Crédito, Alejandro Ibarra
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- Author, Diana Massis
- Role, BBCMundo
Não se perde apenas a pessoa amada.
Perdem-se a rotina, os lugares, parte dos amigos, a família por afinidade; perde-se a linguagem, o jeito de falar, a forma de chamar quem amamos, o tom de voz, os olhares, as carícias, o cheiro. Perdem-se as projeções, os planos, o futuro.
Os rastros de uma ruptura amorosa são esses e muitos outros, dependendo de cada história.
Alberto Villarreal (Monterrey, 1994) compartilha a sua com J. de maneira tão honesta que nos leva a revisitar as próprias e a tentar responder às perguntas que faz no ensaio “Nada nunca termina, pero hay que decir adiós”: o que realmente nos dói quando alguém nos deixa? O desamor faz sentido? Existe beleza na ruptura?
“Os dias passaram e eu tive coragem de apagar uma dúzia de fotos da minha galeria, jogar fora o perfume que ele deixou no meu quarto, queimar os orçamentos dos apartamentos. Aprendi a agir para que o algoritmo que tudo sabe não descobrisse que ele me interessava. Perdi o anel que ele me deu, aquele que pendurava no meu pescoço. Aprendi a cortar o caminho da minha vida”, escreve.
Villarreal é promotor de leitura em seu canal no YouTube “Abriendo Libros” (Abrindo Livros); e, como autor, as relações românticas atravessam seus poemários “Todo lo que fuimos” (Tudo o que fomos) e “Todo lo que dejas cuando te vas” (Tudo o que deixas quando vais embora), assim como os romances “Ocho lugares que me recuerdan a ti” (Oito lugares que me lembram de você) e “Todo lo que no me deja olvidarte” (Tudo o que não me deixa te esquecer).
“O amor eu sinto de uma forma mais intensa do que qualquer outra emoção, é a minha fraqueza. Então, eu me exponho para que o outro me veja, me queira, e para que possamos nos encontrar nessa reciprocidade”, afirma.
Por isso, não deixa de analisá-lo; por isso, para muitos de seus seguidores, tornou-se algo como um conselheiro — metade cupido, metade curador.
A BBC Mundo, serviço da BBC em espanhol, conversou com Alberto Villarreal no contexto do HAY Festival Querétaro, um festival literário internacional que reúne escritores, pensadores e artistas, realizado entre os dias 4 e 7 de setembro na cidade mexicana Querétaro.
Crédito, Cortesía Editorial Planeta
Você tem uma citação em um livro que diz: “O apaixonado é um histérico e quem ama recuperou a compostura.” Como você descreveria o processo de passar do enamoramento para o amor?
Gosto de dizer que é preciso um pouco de mentira para que o enamoramento nasça; soa como uma palavra feia, mas se refere às ilusões, às fantasias que vamos criando na nossa cabeça para que exista um terreno fértil onde a relação possa crescer.
Nos primeiros encontros com J., o cenário parecia promissor: o restaurante já havia fechado, estavam limpando as mesas e praticamente nos expulsando, mas nós continuávamos ali porque queríamos passar a vida juntos.
Depois vem a fase de conhecer o outro, suas fragilidades, as coisas que nos incomodam ou que podem trazer problemas — e então é preciso tomar uma decisão consciente.
Felizmente, é na etapa da ‘paixão’ que se constroem as bases para sustentar a desilusão quando a venda cai dos olhos, para que, quando nos sentimos um pouco perdidos, saibamos onde reencontrar aquilo que nos conectou no início.
Para mim, a história amorosa é feita de enamoramento e amor; além disso certamente existem outras complexidades, mas como minhas relações foram bastante breves, ainda não cheguei a descobri-las.
Mesmo conscientes da venda, seguimos acreditando no amor romântico, até mesmo para a vida toda. Não é um pouco ilusório da parte da humanidade?
Acho lindíssimo que, apesar das decepções amorosas, continuemos acreditando como da primeira vez — porque isso nos injeta felicidade.
Acreditar que as coisas não têm sentido me tira o peso das pressões. Eu busco a transcendência, não tenho passos a seguir; simplesmente vou navegando, e esses momentos são como um raio de luz: voltam a nos marcar o caminho, a nos centrar, a nos fazer olhar para dentro, porque quando conhecemos outra pessoa, também nos reconhecemos de novo.
Não sinto que o amor seja para sempre e, apesar disso, gosto de estar nas relações. A tragédia também é como uma carícia, porque permite sentir e se reconectar consigo mesmo e com os outros. Embora seja difícil enxergar o lado positivo das rupturas, existem coisas boas que vêm com o amor — e também com o desamor.
Crédito, Getty Images
Você conta que, na sua relação com J., se sentia amado e não amado ao mesmo tempo. Por que o amor nos mergulha nesses estados de confusão?
Às vezes está claro o que o outro quer, mas em outras não tanto — e então você não sabe bem onde está pisando.
O amor pode se manifestar de muitas formas. Talvez a gente queira que ele apareça de um certo jeito e isso não acontece, ou não se percebe porque simplesmente não foi comunicado — mas o amor continua lá.
É uma questão de percepção: às vezes esperamos que o outro leia nossa mente e faça exatamente o que desejamos, como se tivesse a obrigação de nos compreender sem precisar falar. Também pode ser que conversemos, mas o idioma esteja quebrado: o que eu digo não é o que você entende.
Sou uma pessoa estruturada, tenho listas de verificação em que vou marcando o que está se cumprindo. Se algo muda, fico em alerta, como se despertasse de um sonho para analisar se alguma coisa deu errado, se o amor ainda existe, se as coisas estão esfriando.
