Crédito, Hassan Lali / BBC
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- Author, Paul Njie*
- Role, De Rubaya (RD Congo) para a BBC News
Ao longo da sua vasta extensão, não havia nenhuma pessoa ociosa. Milhares de mineiros se espalhavam por aquele cenário repleto de fossos e túneis.
Alguns deles cavavam fundo na terra com pás. Outros erguiam sobre os ombros sacos da rocha extraída contendo coltan.
Eles os levavam para pontos de coleta, onde outros funcionários lavavam e filtravam o material com pás e com as mãos. Dele, será extraído o tântalo, empregado para a produção de muitos aparelhos eletrônicos.
“Normalmente, temos mais de 10 mil pessoas trabalhando aqui, todos os dias”, contou Patrice Musafiri à BBC. Ele supervisiona a mina de Rubaya desde que os rebeldes assumiram o controle do local, em abril do ano passado.
Crédito, Hassan Lali / BBC
O terreno é acidentado. Nossa equipe precisou da ajuda de bastões e da orientação de Musafiri para não cair ao caminhar pelo local.
Mas, para a maior parte daqueles homens, esta é a única forma de vida que eles conhecem. Pode ser difícil e perigoso, mas a atividade permite que eles sustentem uma vida modesta.
“Quando estamos no fundo das minas, as temperaturas são muito altas”, conta o mineiro Peter Osiasi.
“Escavar o minério também é muito difícil… e pode ainda haver gases nocivos. Às vezes, eles bombeiam ar frio para podermos continuar trabalhando ali dentro.”
Mas o jovem ressalta que é agradecido. Desde que começou a trabalhar na mineração, cinco anos atrás, ele conseguiu economizar dinheiro para o dote. Hoje, ele é casado e tem filhos.
“Minha vida, de fato, mudou”, prossegue ele. “A mineração realmente me ajudou.”
Crédito, Hassan Lali / BBC
A faixa de terra nua dourada onde fica a mina se espalha pelos exuberantes morros Masisi, na província congolesa de Kivu do Norte. O local fica a cerca de 60 km a noroeste da cidade de Goma, na fronteira com Ruanda.
A mina é responsável por 15% da extração mundial de coltan e detém metade dos depósitos existentes no país. Por isso, não surpreende que a região tenha chamado a atenção de investidores globais.
Ao longo dos anos, a mina de Rubaya forneceu imensas riquezas aos diversos grupos armados que a controlaram em diferentes momentos, incluindo o exército do país.
A mina fica a cerca de 10 km de distância da cidade de Rubaya.
Chegamos ao local dias depois que Ruanda e a República Democrática do Congo assinaram um cessar-fogo em Washington, nos Estados Unidos. O acordo faz parte do processo de paz que pretende pôr fim a três décadas de instabilidade na região.
As origens da insegurança no leste da República Democrática do Congo são notoriamente complicadas.
Existe uma dimensão étnica, com muitos grupos rebeldes operando na região. Um deles é uma milícia da etnia hutu, ligada ao genocídio ruandês de 1994. Ruanda acredita que a milícia conte com apoio congolês.
Os dois lados se comprometeram em Washington, no dia 27 de junho, a desarmar e desembaraçar seus supostos aliados, embora neguem sua existência.
O M23 não participou do acordo. Liderado principalmente pela etnia tutsi, o grupo controla grandes partes do leste da República Democrática do Congo.
Desde janeiro, o M23 controla as cidades de Goma e Bukavu, além de dois aeroportos.
Ruanda é acusada (incluindo pelas Nações Unidas) de apoiar o M23. Mas as autoridades do país negam o envio ao grupo de ajuda militar ou financeira.
O envolvimento dos Estados Unidos no processo parece estar condicionado ao acesso aos recursos minerais congoleses, mas nada foi especificado até o momento.
“Estamos conseguindo muitos direitos minerais [da República Democrática] do Congo para os Estados Unidos”, declarou o presidente americano, Donald Trump, antes da assinatura do acordo.
Crédito, Hassan Lali / BBC
Tivemos autorização de acesso à mina por cerca de 45 minutos. Nossa breve visita não mostrou sinais de mudanças na cadeia de comando no futuro próximo.
