“Não existe caça às bruxas”, diz Barroso sobre sanções dos EUA



O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, defendeu novamente, nesta quarta-feira (17), o julgamento da Primeira Turma da Corte que condenou, na semana passada, o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe.

No pronunciamento, no início da sessão de julgamentos do plenário, Barroso buscou responder às sanções aplicadas pelo governo dos Estados Unidos ao Brasil e aos ministros por causa do processo e da atuação da Corte sobre as redes sociais.

Barroso negou que exista censura no Brasil.

“Vigora a mais plena liberdade de expressão. Eu sou uma pessoa que leio de tudo, todos os dias. E eu recebo diariamente, como muitos de nós possivelmente, manifestações em veículos de imprensa e em blogs, com as críticas mais ácidas ao governo, mais ácidas ao Congresso e, sobretudo, ao Supremo Tribunal Federal. Muitas delas grosseiras e ofensivas. Todos esses veículos continuam no ar, sem qualquer tipo de abalo. Lê quem quer, acredita quem quer”, afirmou.

A ideia de que no Brasil existe censura simplesmente não corresponde à realidade de qualquer pessoa que esteja no país prestando atenção no que aconteça”, completou.

Barroso afirmou que as remoções de conteúdo nas redes sociais “se referiam a crimes, crimes de ameaça, não crimes de opinião”. “O exemplo mais emblemático era o da postagem que fornecia o endereço do delegado que conduzia determinado inquérito, com o nome de sua mulher e de seus filhos e convocava as pessoas para irem hostilizá-lo e ameaçá-lo. Isso não é liberdade de expressão em parte alguma do mundo”, disse o ministro.

Depois, negou que as decisões do STF tenham alcance fora do Brasil. “Nenhuma decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro tem pretensão de alcance extraterritorial. Nós só cuidamos do nosso jardim. E já dá um bocado de trabalho. Portanto, ninguém está aqui querendo impor decisão brasileira fora do Brasil. Simplesmente não corresponde aos fatos”, disse.

No final de julho, quando incluiu Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky Global — que impõe severas restrições financeiras ao sancionado — , o governo americano citou decisões do ministro que obrigaram empresas americanas a guardar dados, cortar monetizações e bloquear perfis de brasileiros com cidadania ou residência nos EUA. (Leia, ao final dessa reportagem, outros casos de restrição a liberdade de expressão omitidos por Barroso em seu pronunciamento).

Barroso defende julgamento que condenou Bolsonaro

No pronunciamento, Barroso também negou uma “caça às bruxas ou perseguições políticas” – argumentos repetidos pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para justificar a elevação para 50% das tarifas de importação para produtos brasileiros, numa referência aos processos contra Jair Bolsonaro, seus aliados e apoiadores no STF.

“Tudo o que foi feito baseou-se em provas, evidências exibidas publicamente”, disse Barroso, listando alguns dos principais pontos da condenação de Bolsonaro.

“Houve prova documentada da existência de um plano para assassinar o presidente eleito, o vice-presidente e um ministro do Supremo. Prova documental e confissão. Era um pensamento digitalizado, mas existiu e foi impresso diversas vezes”, disse, numa referência ao plano Punhal Verde e Amarelo, encontrado com o general Mario Fernandes, que era secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência.

“Outra prova: existência de um decreto de implantação do estado de exceção – prova documental, estava lá – em razão da derrota eleitoral, e um discurso pós-golpe. Documento existia, estava lá”, disse, em referência à minuta de um decreto, encontrada com o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que instalaria estado de defesa no TSE para rever a eleição presidencial.

“Houve ordem para mudar o relatório das Forças Armadas que constatou a inexistência de fraude. Prova documental inconteste. Houve incentivo governamental a acampamentos em portas de quarteis militares pedindo golpe de Estado. Provado. Houve colaboração premiada detalhando diversas fases do esquema”, finalizou.

“Todos esses foram fatos comprovados e unanimemente reconhecidos. Houve divergência quanto à extensão da autoria e participação”, afirmou Barroso, numa referência ao voto divergente de Luiz Fux, que votou para condenar somente o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto e o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

“Portanto, a ideia de que tenha sido uma farsa, de que seja perseguição política ou de caça às bruxas é uma narrativa que não corresponde aos fatos”, disse Barroso.

