A bancada da oposição no Senado vai intensificar a atuação para tentar incluir a possibilidade do voto impresso, também chamado de voto auditável, na discussão sobre o Código Eleitoral, projeto que visa unificar toda a legislação sobre as eleições no Brasil. De autoria do senador Esperidião Amin (PP-SC), a proposta de emenda ao texto propõe que a urna eletrônica deverá “imprimir o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado”.
Ainda segundo a proposta, “o processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”. Na justificativa, Amin argumenta que a emenda tem o objetivo de “atender aos anseios de expressiva parcela da população brasileira de se conferir transparência e confiabilidade ao processo de votação”.
A proposta, no entanto, enfrenta resistência para discussão entre líderes do Centrão, incluindo o relator da proposta, senador Marcelo Castro (MDB-PI). O emedebista não acatou a emenda de Amin, que conta com apoio de outros parlamentares da oposição, na última versão do seu relatório, apresentado na última quarta-feira (11).
Sem acordo com a versão final apresentada, os líderes da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) fecharam um acordo para que a votação do relatório do Código Eleitoral aconteça na primeira semana de julho. Além da inclusão do voto impresso, outras 248 emendas foram sugeridas ao relator.
Esperidião Amin explicou que ele e outros senadores trabalham para que Marcelo Castro inclua a possibilidade de voto impresso na nova versão do relatório, previsto para ser votado em 9 de julho. Caso contrário, a bancada da oposição vai apresentar um destaque para que os senadores do colegiado decidam no voto a questão.
“Vamos continuar nessa articulação até 2 de julho, que é o prazo final para apresentação de emendas ao relator. Mas temos também a opção do pedido de destaque, que já está pronto, para pedirmos a votação em separado”, explicou Amin à Gazeta do Povo.
O destaque é um mecanismo regimental que permite que trechos específicos de um projeto sejam votados separadamente do texto principal ou que se proponha uma redação alternativa para esses trechos. Para ser aprovado, o pedido precisa receber pelo 14 menos dos 27 votos dos titulares da CCJ do Senado, por exemplo.
VEJA TAMBÉM:
Testes das urnas eletrônicas contaram com voto impresso
Historicamente, a urna eletrônica foi introduzida ao sistema eleitoral brasileiro em 1996, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez os primeiros testes. “Ela nasceu com voto auditável, que foi suprimido por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou o texto da emenda [propiciaria] a quebra do sigilo do voto”, argumentou Amin durante audiência da CCJ.
Os testes do novo modelo se estenderam até 1998 e, a partir da disputa municipal de 2000, a Justiça Eleitoral passou a utilizar apenas o sistema eletrônica de forma nacional, deixando para trás o voto nas cédulas de papel.
“Por mais maduro que sejam os softwares, eles sempre possuirão possíveis vulnerabilidades e necessidade de aperfeiçoamento. Um software não basta ser seguro, precisa parecer seguro e transparente para o cidadão comum, sem conhecimentos tecnológicos”, explicou o senador.
Passados 25 anos desde a implementação nacional da urna eletrônica, o parlamentar afirma que a inclusão do voto impresso na discussão do Código Eleitora é uma forma de ampliar a segurança e a confiança no sistema eletrônico.
“Um meio físico de auditar a segurança deste brilhante projeto nacional – que são os softwares do sistema eleitoral brasileiro – consiste em um fator que trará mais confiança da população neste processo e servirá como um meio mais seguro de auditoria do processo eletrônico de votação”, completou Amin.
Na última semana, o senador da oposição defendeu a adoção do voto auditável como forma de garantir mais transparência no processo eleitoral durante depoimento ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O parlamentar depôs como testemunha de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na ação penal que julga suposta tentativa de golpe de Estado.
“A Polícia Federal apresentou ao TSE, em 2 de outubro de 2018, um trabalho solicitado pelo TSE – e eu não vou puxar todo, mas tinha 14 recomendações. A recomendação nº 14, a última – é a última das recomendações -, recomenda o seguinte: ‘Que sejam envidados todos os esforços para que possa existir o voto impresso para fins de auditoria’. Ou seja, todos os esforços para que possa existir o voto impresso para fins de auditoria”, defendeu Amin durante audiência da CCJ.
Centrão resiste em incluir tema no novo Código Eleitoral
Com o adiamento da votação do relatório do Código Eleitoral, outros integrantes da oposição passaram a se mobilizar para tentar incluir o trecho do voto impresso no projeto.
“Qual é o problema que o voto impresso vai causar? Vai custar apenas alguns recursos a mais para comprar bobinas e papel para reproduzir e para imprimir o voto, mas esse voto impresso ficará lá dentro da urna. Então, não tem por que se colocar contra o voto impresso dessa natureza”, defendeu o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR).
