A escalada de tensão entre a oposição, a base govenista no Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou novos contornos nesta semana, e deverá resultar em novos embates nos próximos dias. Nesta sexta-feira (8), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enviou à Corregedoria da Casa representações contra 14 deputados da oposição que ocuparam o plenário na terça (5) e na quarta (6) para pressioná-lo a pautar a anistia para os condenados pelo 8 de Janeiro de 2023.
Caberá ao órgão, formado por quatro deputados da Mesa Diretora, alinhados a Motta, apurar a conduta de cada um, e depois encaminhar os casos ao Conselho de Ética, órgão colegiado mais amplo, com 21 deputados, que decidirá sobre a abertura de processos disciplinares, que poderão resultar na suspensão do mandato por 6 meses.
Os deputados da oposição, denunciados por deputados governistas, são:
- Sóstenes Cavalcante (PL-RJ)
- Nikolas Ferreira (PL-MG)
- Zucco (PL-RS)
- Bia Kicis (PL-DF)
- Allan Garcês (PP-MA)
- Pr. Marco Feliciano (PL-SP)
- Domingos Sávio (PL-MG)
- Marcel Van Hatten (Novo-RS)
- Julia Zanatta (PL-SC)
- Marcos Pollon (PL-MS)
- Zé Trovão (PL-SC)
- Carlos Jordy (PL-RJ)
- Carol De Toni (PL-SC)
- Paulo Bilynskyi (PL-SP)
A deputada Camila Jara (PT-MS), suspeita de agredir Nikolas Ferreira (PL-MG), também deve ser investigada, mas a representação contra ela ainda não foi encaminhada à Corregedoria.
“Vamos aguardar os processos chegarem no conselho para ver o tamanho da bronca de cada um”, disse à Gazeta do Povo o deputado Fábio Schiochet (União-SC), presidente do Conselho de Ética.
Líderes da oposição encerraram a obstrução anunciando que convenceram líderes partidários dos maiores partidos a apoiar a anistia. Hugo Motta, no entanto, reafirmou que não há compromisso em pautar a proposta, que desagrada o STF.
Ligada à questão da anistia, a ofensiva contra o ministro Alexandre de Moraes, concentrada no Senado, encontrou terreno fértil no descontentamento com a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), decretada na segunda (4), dia seguinte a manifestações de rua massivas contra o magistrado do STF.
A ocupação simultânea das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado por deputados e senadores oposicionistas, na quarta-feira (6), não foi apenas um ato de protesto. Representou, para seus protagonistas, a tentativa de forçar a inclusão do pedido de impeachment de Moraes na pauta e de marcar posição contra o que classificam como abusos do Judiciário. Ao mesmo tempo, expôs a disposição da oposição em tensionar ao máximo o ambiente político para manter viva a narrativa de enfrentamento ao Supremo.
A reação veio de imediato. O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), condenaram publicamente a ação. Ambos reforçaram que não cederão a pressões externas ou a gestos que consideram atentatórios à institucionalidade.
“A presidência da Câmara é inegociável. A negociação feita pela retomada não está vinculada à nenhuma pauta. O presidente da Câmara não negocia prerrogativa com oposição, governo, ninguém”, disse Motta ao chegar na Câmara na quinta-feira (7).
Embora líderes oposicionistas afirmem ter o apoio de 41 senadores para abrir o processo – 13 a menos que o quórum exigido para o afastamento definitivo -, o bloqueio imposto pelo comando do Senado praticamente inviabiliza o avanço da medida no curto prazo.
Ainda assim, o cálculo político da oposição parece mirar menos a vitória imediata e mais o desgaste público do STF e de seus aliados no Legislativo, mantendo a mobilização de sua base e alimentando um discurso que pode render dividendos eleitorais e a concretização de possível processo de impeachment no futuro.
Fim do foro privilegiado deve andar no Congresso, mas anistia não tem acordo para avançar
Nos bastidores da Câmara dos Deputados, cresce a percepção de que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2013, que põe fim ao foro privilegiado para parlamentares, tem ambiente político favorável para avançar. O texto foi aprovado no Senado Federal em 2017 e aguarda votação na Câmara.
Pela proposta, o foro especial seria mantido apenas para o presidente da República e para os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), da Câmara e do Senado. Deputados e senadores passariam a responder à Justiça estadual nos casos de crimes comuns, preservando o foro apenas para crimes de responsabilidade.
A medida conta com apoio que atravessa diferentes espectros políticos – de governistas a oposicionistas – e é vista como uma forma de reduzir a influência do STF sobre o Legislativo.
Atualmente, cabe à Corte julgar processos contra congressistas, o que, na avaliação de defensores da PEC, cria um ambiente de dependência e fragilidade política para o Congresso.
Ao transferir essas ações para instâncias estaduais, a proposta retiraria dos ministros do Supremo uma “alavanca de poder” sobre deputados e senadores, abrindo espaço para que temas como o impeachment de ministros do STF e outros tribunais superiores sejam discutidos sem o peso de possíveis retaliações judiciais.