“Nesse contexto, é profundamente injusto punir o Brasil, punir os brasileiros, punir as empresas brasileiras, punir os trabalhadores brasileiros por uma decisão amplamente baseada em provas, acompanhada por toda a imprensa internacional. Também não é justo punir ministros que com coragem e independência cumpriram o seu papel. No Brasil, a ampla maioria da sociedade reconhece que houve uma tentativa de golpe e que é importante julgar seus responsáveis”, afirmou ainda o ministro.

VEJA TAMBÉM:

Barroso defende diálogo com EUA e relembra sua relação com o país

No final, Barroso disse que o pronunciamento “é um chamamento ao diálogo e à compreensão, pelo bem dos nossos países, de uma longa amizade e da justiça”, numa referência às relações entre Brasil e Estados Unidos.

No início do pronunciamento, Barroso falou em tom emocionado, contando de sua relação antiga com os EUA, relembrando que fez intercâmbio em Michigan quando adolescente “com uma adorável família de quem sou amigo até hoje, gente simples, tradicional, conservadora”.

Relatou que fez mestrado na Universidade de Yale, trabalhou em um escritório de advocacia em Washington, fez pós-doutorado na Universidade de Harvard e desde 2018 é colaborador acadêmico da Kennedy School, na mesma instituição.

“Faço essa breve descrição para deixar documentado que todos os meus sentimentos em relação ao país são bons: tenho ligações acadêmicas lá, tenho amigos queridos, admiro pessoas e instituições. Por isso estou fazendo esse pronunciamento”, disse.

Acrescentou que o objetivo seria não apenas reafirmar a importância da soberania do Judiciário em suas decisões no Brasil, mas também “para agregar alguns elementos de justiça, boa-fé e verdade que superem algumas narrativas que não correspondem aos fatos”.

O que Barroso omitiu em seu pronunciamento em defesa do STF

No pronunciamento, Barroso não mencionou diversos fatos que levantaram críticas à atuação no STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a liberdade de expressão e nos processos contra Bolsonaro e seus apoiadores.

Em outubro de 2022, a pretexto de combater a propaganda irregular de campanhas, o TSE proibiu previamente a veiculação, na internet, de um documentário da produtora Brasil Paralelo sobre o atentado a faca contra Bolsonaro em 2022.

Naquele mesmo ano, o TSE derrubou uma postagem da Gazeta do Povo sobre o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua.

Em 2022, o TSE ainda proibiu que a rádio Jovem Pan veiculasse que Lula mentia quando falava tinha sido “inocentado” na Lava Jato. Na época, vários comentaristas enfatizavam o fato de suas condenações terem sido anuladas sem análise sobre o mérito nas acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, ou seja, sua culpa.

Em um comunicado interno, a emissora recomendou a seus profissionais, na época, que evitassem usar expressões como “ex-presidiário”, “descondensado”, “ladrão”, “corrupto” e “chefe de organização criminosa”, para se referirem a Lula.

Nesta semana, o Ministério Público Federal em São Paulo pediu à Justiça o cancelamento das concessões de rádio da Jovem Pan, acusando-a de promover discursos que resultaram nas invasões do STF, do Congresso e do Palácio do Planalto. O argumento é que emissora, com isso, tenha contribuído para uma tentativa de golpe de Estado, na esteira do que tem decidido o STF nos processos criminais sobre o caso.

Desde 2019, nos inquéritos das “fake news”, dos “atos antidemocráticos” e no das “milícias digitais”, Alexandre de Moraes têm ordenado que as redes sociais bloqueiem perfis, e não apenas conteúdos específicos, como autoriza o Marco Civil da Internet.

Com isso, o ministro apaga não apenas manifestações supostamente ilícitas, mas também conteúdo legítimo postado no passado pelos usuários e também publicações futuras. Muitas decisões são sigilosas e boa parte das ordens enviadas às plataformas não traz consigo as fundamentações para a determinação.

Em geral, as decisões trazem textos repetidos e genéricos, apontando que as postagens têm conteúdo “antidemocrático”, atentatórios contra as instituições, etc.

Quanto ao processo contra Bolsonaro, Barroso não mencionou diversas críticas e contestações à condução do caso por Moraes. Nesse rol, destacam-se: a falta de competência do STF para julgar o caso, pela ausência de foro privilegiado; a falta de imparcialidade de Moraes; o acesso a dados massivos provas em tempo exíguo; além da falta de provas que liguem Bolsonaro diretamente ao 8 de Janeiro de 2023.



Source link

Leave a Reply

Translate »
Share via
Copy link