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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para condenar o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito.
Ele é o primeiro réu do chamado “núcleo crucial” a ter maioria por sua condenação. Por ter firmado uma colaboração premiada, sua pena poderá ser perdoada total ou parcialmente.
A maioria foi formada após o voto do ministro Luiz Fux. Ele já havia tido o voto por sua condenação dado pelo relator, Alexandre de Moraes, e pelo ministro Flávio Dino.
“Considerando as premissas, a própria colaboração que gera uma autoincriminação e a fundamentação acima, julgo procedente em parte o pedido de condenação, condenando-o pelo crime de tentativa de abolição do Estado democrático de direito”, disse Fux.
Em outro trecho de seu voto, Fux afirma que as provas colhidas pela acusação demonstram que ele tinha conhecimento da trama golpista.
Segundo ele, não seria crível, como alegou a defesa de Cid, que ele tivesse participado de reuniões sobre o suposto golpe, mas não tivesse conhecimento de que os demais envolvidos estivessem colocando em práticas os seus atos executórios.
Fux votou, no entanto, por absolver Cid por organização criminosa, dano qualificado e dano a bem tombado. Também julgou improcedente a acusação pelo crime de golpe de Estado.
Com isso, o ministro acolheu uma importante tese das defesas para absolver Cid do crime de tentativa de golpe de Estado.
Ele considerou que o golpe seria uma etapa para a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e, por isso, o réu não poderia ser condenados duplamente.
“O golpe é um meio para abolição do Estado Democrático de Direito”, apontou Fux.
Mais uma vez, seu entendimento é diferente do de Moras e Dino, que consideram que são dois crimes diferentes.
Para os ministros, a tentativa de golpe de Estado ocorre quando há ações para tentar derrubar um governo legítimo ou impedir a posse de um presidente eleito.
Já o crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, avaliam, ocorre quando há ações para impedir a atuação de instituições democráticas, como o Poder Judiciário, incluindo a Justiça Eleitoral.
Ainda faltam os votos da ministra Cármen Lúcia e do presidente da Primeira Turma, o ministro Cristiano Zanin. Sua pena ainda por este crime ainda não foi determinada. A fase de dosimetria, em que há o estabelecimento das penas, está prevista para a sexta-feira (12/9).
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Fux era a principal esperança das defesas no julgamento, já que era visto como um possível contraponto a Moraes. Havia expectativa, inclusive, de o ministro pedir vista do processo — o que poderia atrasar o desfecho do julgamento em até 90 dias.
Mas o ministro decidiu prosseguir com seu voto, que dura já quase sete horas.
Pela manhã, Fux defendeu a anulação do processo por incompetência da Corte para julgá-lo.
Além disso, Fux também acolheu um dos argumentos-chave dos réus: o de que houve cerceamento da defesa devido à falta de tempo adequado para os advogados analisarem todo o material levantado nas investigações.
Na semana passada, os advogados Jair Alves Pereira e Cezar Bitencourt, defensores de Cid, defenderam a validade do acordo de delação, dizendo que Cid não foi coagido a falar.
Além disso, argumentaram que não havia provas que mostrem que o tenente-coronel participou da tentativa de golpe.
“Ele não participou, não planejou, não mobilizou ninguém”, disse Bitencourt.
“O que há nos autos é que Mauro Cid jamais compartilhou e citou qualquer conteúdo golpista, não há sequer uma única mensagem de sua autoria propondo qualquer atentado contra a democracia”, disse.
“O que temos aqui é presença física e função institucional. Só isso. Mas isso não é crime nem aqui nem na China.”
Pereira disse que houve total respeito ao devido processo legal e afirmou que “não seria justo “que após tantas colaborações de Cid, o Estado decidisse mudar os termos do acordo de delação e decretasse uma pena maior ao seu cliente.
De ajudante de ordens a principal algoz de Bolsonaro
Mauro Cid foi o ajudante de ordens de Jair Bolsonaro durante todo o mandato do ex-presidente, entre 2019 e 2022.
A partir de 2023, ele passou a ser investigado pela Polícia Federal. Em maio, ele foi preso pela Polícia Federal em meio a diversas investigações sobre sua atuação em casos como a suposta falsificação de cartões de vacina da família Bolsonaro.
Em setembro, Cid foi posto em liberdade, mas mediante o uso de tornozeleira eletrônica. Posteriormente, foi divulgada a informação de que ele havia firmado um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal e homologado pelo STF.
Mauro Cid era considerado um dos homens de confiança de Bolsonaro. Ele tem 44 anos e vem de uma família de militares. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Cid é filho de um general, Mauro Cesar Lourena Cid.
Sua delação foi duramente criticada pelas defesas dos demais réus por conta das supostas contradições e da quantidade de depoimentos que ele prestou às autoridades. A validade de sua delação, contudo, foi mantida pela maioria dos ministros da Primeira Turma, inclusive com o voto de Fux.
Além de Cid, estão na lista três generais do Exército — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil) — e Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.
Também são réus o deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem (PL-RJ); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em divergência com Moraes, Dino considerou que Nogueira, Heleno e Ramagem tiveram participações menores na tentativa golpista e devem receber penas mais baixas que os demais.
Esse é o primeiro entre quatro núcleos que serão julgados no âmbito do processo por tentativa de golpe. Há ainda outros 24 acusados.