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- Author, Ángel Bermúdez
- Role, BBC News Mundo
O anúncio foi feito pelo ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, após alguns países — entre eles França, Canadá e Reino Unido — terem declarado, nas últimas semanas, que planejam reconhecer o Estado Palestino ainda neste ano.
O reconhecimento deve acontecer durante o próximo período de sessões da Assembleia Geral da ONU, em setembro.
Portugal, Finlândia e Nova Zelândia também já deram sinais favoráveis a essa possibilidade.
Atualmente, 147 dos 193 Estados-membros da ONU fazem esse reconhecimento formal.
O possível reconhecimento por parte da França e do Reino Unido é significativo, uma vez que esses países representam dois dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e, por isso, têm direito de veto nas decisões tomadas pelo órgão.
Caso a possibilidade seja concretizada, os Estados Unidos seriam o único membro permanente do conselho a não reconhecer o Estado Palestino.
A França disse que reconhecerá de forma incondicional.
“A necessidade urgente hoje é que a guerra em Gaza acabe e que a população civil seja resgatada. A paz é possível. Precisamos de um cessar-fogo imediato, a libertação de todos os reféns e uma enorme assistência humanitária para o povo de Gaza”, escreveu o presidente da França, Emmanuel Macron, após anunciar sua decisão no X.
O mandatário afirmou que a medida se devia ao compromisso histórico da França com uma “paz justa e duradoura no Oriente Médio.”
“Devemos também garantir a desmilitarização do Hamas e reforçar a segurança e a reconstrução em Gaza”, acrescentou.
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Já o Reino Unido, sinalizou que dará prosseguimento com a medida caso Israel não acabe com a “situação terrível” em Gaza e se recuse a fazer um acordo de cessar-fogo.
Além disso, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, exige que o governo de Benjamin Natanyahu, em Israel, “deixe claro que não haverá anexação na Cisjordânia e se comprometa com um processo de paz de longo prazo que ofereça uma solução de dois Estados”.
Londres também estabeleceu condições para o Hamas: deve liberar todos os reféns, assinar um cessar-fogo com Israel e se comprometer a se desarmar e não desempenhar nenhum papel no governo de Gaza.
Essas condições são similares ao que se exige do Hamas em uma declaração assinada em Nova York, no final de julho, pelos 22 Estados-membros da Liga Árabe, pela União Europeia e por outros 17 países, a favor de uma solução de dois Estados.
Em resposta, o grupo — considerado uma organização terrorista pelos EUA, União Europeia e outros países — anunciou que não vai se desarmar até que exista um Estado Palestino soberano.
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O governo de Benjamin Netanyahu já rechaçou os anúncios para “reconhecer um Estado Palestino ao lado de Tel Aviv depois do massacre de 07 de outubro”.
O primeiro-ministro israelense afirma que essas medidas “recompensam o terror” e correm risco de criar “outro agente do Irã” no Oriente Médio.
“Um Estado Palestino nessas condições seria uma plataforma de lançamento para a aniquilação de Israel, não para viver em paz ao seu lado. Sejamos claros: os palestinos não buscam um Estado ao lado de Israel, buscam um Estado no lugar de Israel”, afirmou Netanyahu após o anúncio de Macron.
Depois de anunciar o novo plano de assentamento de Israel, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, disse que não “haveria Estado para ser reconhecido.”
“Quem quer que esteja tentando reconhecer um Estado palestino hoje receberá nossa resposta na prática. Não com documentos, decisões ou declarações, mas com fatos. Fatos em forma de casa, em forma de bairros”, acrescentou.
Mas, o que esses reconhecimentos implicam na prática?
Do reconhecimento à soberania efetiva
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O que falta para o Estado Palestino?
O reconhecimento por parte de outros países é um dos quatro fatores importantes — mas não o mais determinante — para a existência de um Estado.
Na teoria das relações internacionais, considera-se que os três elementos constitutivos-chave para um Estado são: território, população e soberania.
Existem lugares que possuem esses três elementos e funcionam normalmente, apesar de serem reconhecidos por apenas alguns governos ao redor do mundo.
