Por que Alcolumbre não pauta o impeachment de Moraes


Após vencer resistências internas e reunir 41 assinaturas – número que representa a maioria do Senado – para abrir o processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a oposição esbarrou em obstáculo bem mais desafiador: a prerrogativa constitucional e exclusiva do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), em acatar ou não tais pedidos. O histórico é de negativas.

Sob pressão de senadores de nove partidos de direita e centro, incluindo o União Brasil – partido de Alcolumbre -, que até obstruíram fisicamente o plenário do Senado por dois dias na tentativa de garantir seu compromisso com a pauta, o presidente do Senado avisou que não acolherá a iniciativa de pronto, recorrendo ao artifício protelatório de condicionar a decisão à análise da assessoria jurídica, que sempre leva à gaveta.

Diante de dezenas de pedidos de impeachment nos últimos anos, políticos e analistas atribuem essa postura recorrente de Alcolumbre e seus antecessores, Eunício de Oliveira (MDB-CE) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao temor de retaliação pelo STF — onde tramitam processos contra parlamentares — e à proteção de interesses cruzados entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

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A aposta da oposição para que o caso de Moraes tenha desfecho distinto está no contexto excepcional, com pressão internacional vinda dos Estados Unidos, novas revelações sobre condutas reprováveis atribuídas ao ministro e uma articulação mais coesa entre forças de centro e direita, além da insatisfação popular, que se manifesta nas ruas em favor do impeachment.

Segundo o relato de líderes partidários que se reuniram com Alcolumbre na noite de quarta-feira (6), o presidente do Senado declarou a eles que não pautará o impeachment de Moraes nem se todos os 81 senadores, incluindo ele próprio, assinassem o requerimento. Ele ainda fez questão de sublinhar que a prerrogativa de pautar afastamento de juízes do STF é exclusiva dele.

Nesta sexta-feira (8), Alcolumbre afirmou que a demanda do impeachment de Moraes não é “questão meramente numérica, mas de avaliação jurídico-política“, que envolve “justa causa, prova, adequação legal e viabilidade”. Em outras palavras, sinalizou que recorrerá às negociações de bastidores e ao crivo de assessores para decidir sobre o pedido, minimizando sua recusa.

“Em respeito ao diálogo democrático e atenção à oposição, reafirmo que qualquer pedido será analisado com seriedade e responsabilidade”, disse ele ao g1. Contudo, em relação a todos os pedidos de impeachment já feitos, Alcolumbre e antecessores só frisaram o papel de fiadores de diálogo para evitar confronto institucional, sempre evocando a prerrogativa de poder recusar os pedidos.

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Demanda da oposição vem na esteira das sanções dos EUA contra Moraes

O Brasil atravessa intensa turbulência política desde julho, com o avanço no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (STF) no STF e a sua iminente condenação. A crise ganhou dimensão internacional após o presidente americano Donald Trump impor sanções comerciais ao país e ao ministro Alexandre de Moraes, justificadas como resposta a violações de direitos humanos e perseguição judicial e política.

O cenário culminou neste mês na prisão domiciliar de Bolsonaro, seguida de protestos de rua em diversas cidades e reações da oposição, que cobra uma resposta do Legislativo ao caos diplomático, político e judicial. Para isso, parlamentares da direita apresentaram o chamado “pacote da paz”, que inclui, além do impeachment de Moraes, fim do foro privilegiado e anistia aos réus do 8 de janeiro.

Alcolumbre condenou, desde o início, as sanções impostas pelos EUA a Alexandre de Moraes com base na Lei Magnitsky, afirmando que o Congresso “rejeita interferência externa nos Poderes da República”. Sem mencionar diretamente o magistrado, defendeu o Judiciário como “essencial à soberania nacional, que é inegociável”. Desde então, mantém resistência à pressão de senadores para pautar o pedido de impeachment.

A assessoria do presidente do Senado disse à Gazeta do Povo que ele não comentaria o alerta do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), de que Alcolumbre também corre risco ser alvo da Magnitsky, caso se recuse a pautar o impeachment de Moraes. Tal possibilidade foi renovada pelo jornalista Paulo Figueiredo. Já o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) sugeriu, na quinta-feira (7), que os senadores avaliem o afastamento de Alcolumbre, caso ignore o apoio da maioria à iniciativa.

Atualmente, Alcolumbre não responde à ação penal no STF, mas já foi alvo de investigações. Dois inquéritos que apuravam supostos crimes eleitorais na campanha de 2014 foram arquivados em 2019 pela ministra Rosa Weber, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), por falta de provas.

