Ministro falou durante 4h21, comparou réus a delinquentes do PCC e falou em projeto autoritário de poder
O ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, falou por 4 horas e 21 minutos nesta terça-feira (9) e defendeu a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus ligados ao governo anterior. O julgamento é conduzido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) e deve se estender até sexta-feira (12).
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, votou pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus no julgamento sobre a trama golpista que visava mantê-lo no poder após a derrota eleitoral em 2022. Moraes classificou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa que atuou entre 2021 e 2023.O relator apontou diversos episódios como evidências do plano golpista, incluindo ataques ao sistema eleitoral, reunião com embaixadores e uso indevido de órgãos públicos. O julgamento, considerado histórico, prossegue com os votos de outros quatro ministros, podendo resultar em penas superiores a 40 anos de prisão.
Em seu voto, Moraes afirmou que “não há nenhuma dúvida” de que houve tentativa de golpe, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e atuação de uma organização criminosa armada. Para ele, Bolsonaro exerceu papel de liderança na trama: “Utilizou-se da estrutura do Estado brasileiro para implementar um projeto autoritário de poder. O líder do grupo criminoso deixou claro, de viva voz, que jamais aceitaria uma derrota democrática nas urnas”.
Segundo o ministro, os atos executórios começaram em julho de 2021, quando Bolsonaro promoveu transmissões ao vivo questionando as urnas eletrônicas. Também foram listados episódios como a manifestação do 7 de Setembro de 2021, reuniões ministeriais e encontros com embaixadores estrangeiros em 2022, o uso indevido da Polícia Rodoviária Federal durante o segundo turno das eleições e a divulgação de relatório das Forças Armadas com suspeitas infundadas sobre o sistema eleitoral.
O relator citou ainda o chamado Plano Punhal Verde e Amarelo, documento que previa assassinatos do próprio Moraes e do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O arquivo foi impresso dentro do Palácio do Planalto e, segundo o ministro, entregue a Bolsonaro em reunião no Alvorada. “Não é crível acreditar que o general imprimiu esse documento para fazer barquinho de papel. Isso é ridicularizar a inteligência do tribunal”, afirmou.
Para Moraes, os atos golpistas do 8 de Janeiro foram a conclusão de um processo iniciado dois anos antes, com divisão de tarefas entre autoridades civis e militares: “Não foi combustão espontânea, foi a tentativa final de perpetuação no poder a qualquer custo”.
O ministro rejeitou todas as questões preliminares levantadas pelos advogados dos réus, como o pedido de nulidade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Ele classificou como “litigância de má-fé” a tese de que Cid teria dado oito versões diferentes em depoimentos.
Ao rebater o argumento de que anotações e mensagens apreendidas não passariam de ideias soltas, Moraes ironizou: “Isso não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro, é uma mensagem do diretor da Abin para o presidente da República”. O relator também criticou advogados que contabilizaram o número de perguntas feitas por ele em interrogatórios: “A ideia de que o juiz deve ser uma samambaia jurídica é esdrúxula”.
Interrupções
O clima do julgamento ficou mais tenso quando o ministro Luiz Fux interrompeu Moraes duas vezes. Na primeira, logo no início da votação, Fux avisou que não acompanharia o relator na análise conjunta das preliminares e que retomaria o tema quando fosse sua vez de votar.
Mais tarde, Fux protestou contra um aparte de Flávio Dino, que havia reforçado o raciocínio de Moraes sobre o uso da PRF para coibir eleitores no segundo turno. “Não foi o que combinamos naquela sala ao lado”, reclamou Fux, lembrando que os ministros haviam acordado votar sem interrupções. Dino retrucou com ironia: “Eu tranquilizo que não pedirei aparte de vossa excelência. Pode dormir em paz”.
Além de divergir sobre a condução da sessão, Fux já sinalizou que deve discordar de Moraes em pontos de mérito, como a validade da delação de Mauro Cid e a separação dos crimes de tentativa de golpe e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Desfecho do julgamento
Com o voto de Moraes, a Primeira Turma agora ouvirá os demais ministros: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por último, Cristiano Zanin, presidente do colegiado. Se houver maioria pela condenação, as penas de cada réu serão definidas em seguida e podem ultrapassar 40 anos de prisão.
Moraes defendeu que os crimes de tentativa de golpe e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito sejam considerados autônomos, o que pode aumentar as penas. Ele também destacou que absolver os acusados significaria “negar tudo o que o STF já julgou sobre os atos golpistas de 8 de Janeiro”.
“O Brasil quase voltou a uma ditadura que durou 20 anos porque uma organização criminosa não aceitou perder as eleições. Não é possível banalizar o retorno a esses momentos obscuros da nossa história”, concluiu Moraes.
Além de Bolsonaro, são réus:
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Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice;
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Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
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Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
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Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
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Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
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Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e hoje deputado federal;
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Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência e delator.
Todos respondem por organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Ramagem responde apenas pelos três primeiros crimes, porque os demais ficaram suspensos após sua diplomação como parlamentar.