É difícil chegar a um ponto em que todos se entendem. Por isso acho que, em alguns momentos, eu não me sentia amado.
Crédito, Luis De La Luz
Por que você diz que quando amamos estamos sempre mutilados?
Isso nasce do que escuto. Nos primeiros encontros a gente fala algo bom, mas também algo ruim; mesmo nas fases em que tudo parece maravilhoso e estamos cheios de ilusões, sempre há algo que queremos mudar no outro — por isso a mutilação.
As redes sociais influenciam nisso: a vida perfeita parece estar lá fora. Ouço meus amigos e eles têm uma lista interminável de requisitos; sempre existe algo a arrancar. Há batalhas que precisam ser travadas, outras é melhor dar por perdidas, e aí pagamos o preço de estar juntos: aceitar certas coisas, como talvez ele nunca lavar a louça.
Mas também é verdade que, ao conhecer o outro e nos conhecermos através dele, há coisas que se constroem, sementes que se plantam e que fazem nascer algo novo.
Tenho dificuldade em falar em grupo — não sou tímido, mas prefiro ficar calado. Na minha última relação aprendi que precisava falar mais, porque no fundo eu gosto disso. Havia uma barreira que me impedia de ser quem eu sou no começo das conversas, e foi algo que consegui superar.
Mas sim, eu o olhava e queria mudar coisas, e certamente ele também me olhava querendo mudar outras. Apesar de amarmos, sempre vamos querer arrancar e, ao mesmo tempo, construir.
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Há um momento em que você sente que a relação não vai continuar porque não podia ser mostrada publicamente. É preciso uma validação?
Está ligado às dúvidas e aos medos.
Quando a relação é homoafetiva, surgem outros probleminhas. Talvez a família aceite, talvez não. Meu ex era uma pessoa pública, e isso também se cruza no caminho: como as pessoas vão reagir?
Acho que esperamos que o outro faça o mesmo que nós, que haja reciprocidade.
Para mim, não era um problema tornar a relação pública, porque eu sentia que o amava; então pensava: “bom, se ele não faz, é porque não me ama, algo está faltando”. Isso gerava dúvidas e se conectava ao sentimento de não ser amado. Não sei se estava pedindo demais ou não.
Acredito que ter uma relação pública é algo essencial, mas pode ser diferente para a outra pessoa, e às vezes não conseguimos encontrar esse ponto médio.
Depois, queremos achar um culpado, porque sentimos que precisamos saber quem foi que fez a relação fracassar — o segredo, a exigência, ou um pouco de ambos? Ou talvez simplesmente estivéssemos em lugares diferentes, que é o mais saudável, mas não é tão claro, e às vezes a clareza nos ajuda a ir embora com um pouco mais de calma.
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Você diz que perder alguém por uma ruptura é como perdê-lo diante da morte. Podemos falar sobre esse luto?
A pessoa que me amava e que fazia coisas porque me amava já não existe; isso é algo próximo da morte. Pelo menos eu vivi assim.
Para mim foi difícil. Sentia que tudo estava indo bem e foi uma surpresa perceber que não. Eu estava confuso, porque mesmo depois do término ele dizia que me amava, e para mim não fazia sentido o “te amo, mas vou embora”.
Às vezes o amor não é suficiente e é preciso algo mais, mas eu teria preferido que ele me dissesse que não me amava mais, que me bloqueasse, que parasse de me seguir nas redes sociais, porque isso deixaria claro o que ele sentia.
Mas também é verdade que há certa beleza nas coisas que morrem. Nos apegamos a não perder o que foi criado, e isso traz frustração, porque não podemos conservar; então precisamos nos apegar a essa beleza para deixar ir a linguagem que se formou, os lugares que compartilhamos, tudo o que foi construído.
Além da dor de perder o outro, soma-se uma maior: a de nos perdermos. Seria o luto pelo que éramos naquele amor?
É mais doloroso porque convivemos com isso por mais tempo.
A relação acabou, mas você vive pequenas despedidas. Tive que me reacomodar em muitos aspectos, desde o geográfico — eu estava vivendo entre Monterrey e Cidade do México — e sentia que haviam me roubado a Cidade do México, as memórias, o que eu havia construído lá; os restaurantes que ele me apresentou já não me pertencem, no divórcio ficam com ele, perdi aqueles tacos que eu adorava… Você vai perdendo a memória de certos caminhos.
Você não se despede apenas dele, mas também da família, dos animais de estimação e dos amigos. É preciso reconstruir depois de um terremoto, levantar-se do zero e se reencontrar. Isso é mais doloroso do que perder o outro: é ter que recuperar a si mesmo.
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E por que o título ‘Nada nunca termina’?
O amor permanece de outra forma.
J. vem à minha cabeça; neste exato momento estamos falando dele, mesmo que já tenham se passado dois anos e meio. Ele continua voltando a mim, com menos dor, e acho bonita a tragédia de que as pessoas que amamos na vida permanecem conosco de alguma maneira.
Às vezes queremos que as coisas terminem, mas isso não é real: a lembrança vai voltar, continuará sendo comentada. Eu escrevi um livro sobre isso.
É preciso fazer as pazes com o quanto podemos ser contraditórios e entender que talvez seja bom abraçar esse fantasma, sem nos frustrarmos por não conseguir esquecer. Nada nunca termina, mas precisamos fazer a nossa parte: não ficar melancólico, e sim compreender a lembrança pelo que ela é — algo que nos visita de vez em quando.