Em 2021, após notícia-crime do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), a PGR abriu investigação sobre suposta “rachadinha” no gabinete, mas a investigação se concentrou no ex-chefe de gabinete Paulo Boudens. O caso também já foi arquivado.

Senadores divergem sobre força da maioria perante negativa de Alcolumbre

O senador Esperidião Amin (PP-SC) celebrou o apoio público de 41 senadores ao pedido de impeachment de Moraes, o “que parecia impossível há pouco tempo”. Para ele, o número ainda precisa crescer para garantir margem de segurança diante de pressões governistas, mas os 41 já condicionariam a postura do presidente do Senado, hoje contrário à pauta.

“Teremos de continuar pressionando, valorizando o princípio democrático de ser maioria, e contando com um fator a mais nesta equação: o que se descobre sobre a atuação de Moraes, com os novos vazamentos de conversas com assessores, revela uma arbitrariedade que escandaliza o mundo. Os fatos trabalham a nosso favor”, afirmou.

Já o presidente do PP e colega de partido de Amin, senador Ciro Nogueira (PI), discorda. Para ele, não há possibilidade de avanço no Senado do pedido, justamente pela recusa declarada de Alcolumbre. Nogueira acrescenta que, além da barreira da presidência da Casa, não há no plenário os 54 votos necessários para cassar o ministro, o que anularia o esforço.

Ainda assim, líderes da oposição consideram que, caso o pedido seja aceito por Alcolumbre com o apoio mínimo de 41 senadores, o simples afastamento temporário de Moraes, por até seis meses, já representaria uma vitória, considerando os seus efeitos políticos e práticos sobre a sua atuação à frente de vários inquéritos e julgamentos polêmicos.

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Recusa de pedidos de impeachment no Senado se vale de anomalia jurídica

Parlamentares, juristas e especialistas em regimento legislativo denunciam há pelo menos seis anos violações à competência exclusiva do Senado de julgar e processar ministros do STF por crimes de responsabilidade. “Apesar de a Constituição e a lei (Lei do Impeachment (1.079/1950) respaldarem tal papel, na prática, o presidente da Casa costuma recorrer a pareceres técnicos que adentram o mérito das denúncias — o que a lei não permite”, observa o consultor legislativo Ismael Almeida.

Ele lembra que, com base nesses pareceres jurídicos, o comandante do Senado arquiva unilateralmente os pedidos, sem submeter essa decisão à Mesa ou ao plenário. “Isso concentra demais poder na figura do presidente, fere o princípio da colegialidade e prejudica a legitimidade das decisões”, diz. Almeida argumenta que é preciso revisar o rito, garantindo que a Mesa e depois o plenário exerçam plenamente suas funções.

O arquivamento individual de pedidos de impeachment pelo presidente do Senado pressupõe, segundo especialistas, que exista a chance de recurso, o que não está previsto no Regimento Interno da Casa para esses casos, criando um vácuo normativo.

Há um projeto de resolução pronto para ser votado (PRS 11/2019) que supre a falha com uma regra clara que assegure o exame colegiado das denúncias e a possibilidade de recurso. Mas os presidentes do Senado também têm impedido a votação dessa mudança.

Analistas divergem sobre condução de Alcolumbre no impasse com a oposição

Para Adriano Cerqueira, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a resistência de Alcolumbre ao impeachment de Moraes apresenta fissuras que podem levá-lo a ceder. “O presidente do Senado pode ser emparedado pela articulação dos partidos. Houve acordo de líderes, e esse bloco poderá impor agenda de pautas prioritárias nas duas Casas do Congresso, com destaque para o impeachment de Moraes”, afirma.

Ele avalia que a postura de Alcolumbre pode ser também estratégia para ampliar sua relevância nas negociações, dentro e fora do Parlamento. Nesse contexto, eventual avanço do “pacote da paz” na Câmara — especialmente o fim do foro privilegiado — tende a aumentar a pressão pelo impeachment.

Já o cientista político Leandro Gabiati, da consultoria Dominium, considera improvável que Alcolumbre ceda às pressões da oposição, amparado pelo poder de aceitar ou não esse tipo de pedido.

“Os três Poderes se alinharam solidamente em 8 de janeiro de 2023 para defender as instituições. Hoje, cassar um ministro do STF significaria, entre outros desdobramentos, dissolver esse acordo”, observa.

Para ele, as medidas adotadas pelos EUA contra Moraes e a economia brasileira têm efeito inverso ao esperado pela oposição: “Quanto maior a pressão sobre o STF ou Moraes, maior a tendência de os presidentes do Congresso se fecharem na defesa das instituições”.



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