Na mesma linha, o senador Magno Malta (PL-ES) argumenta que o modelo serviria para uma recontagem dos votos em caso de dúvidas sobre os resultados apurados no sistema eletrônico.
“Defendo que cada voto tenha existência física, palpável, que possa ser guardado e recontado, se necessário. Que a apuração aconteça com fiscais de partidos e cidadãos sorteados, acompanhando cada voto lido em voz alta; que todo brasileiro possa entender como seu voto é contado, sem precisar ser especialista em informática”, explicou.
O pleito da oposição, no entanto, não ganhou apoio, até o momento, entre líderes de partidos do Centrão. Em 2020, o STF chegou a declarar inconstitucional um modelo de voto impresso, por colocar em risco o sigilo e a liberdade do voto.
Na ocasião, a Corte rejeitou uma proposta que o Congresso havia aprovado prevendo a impressão da cédula após o registro do sufrágio na urna eletrônica. Nesse modelo, o eleitor sairia da seção eleitoral portando a cédula com o comprovante do seu voto.
“A proposta que o STF rejeitou anos atrás era aquela em que a urna imprimia o voto e a pessoa saía com o comprovante de votação na mão. Foi declarada inconstitucional porque essa prática poderia levar à quebra do sigilo do voto. Isso é especialmente preocupante em locais onde há maior vulnerabilidade das pessoas por conta da compra de votos. Não podemos fechar os olhos ao fato de que a compra de votos ainda é uma prática comum nas eleições brasileiras, sobretudo em cidades menores, em bairros mais afastados e mais humildes”, afirmou Roosevelt Arraes, especialista em Direito Eleitoral e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Para Arraes, no entanto, o julgamento do STF não inviabilizou o modelo que mantém o voto impresso para possíveis conferências dos resultados por parte da Justiça Eleitoral.
“O que não foi discutido pelo STF, e que no meu entender está em aberto, é a questão de deixar o voto impresso dentro da própria seção eleitoral, numa urna lacrada, para depois conferir com o resultado da urna eletrônica. Isso não foi analisado pelo STF. Então, não haveria impedimento de uma discussão nesse sentido”, completou o especialista.
Bolsonaro aponta “medo” do Congresso em discutir o sistema eleitoral
O tema sobre o voto impresso também voltou a ser discutido nesta semana por Jair Bolsonaro durante audiência no STF. O ex-presidente tratou da questão durante seu interrogatório no caso envolvendo a suposta tentativa de golpe de Estado.
“Eu batalhei muito na Câmara pelo voto impresso. Consegui aprová-lo em 2015 para 16. A senhora Dilma vetou”, afirmou. Bolsonaro foi dos articuladores da proposta que posteriormente foi declarada inconstitucional pelo STF.
Ainda durante o seu depoimento, Bolsonaro afirmou que a questão da desconfiança nas urnas eletrônicas não é algo exclusivo dele. “Flávio Dino, em 2010, quando perdeu a eleição no governo do Maranhão, disse: ‘Hoje, fui vítima de um processo que precisa ser aprimorado’. [Perguntaram:] ‘O senhor acredita que houve fraude?’ ‘Houve várias fraudes.’ Palavras do senhor Flávio Dino”, afirmou o ex-presidente.
Para Bolsonaro, o ambiente do Legislativo hoje é “hostil a manifestações públicas sobre o sistema eleitoral”. “Quando se busca uma assinatura para uma PEC do voto impresso, o parlamentar tem medo de assinar a PEC”, afirmou.
Em dezembro de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) aprovou um proposta que estabelece o voto auditável e permite que os partidos políticos possam pedir a recontagem dos votos em até 48 horas após a divulgação do resultado dos pleitos. Essa proposta, no entanto, ainda aguarda a instalação de uma comissão especial por parte do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Em 2021, a Câmara rejeitou uma PEC que determinava a impressão de “cédulas físicas conferíveis pelo eleitor” independentemente do meio empregado para o registro dos votos em eleições, plebiscitos e referendos. Apesar da movimentação de Bolsonaro e de seus aliados no Congresso, o analista eleitoral Roosevelt Arraes avalia que não existe um apetite da maioria dos parlamentares para tratar sobre o voto auditável no texto do Código Eleitoral.
“O texto já vinha sendo discutido há anos. A oposição poderia ter trazido essa discussão anteriormente, quando o código estava sendo concebido, aprofundado esse debate, mas não o fez. Então, agora, colocar uma emenda, simplesmente não vai passar”, opinou.