Crédito, Reprodução redes sociais
As redes sociais de grupos da direita brasileira estão agitadas, com diversas postagens fazendo referência aos protestos no Nepal e expressando o desejo de que revolta similar aconteça no Brasil, contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que conclui nesta semana o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus no caso da tentativa de golpe de Estado.
O ministro Flávio Dino protocolou representação junto à Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira (10/9) pedindo investigações sobre postagens nas redes sociais incentivando ataques letais aos ministros e seus familiares, além da destruição da sede do STF.
“Entre os traços que chamam atenção, há uma constante alusão a eventos ocorridos no ‘Nepal”, o que parece sugerir uma ação concertada com caráter de incitação”, afirma Dino, na representação encaminhada à PF.
O primeiro-ministro do Nepal, KP Sharma Oli, renunciou na terça-feira (9/9), após a intensificação de uma onda de protestos liderada por jovens, motivados por uma proibição governamental de uso de redes sociais, corrupção generalizada e poucas oportunidades econômicas. Ao menos 30 pessoas já morreram em meio aos distúrbios.
Um levantamento da plataforma de escuta social Palver, que monitora cerca de 100 mil grupos públicos no WhatsApp, mostra que o tema foi mencionado pela primeira vez nos grupos públicos brasileiros no domingo, 7 de Setembro, com as citações chegando ao auge nesta quarta-feira (10/9).
As citações ao Nepal eram apenas 7 a cada 100 mil mensagens na segunda-feira (8/9), subiram a 314 a cada 100 mil mensagens na terça (9/9) e a 344 a cada 100 mil nesta quarta, enquanto o ministro Luiz Fux apresenta seu voto no STF.
Terceiro a votar no julgamento, Fux divergiu de Alexandre de Moraes e Flávio Dino, ao pedir anulação do processo por falta de competência do STF para julgar e indicar a absolvição dos réus pelo crime de organização criminosa, posições que foram celebradas por apoiadores de Bolsonaro nas redes.
Para efeito de comparação, a média histórica de menções a “Bolsonaro” costuma ser de 300 a cada 100 mil mensagens, e a “Lula”, de 600 a 700 a cada 100 mil.
“O principal elemento que observamos nos mais de 100 mil grupos públicos que analisamos em tempo real, é a tentativa de comparação entre elementos do Nepal e do Brasil”, diz Luis Fakhouri, co-fundador da Palver.
“Nos grupos de direita, principalmente, a gente encontrou muitos vídeos, muitas imagens fazendo comparações. Falando: ‘No Nepal, é um governo comunista, no Brasil é um governo comunista’. ‘No Nepal, eles tentaram silenciar a população, aqui no Brasil eles tentam silenciar a população’. ‘No Nepal, um ditador tirou a liberdade de expressão do povo. No Brasil, temos um ministro ditador'”, exemplifica o especialista em escuta social.
Crédito, Palver
Crédito, Palver
Segundo o diretor da Palver, as mensagens tentam criar uma atmosfera para que as pessoas no Brasil tomem as ruas e criem “um caos parecido com o observando no Nepal”.
“São diversas mensagens nesse tom, de que ‘essa é a única forma de combater um governo ditador. Com violência. Não tem como combater com fala. A gente precisa reproduzir a mesma coisa que o Nepal fez lá aqui”, diz Fakhouri, citando as mensagens dos grupos públicos de WhatsApp.
Flávio Dino pede investigação à PF
Na representação encaminhada à PF, o ministro Flávio Dino citou ameaças feitas contra ele nas redes sociais, após seu voto no julgamento de Bolsonaro e demais réus na terça-feira (9/9).
“Imediatamente após o voto que proferi, no regular cumprimento da função pública que exerço, passei a ser destinatário de graves ameaças contra a minha vida e integridade física, veiculadas via internet”, escreve Dino no documento.
Na representação, ele inclui diversos exemplos dessas postagens, em sua maioria com referências aos distúrbios no Nepal e afirma ver indicadores de coação no curso de processo, entre outros possíveis crimes.
“Lembro que tais fatos, além da relevância em si, podem deflagrar outros eventos violentos contra pessoas e o patrimônio público. Como sabemos, há indivíduos que são conduzidos por postagens e discursos distorcidos sobre processos judiciais, acarretando atos delituosos – a exemplo de ataques ao edifício-sede do STF, inclusive com uso de bombas”, afirma o ministro.
Crédito, AFP
Mais cedo, o PT acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) por postagens citando o Nepal, que, segundo o partido, buscariam “estabelecer um paralelo entre as mobilizações populares que ocorrem no momento na República Democrática Federal do Nepal e a conjuntura política brasileira”.
De acordo com o PT, no pedido de investigação feito à PGR, as postagens de Nikolas e Gayer “configuram clara tentativa de insuflar nova ruptura democrática e incentivar atos de desobediência civil com potencial de resultar em violência política, caos institucional e graves violações de direitos humanos”.
O pedido foi assinado pelo deputado Reimont (PT-RJ), presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados.
Em postagem no X (antigo Twitter), Nikolas Ferreira publicou um vídeo sobre os protestos do Nepal, com o comentário “O povo do Nepal cansou…”
Em outras postagem sobre os protestos no país asiático, Nikolas comentou “Menos um regime comunista no mundo. Amém”, acompanhado de um vídeo que mostra um homem arrancando a bandeira do Nepal de um mastro.
Crédito, Reprodução/X
Já Gayer retuitou uma postagem da conta @TumultoBR com um vídeo sobre o Nepal e a mensagem “Quando a população se levanta, nada fica em pé, absolutamente nada. O Nepal está dando uma demonstração de que tudo tem limite.”
Crédito, Reprodução/X
A BBC News Brasil procurou a assessoria de imprensa de Nikolas Ferreira, mas não obteve um posicionamento até a publicação deste texto.
A reportagem também tentou contato com a equipe de Gustavo Gayer através de seu gabinete, sem sucesso.