser impresso em uma impressora dentro do Palácio do Planalto, e dizia que Moraes seria morto com o uso de armas de fogo.
Lula, por sua vez, seria morto por envenenamento. “Isso não foi impresso numa gruta, escondido numa sala de terroristas. Isso foi impresso na sede do governo brasileiro, no mesmo momento em que lá se encontrava o presidente Jair Messias Bolsonaro. O planejamento é tão bem detalhado que há chances de êxito, efeitos colaterais e (menções) à necessidade de utilização de armas pesadíssimas”, disse Moraes.
Os advogados dos réus acusados negam suas ligações com o plano.
O que diz a defesa de Bolsonaro
No primeiro dia do julgamento, o advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, disse que não “há uma única prova” que atrele o ex-presidente “ao Punhal Verde Amarelo, à Luneta, ao 8 de janeiro”.
O plano Punhal Verde Amarelo previa, segundo os promotores, o monitoramento e assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
Vilardi também fez menção ao documento Operação Luneta, uma planilha que traria o detalhamento tático para o golpe; e aos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro, insatisfeitos com a derrota dele na tentativa de reeleição em 2022, invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
Segundo Celso Vilardi, não há provas que conectam Jair Bolsonaro aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e às demais manifestações públicas feitas por apoiadores em acampamentos em frente a quartéis pelo país.
O advogado de Bolsonaro também questionou a validade da delação de Mauro Cid e reclamou do grande volume de informações produzido na investigação e inserido nos autos do processo pela PF e PGR sem que houvesse tempo adequado para que a defesa analisasse esse material.
Segundo ele, o conteúdo superou 70 terabytes. “Pela primeira vez em 34 anos de advocacia, eu não conheço a íntegra desse processo”, criticou Vilardi.
Na sequência, falou o advogado Paulo da Cunha Bueno, outro defensor de Bolsonaro.
Ele argumentou que a lei que criminaliza atos contra a democracia estabelece que deve haver atos violentos para que seja configurado o crime.
A defesa também se debruçou sobre a ideia de que a acusação estaria tentando “punir um ato preparatório” ou “uma tentativa de tentativa” de golpe de Estado.
Segundo Bueno, a reunião de 7 de dezembro em que Bolsonaro discutiu com comandantes das Forças Armadas a decretação de Estado de Defesa ou de Sítio não pode ser considerado o início de um golpe de Estado por duas razões: porque essas ações estão previstas na Constituição e porque o então presidente não levou essas ideias adiante.
*Com informações de reportagem de Daniel Gallas, Julia Braun e Vitor Tavares