Crédito, ANDRE BORGES/EPA-EFE/REX/Shutterstock
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- Author, Mariana Alvim, Rute Pina, Leandro Prazeres e Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo e Brasília
Ao longo do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), especialistas em direito já haviam calculado que, se ele fosse condenado por todos os cinco crimes do quais foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), sua pena mínima possível seria de cerca de 12 anos e a máxima, de aproximadamente 40 anos.
Nesta quinta-feira (11/09), a Primeira Turma do STF decidiu: Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão, em regime inicial fechado.
Entrevistados pela BBC News Brasil consideraram a pena dentro do esperado, considerando por exemplo o papel de liderança de Bolsonaro nos crimes julgados pelo STF — organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
“As penas foram compatíveis com o que se esperava, tanto considerando os crimes que eram imputados quanto comparando com as pessoas que efetivamente foram nas manifestações do 8 de janeiro. Foram penas mais elevadas, dado que esses réus lideraram efetivamente, coordenaram aquelas pessoas”, diz Wallace Corbo, professor de Direito na Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, referindo-se às pessoas condenadas por participar de ataques e invasões à Praça dos Três Poderes em Brasília em 2023.
O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) Marcelo Semer e o professor de Direito processual penal João Pedro Pádua, da Universidade Federal Fluminense (UFF), destacam que o ex-presidente foi condenado por todos os cinco crimes aos quais respondia.
“Não houve excesso. Ela [a pena] poderia chegar a 43 anos. E as pessoas sem poder de mando receberam até 17 anos”, afirmou Semer. “São vários crimes.”
“A gente está falando de um máximo de pena de 40 anos. O líder Jair Bolsonaro ficou em torno de 27 anos, o que é cerca de dois terços da pena máxima. É uma pena razoável, mais ou menos o esperado”, acrescenta Pádua.
Taiguara Libano, professor de Direito penal do Ibmec no Rio de Janeiro, avalia que, mesmo dentro do esperado, trata-se de uma pena alta.
“O entendimento dominante na jurisprudência é fixar a pena no mínimo legal, com a pena podendo ser majorada quando há algum fundamento que justifique o acréscimo. Possivelmente, o que pode ter pesado em desfavor do ex-presidente e dos outros réus é a circunstância judicial da culpabilidade. A Primeira Turma pode ter considerado que a gravidade foi extremada, o que justificaria um acréscimo”, aponta Libano.
Crédito, Fellipe Sampaio/STF
Para Libano, esse tipo de evidência pode justificar um “altíssimo grau de reprovação das condutas” dos condenados por parte do STF.
“Espera-se do chefe do Poder Executivo um comportamento de acordo com a lei, com a Constituição. A responsabilidade de um chefe do Poder Executivo é maior do que de um cidadão comum. Então, o Supremo deve ter levado isto em consideração ao fixar as penas”, diz o professor, destacando que não ainda não é possível ter acesso à íntegra do acórdão de julgamento.
As penas determinadas pelo STF foram:
- Alexandre Ramagem: 16 anos, 1 mês e 15 dias de privação de liberdade em regime inicial fechado e 50 dias-multa
- Almir Garnier: 24 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 100 dias-multa
- Anderson Torres: 24 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 100 dias-multa
- Augusto Heleno: 21 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 84 dias-multa
- Jair Bolsonaro: 27 anos e 3 meses de privação de liberdade em regime inicial fechado e 124 dias-multa
- Mauro Cid: 2 anos de reclusão em regime aberto
- Paulo Sérgio Nogueira: 19 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 84 dias-multa
- Walter Braga Netto: 26 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 100 dias-multa
Para Taiguara Libano, a pena de 2 anos em regime aberto para Mauro Cid demonstra que a maioria da Primeira Turma do STF ratificou seu acordo de delação.
“O acordo previa uma redução importante da pena. O Supremo entendeu que o acordo foi válido, foi relevante para identificar a autoria dos demais réus nessa ação penal. Então, o acordo de colaboração foi validado e os benefícios previstos no acordo foram cumpridos”, diz o professor do Ibmec-RJ.
Para o desembargador Marcelo Semer, a pena para Cid foi baixa.
“Mas eles [ministros do STF] acharam por bem manter o acordo. E isso gera um grande estímulo à delação, principalmente nos outros núcleos”, destaca o jurista.
E como fica a situação de Bolsonaro?
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Os especialistas também explicaram que, para haver prisão, é preciso haver o trânsito em julgado — quando não há mais a possibilidade de recursos e a decisão se torna definitiva.
E para haver trânsito em julgado, é preciso que eventuais recursos possam ser apresentados, o que pode acontecer assim que for publicado o acórdão, um documento registrando a decisão colegiada.
Como a ação penal já começou sendo avaliada no STF — e não na primeira instância, como processos comuns —, os recursos disponíveis são os embargos.
Os embargos de declaração, que podem ser apresentados seja qual for o placar, servem para esclarecer ambiguidade, omissão, ou contradição no acórdão.
Eles quase nuncam mudam o mérito, mas podem levar, por exemplo, a uma redução de pena.
Já os embargos infringentes têm o poder de mudar o resultado do julgamento.
A assessoria do STF diz que só é possível apresentar os embargos infringentes “se houver dois votos pela absolvição” — entretanto, os réus foram condenados na Primeira Turma com placar de 4 votos a 1.
Apenas Luiz Fux votou pela absolvição de Bolsonaro e mais cinco réus. Para Mauro Cid e Braga Netto, ele votou pela condenação apenas pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado de Direito.
Taiguara Libano afirma que pode até acontecer o pedido de “embargos dos embargos”, ou seja, um recurso contestando uma primeira avaliação dos embargos de declaração. Ele diz que isso é “improvável, mas possível” de acontecer, pois o STF pode avaliar que a intenção do segundo recurso é apenas protelar a decisão definitiva.
Libano estima que o trânsito em julgado, neste caso, ocorra em cerca um mês.
Marcelo Semer explica que um pedido por prisão domiciliar deve vir depois do trânsito em julgado e após os mandados de prisão serem expedidos.
Bolsonaro já está em prisão domiciliar desde o início de agosto — mas como medida cautelar imposta pelo ministro Alexandre de Moraes, que considerou que o ex-presidente descumpriu ordens de restrição anteriores.
O desembargador destaca que a prisão domiciliar depois da condenação é algo excepcional. Deve ser demonstrado que o réu não pode receber cuidados no local em que estiver preso.
Para João Pedro Pádua, da UFF, Bolsonaro deve conseguir cumprir a pena em prisão domiciliar devido a questões de saúde, seguindo o precedente do ex-presidente Fernando Collor
De todo modo, mesmo que o ex-presidente não tivesse questões de saúde — muitas delas consequências da facada que levou durante a eleição de 2018 —, Taiguara Libano explica que “certamente” Bolsonaro não teria que ficar 27 anos na cadeia.
Isso porque a Lei de Execução Penal prevê a flexibilização da pena, mediante decisão de um juiz.
Para crimes com emprego de violência ou grave ameaça — como golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado democrático, segundo Libano —, um preso pode ir do regime fechado para o semiaberto depois de cumprir 25% da pena, por exemplo.