Por outro lado, existem Estados falidos que, apesar de serem reconhecidos pela ONU e seus membros, não têm controle total sobre seu território e de suas fronteiras, nem são capazes de garantir o bem-estar de seus cidadãos.
O crescente reconhecimento do Estado Palestino significa que mais e mais governos reconhecem a Autoridade Palestina como um equivalente, permitindo-lhes manter relações diplomáticas normais, abrir embaixadas, estabelecer diversas formas de cooperação entre eles.
Esses reconhecimentos, contudo, não serão suficientes para que os palestinos tenham uma representação plena na ONU — onde atualmente contam com status de Estado observador não membro.
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A entrada de novos membros na organização requer, entre outras coisas, uma recomendação do Conselho de Segurança e, para isso, é necessário o voto favorável ou, ao mesmo, a abstenção dos Estados Unidos.
Em abril de 2024, os EUA vetou uma resolução que contava com 12 votos a favor e duas abstenções para admitir o Estado Palestino como membro.
O ingresso na ONU daria aos palestinos acesso aos mesmos direitos e deveres que têm todos os países membros, mas não seria suficiente para resolver a situação no território para que se converta em um Estado funcional.
Para isso, além de acabar com a guerra em Gaza, provavelmente seria necessário resolver o conflito de décadas entre palestinos e Israel, país que controla as fronteiras dos territórios palestinos e que muitas organizações internacionais consideram uma potência ocupante.
A solução de dois Estados
Durante décadas, a possibilidade de paz entre Israel e os palestinos tem sido buscada principalmente por meio da chamada solução de dois Estados, mas os esforços para chegar a um acordo duradouro esbarraram em várias questões complexas.
Isso inclui o futuro dos assentamentos que Israel construiu na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental — territórios conquistados durante a Guerra dos Seis Dias (1967) — e onde vivem cerca de 700 mil pessoas.
Também está em questão o status de Jerusalém. Os palestinos querem que a capital do seu Estado seja Jerusalém Oriental, mas Israel estabeleceu sua capital nessa cidade — embora não seja reconhecida como tal pela maior parte da comunidade internacional — e afirma que Jerusalém não pode ser dividida.
Parte da recusa de Israel em aceitar a divisão da cidade se deve ao fato de que muitos dos lugares mais importantes para o judaísmo estão localizados em Jerusalém Oriental e ao fato de que, durante os quase 20 anos em que a cidade esteve dividida após a guerra de 1948, os israelenses não podiam orar no Muro das Lamentações, que estava sob controle da Jordânia.
Outro tema difícil de resolver é a exigência, por parte dos palestinos, do direito de retorno daqueles que fugiram ou foram expulsos dessas terras durante as guerras com Israel.
Estima-se que cerca de 700 mil palestinos se tornaram refugiados após a Primeira Guerra Árabe-Israelense, mas o número total de refugiados palestinos é hoje estimado em 6 milhões — incluindo os refugiados originais, seus descendentes e aqueles deslocados durante guerras posteriores.
Como a liderança palestina exige que esses refugiados possam viver não apenas no território que corresponderia a um possível Estado Palestino, mas também dentro do território que internacionalmente é considerado parte de Israel, o governo israelense rejeita essa possibilidade.
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Por fim, também seria fundamental pôr fim às lutas internas entre as principais forças palestinas.
Depois que Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) assinaram os Acordos de Paz de Oslo, o Hamas, que se opunha a eles, lançou uma campanha de atentados suicidas contra Israel, em uma tentativa de sabotar o processo iniciado pelo líder Yasser Arafat e pelo então primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin.
Esses ataques, somados ao assassinato de Rabin, em 1995, pelas mãos de um extremista israelense que também se opunha a Oslo, prejudicaram as perspectivas de se conseguir a paz.
Depois, em 2007, dois anos depois de Israel se retirar unilateralmente de Gaza, o Hamas tomou o controle da Faixa da Autoridade Palestina em uma série de confrontos armados que deixaram 188 mortos.
Desde então, os territórios palestinos têm sido controlados por dois grupos distintos, o que constitui um obstáculo não apenas para o próprio autogoverno dos palestinos, mas também para qualquer iniciativa de paz, dificultando que os palestinos falem em uma só voz com o mundo.