O supervisor foi indicado pelo M23. Ele explicou avidamente como o panorama em Rubaya foi reorganizado no último ano e como o grupo rebelde trouxe segurança para os mineiros, que hoje trabalham sem medo na mina. Não são permitidas pessoas armadas no local, segundo ele.
“Já solucionamos muitas questões”, conta Musafiri.
“Atualmente, temos um departamento de mineração que regulamenta e acompanha questões de segurança, além de resolver disputas internas nas minas. Se um túnel apresentar risco, as pessoas são orientadas a sair para evitar acidentes.”
“Pessoas de diferentes grupos vêm até aqui trabalhar diariamente, além de outros para comprar o minério”, detalha ele. “Agora, temos um enorme mercado em Goma, onde eles podem revender o que compram aqui.”
Crédito, Hassan Lali / BBC
Em dezembro, um relatório preparado por especialistas da ONU detalhou como o M23 ganha centenas de milhares de dólares todos os meses cobrando imposto sobre o coltan. Grande parte deste valor seguiu diretamente para Ruanda.
O M23 e o governo ruandês negam as acusações.
Rodeados por seus colegas vestindo calças jeans, suéteres e calçando botas, para poderem trabalhar no local, Osiasi confirma que as condições de trabalho, agora, são melhores.
“Os negócios vão muito bem por aqui porque, pelo menos, temos alguma paz aparente, mas o salário é muito baixo”, ele conta. “Recebemos muito pouco dinheiro.”
O segundo mandato de Trump coincidiu com a tomada de grande parte das províncias congolesas de Kivu do Norte e do Sul pelo M23 e com a humilhante retirada do exército congolês.
O analista político Akramm Tumsifu afirma que a República Democrática do Congo decidiu usar suas ricas reservas minerais como moeda de troca para conseguir auxílio dos Estados Unidos. O país passou meses buscando apoio militar.
Ele declarou à BBC que, com o processo de paz preliminar em andamento, a grande esperança das autoridades congolesas é que as empresas americanas possam estar em posição para fazer “investimentos massivos” no seu setor de mineração, atualmente dominado por companhias chinesas.
Crédito, Hassan Lali / BBC
Empresas americanas já estariam buscando lucrar com a oportunidade de investir no setor de mineração de Rubaya.
O supervisor da mina declarou à BBC que os investimentos seriam bem-vindos, mas só seriam permitidas iniciativas destinadas a impulsionar a economia local, com a criação de empregos, escolas e hospitais.
“Qualquer investidor estrangeiro pode vir aqui, desde que traga desenvolvimento para o nosso povo e aumente a remuneração diária dos mineiros”, afirma Patrice Musafiri.
Apesar dos colossais recursos naturais do país, a maior parte das comunidades mineradoras conta com pouca infraestrutura. Não há nem mesmo estradas acessíveis até as minas, onde as riquezas são extraídas da terra.
Tumsifu acredita que a presença de investidores americanos também poderá servir de “alerta contra os combates ou contra o recrudescimento de outros grupos armados”.
Mas ainda não está claro como, nem com quem os eventuais investidores fariam negócios, já que o M23 ainda detém firmemente o controle no leste do país.
Um esforço de mediação paralelo, liderado pelo Catar, envolve conversações diretas entre os grupos armados e o governo congolês. Este processo pode trazer mais clareza à situação nos próximos meses.
O M23 faz parte de uma coalizão maior, a Aliança do Rio Congo. O grupo declarou que o acordo apoiado por Washington não abordou as causas do longo conflito em andamento.
Os rebeldes afirmam terem tomado as armas para proteger os direitos da minoria tutsi na República Democrática do Congo.
Enquanto os grupos beligerantes tentam estabelecer seus caminhos preferidos para a paz, os moradores do leste da RD Congo (incluindo os mineiros de Rubaya) esperam que os combates cheguem ao fim. O banho de sangue fez com que centenas de milhares de pessoas abandonassem suas casas.
“Meu apelo a outros jovens e aos nossos líderes é que eles mantenham a paz na nossa região”, declarou Osiasi, preparando-se para um novo turno de escavações.
“Também apelo aos donos das minas que aumentem a nossa remuneração, que é muito baixa.”
* Com colaboração dos jornalistas da BBC Robert Kiptoo e Hassan Lali