O guia para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional


Um caminho para a saúde mental

Nos últimos anos, um termo ganhou força nas redes sociais, fóruns de discussão e manchetes de jornais ao redor do mundo: quiet quitting. Traduzido livremente como “demissão silenciosa”, o conceito não envolve, na prática, deixar o emprego, mas sim uma mudança de atitude em relação ao trabalho. Trata-se de uma decisão consciente de cumprir apenas as tarefas pelas quais a pessoa é paga, sem se envolver além do necessário, evitando horas extras não remuneradas ou responsabilidades que não estão no escopo do cargo.

Embora muitas empresas vejam esse comportamento como falta de engajamento ou desmotivação, o quiet quitting é, para muitos trabalhadores, uma tentativa legítima de restaurar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal — algo que se tornou urgente diante de crescentes casos de burnout, ansiedade e depressão relacionados ao trabalho.

A cultura do excesso e seus efeitos

Durante décadas, o ideal do “funcionário modelo” esteve diretamente associado à disponibilidade total, à proatividade constante e à disposição para “vestir a camisa da empresa”, mesmo que isso significasse abrir mão de finais de semana, vida social, horas de sono ou tempo com a família. Trabalhar até tarde virou sinônimo de ambição. Atender e-mails no domingo passou a ser sinal de comprometimento.

Mas esse modelo começou a ruir. A pandemia de COVID-19 acelerou o desgaste psicológico generalizado. O home office revelou como é tênue a linha entre o que é trabalho e o que é vida pessoal. De repente, as pessoas perceberam que estavam “vivendo para trabalhar”, não “trabalhando para viver”.

O quiet quitting surge, nesse contexto, como uma reação a essa cultura de excesso. Um grito silencioso — porém claro — de que é preciso colocar limites. E esses limites têm muito a ver com saúde mental.

O que realmente é o quiet quitting?

É importante entender que o quiet quitting não é sinônimo de preguiça, rebeldia ou sabotagem. Trata-se, essencialmente, de:

● Realizar com qualidade o trabalho para o qual foi contratado;

● Recusar tarefas que extrapolam o escopo do cargo sem compensação adequada;

● Priorizar a saúde mental e o tempo livre;

● Evitar a cultura da superprodução sem reconhecimento;

● Rejeitar a ideia de que o valor de uma pessoa está atrelado ao quanto ela se sacrifica pelo trabalho.

Nesse sentido, o quiet quitting não deve ser visto como uma ameaça, mas como um pedido de respeito. Um pedido por relações de trabalho mais humanas, saudáveis e sustentáveis.

O equilíbrio como ato de coragem

Buscar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal exige coragem. Em um mundo em que o sucesso ainda é frequentemente medido por cargos, salários e jornadas extenuantes, dizer “não” ao excesso pode parecer arriscado. Mas é também um passo essencial para proteger o que mais importa: a saúde mental.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu o burnout como uma síndrome ocupacional. Milhões de pessoas vivem sob pressão constante, com sintomas que incluem esgotamento físico e emocional, falta de motivação, irritabilidade e perda de sentido. Não por acaso, crescem os afastamentos do trabalho por causas emocionais.

Quando alguém adota uma postura de quiet quitting, está tentando romper esse ciclo. Está dizendo: “Meu bem-estar vale tanto quanto meu salário. Minha vida fora do trabalho também importa.”

Empresas precisam ouvir este sinal

Para que o quiet quitting não seja apenas uma resistência silenciosa, mas um catalisador de mudanças reais, as empresas precisam escutar o que ele está tentando dizer.

Isso significa repensar práticas antigas. Significa investir em cultura organizacional saudável, comunicação transparente, metas realistas e valorização do colaborador para além de sua produtividade. Significa aceitar que alguém pode ser excelente no que faz sem precisar estar disponível 24 horas por dia.

Funcionários mais equilibrados emocionalmente são mais criativos, colaborativos e duradouros. Promover esse equilíbrio é não apenas um ato de empatia, mas uma estratégia inteligente.

Caminhos para um equilíbrio real

Algumas atitudes práticas que podem ajudar no processo de reconquistar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal incluem:

● Estabelecer horários claros para começar e terminar o trabalho;

● Desligar notificações fora do expediente;

● Aprender a dizer “não” de maneira assertiva;

● Priorizar atividades que recarregam a energia: lazer, convivência, exercícios, descanso;

● Buscar ambientes de trabalho que respeitem limites e promovam bem-estar;

● Reconhecer os próprios sinais de exaustão e procurar ajuda, se necessário.

O quiet quitting não é sobre fazer menos. É sobre fazer com consciência, com saúde, com limites. É sobre não permitir que o trabalho tome conta de todos os aspectos da vida. É um lembrete de que as pessoas não são apenas engrenagens produtivas — são seres humanos, com necessidades, sentimentos e vidas que vão além do escritório.

E talvez o maior ensinamento dessa tendência seja justamente esse: não se trata de se demitir do trabalho, mas de se recontratar consigo mesmo.

Recontratar o tempo. Recontratar a paz. Recontratar a própria vida.

(*) Cristiane Lang, psicóloga clínica especializada em Oncologia

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.



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