Enquanto o fim do foro avança, a proposta de anistia aos investigados e condenados pelos atos de 8 de janeiro segue sem consenso. De acordo com uma fonte próxima ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a medida dificilmente será pautada no formato defendido pela oposição.
Caso entre em votação, a tendência é que seja apresentada uma versão alternativa, restrita a manifestantes que participaram dos atos de vandalismo, excluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na quarta-feira (6), o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), chegou a afirmar que a oposição “costurou um acordo” com Motta para pautar os dois projetos em troca de desocupar a Mesa Diretora e encerrar a obstrução. No entanto, na quinta-feira (7), o presidente da Casa negou que a negociação tenha ocorrido, e afirmou que o acordo com o grupo de deputados oposicionistas foi para “pautar a solução menos traumática”. Após a declaração do deputado paraibano, Sóstenes se desculpou pela declaração.
Para o analista político Alexandre Bandeira, a atual tensão em torno da anistia e do fim do foro privilegiado é resultado direto da engenharia que viabilizou a eleição de Hugo Motta à presidência da Câmara. Segundo ele, Motta foi eleito com amplo apoio que incluiu tanto parlamentares de oposição quanto aliados do governo no Congresso, e, para isso, firmou compromissos contraditórios.
“Com a ala mais bolsonarista, […] ele [teria dito que] colocaria o projeto da anistia em votação. Ao mesmo tempo, para aqueles parlamentares que estavam no outro extremo, […] propôs que isso não entraria em pauta de uma maneira açodada”, explica Bandeira.
Agora, as cobranças desses grupos se intensificaram, especialmente após a decisão do STF que restringiu a liberdade do ex-presidente Jair Bolsonaro, dando novo fôlego à oposição no Congresso.
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Oposição sai fortalecida e impõe pauta ao Congresso
Para o cientista político Adriano Cerqueira, docente do Ibmec de Belo Horizonte, a retomada dos trabalhos legislativos marcou uma vitória expressiva da oposição. “Ela conseguiu, na retomada dos trabalhos, ocupar por dois dias as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Isso foi uma humilhação, sim, para as presidências das Casas, que sentiram isso”, afirmou.
Segundo Cerqueira, a reação inicial dos presidentes foi “tentar falar grosso” para demonstrar autoridade, mas o desfecho foi um acordo de lideranças entre União Brasil, PL, PP e Novo, que detêm maioria nas duas Casas. “Sendo isso verdadeiro, a pauta desse bloco vai se impor. Tanto que hoje [Hugo Motta] já admitiu que vai colocar na semana que vem a anistia”, disse.
O cientista político avalia que esse alinhamento fortalece a tramitação de duas agendas: o fim do foro privilegiado e a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. “Há uma expectativa muito plausível de que esses temas avancem na próxima semana, principalmente na Câmara dos Deputados, onde a oposição tem mais força.”
Cerqueira também vê reflexos na discussão sobre o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. “Por mais que ainda seja improvável o impeachment dele nessa composição do Senado, é fato que avançou muito. Tivemos uma maioria simples, 41 senadores, publicamente favoráveis ao impeachment. Isso, politicamente, tem um grande efeito”, observou.
Alcolumbre segue sob pressão por proteger Moraes
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que também acumula a presidência do Congresso, adotou um tom mais moderado ao comentar o futuro dos pedidos de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes. Em entrevista ao g1, o senador afirmou que qualquer solicitação será analisada “com seriedade e responsabilidade” e frisou que a decisão “não é meramente numérica”, mas envolve uma “avaliação jurídico-política” que considere justa causa, provas, adequação legal e viabilidade.
“Cabe ao presidente do Senado, no exercício de suas prerrogativas constitucionais, conduzir esse processo. Em respeito ao diálogo democrático e atenção à oposição, reafirmo que qualquer pedido será analisado com seriedade e responsabilidade”, declarou Alcolumbre.
A fala foi interpretada por alguns como um gesto para reduzir a tensão com a bancada conservadora, que cobra a inclusão do tema na pauta.
O recuo no tom, porém, não significa mudança de posição. Até o momento, Alcolumbre não deu qualquer sinal concreto de que vá pautar o pedido, mantendo na prática o bloqueio que vem provocando reações no plenário e fora dele.
Por outro lado, o presidente do Senado pode ser o novo alvo da Lei Magnitsky por sua postura em relação aos pedidos de impeachment. A possibilidade foi sugerida por Paulo Figueiredo, jornalista, influenciador de direita e empresário.
Para Figueiredo, Alcolumbre representa o principal empecilho para a tramitação do impeachment contra Moraes e que sua omissão pode configurar uma colaboração com atos que ferem esses direitos, segundo a interpretação dele para os critérios da Lei Magnitsky – legislação dos Estados Unidos que sanciona autoridades estrangeiras envolvidas em violações de direitos humanos.