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A gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) segue tentando negociar a derrubada da medida antes da data prevista para que entre em vigor, 1º de agosto.
Em meio ao aumento de tensão, nesta quarta-feira (24/07) o encarregado de negócios da Embaixada americana no Brasil, Gabriel Escobar, manifestou interesse dos EUA em minerais críticos e estratégicos brasileiros em reunião realizada a pedido dele com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Em entrevista ao jornal O Globo, representantes da entidade afirmaram que o governo americano teria demonstrado interesse em fazer acordos para aquisição de minerais como nióbio, lítio e terras raras.
O presidente do instituto, Raul Jungmann, relatou ter respondido que negociações nesse sentido deveriam ser conduzidas pelo governo brasileiro, e não por empresários do setor.
Ainda antes do encontro, brasileiros nas redes sociais tinham chegado a sugerir que o país considerasse usar o nióbio como arma para negociar o fim do tarifaço, ameaçando, por exemplo, restringir suas exportações.
O Brasil concentra cerca de 92% da produção do metal, que ganhou popularidade na última década depois de ter sido reiteradamente defendido por Jair Bolsonaro como recurso estratégico para o país.
Faz sentido a ideia? A reportagem conversou com especialistas e analisou documentos do Serviço de Geologia dos EUA para responder à pergunta.
Ásia, o principal destino
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Os EUA não são o maior consumidor do nióbio brasileiro. Estão em quarto lugar, com cerca de 7% das exportações, atrás de China, Holanda e Coreia do Sul, nessa ordem, e empatados com Cingapura, diz Julio Nery, diretor de assuntos minerários do Ibram.
O volume menor de exportação para os EUA se deve ao fato de que a maior aplicação do nióbio hoje é na indústria siderúrgica — e a grande produção global de aço está concentrada na Ásia, especialmente na China, destino de 44% dos embarques brasileiros em 2024.
“Existe uma certa mística em relação às potencialidades do nióbio, mas praticamente 80% das aplicações são no setor siderúrgico, para a fabricação de aços usados, por exemplo, em automóveis e na construção civil”, diz Hugo Sandim, professor da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL-USP).
Por ser resistente e ter baixa densidade, o nióbio permite a construção de estruturas fortes, porém mais leves.
No caso dos automóveis, o menor peso contribui para um menor gasto de combustível. Ele é usado principalmente no chassi e nas barras de segurança que protegem os passageiros, segundo o professor.
Para a indústria da construção, o uso de ligas metálicas com nióbio pode significar menos uso de cimento, que é hoje “um dos maiores causadores de efeito estufa no mundo”, lembra Sandim.
E não precisa de muito: “Adicionando 200 gramas por tonelada de aço você já dobra ou triplica a resistência mecânica dele”, completa.
A indústria siderúrgica usa principalmente o ferronióbio, uma liga do metal com ferro que, não por acaso, é a principal versão do nióbio exportada hoje pelo Brasil.
O país também embarca óxido de nióbio, um pó usado em lentes e baterias de carros elétricos, e o nióbio metálico, encontrado, por exemplo, em máquinas de ressonância magnética e aceleradores de partículas.
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O segundo mineral mais crítico para os EUA
Apesar de usarem em menor escala do que outros países, os americanos são completamente dependentes de importações para suprirem suas necessidades de nióbio.
O volume de nióbio importado pelos americanos cresceu de cerca de 7,1 mil toneladas em 2020 para 10,1 mil em 2023.
Por conta da concentração das jazidas no Brasil — ou seja, a quantidade limitada de fornecedores — o nióbio foi considerado pelo USGS como o segundo recurso mineral mais crítico para o país quando se leva em consideração os riscos potenciais da cadeia de suprimentos.
Em um artigo recente, cientistas do USGS chamaram atenção também para o fato de que o metal é explorado aqui não apenas por empresas brasileiras, mas também por capital chinês.
A CMOC Brasil, segunda maior produtora de nióbio do mundo, dona de uma mina em Catalão (GO), é subsidiária da China Molybdenum.
Já a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior empresa do setor, fundada pela família Moreira Salles, vendeu 15% do capital a um grupo de companhias chinesas há cerca de 15 anos.
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Ingrediente da corrida espacial (e armamentista)
O relatório do Serviço Geológico dos EUA aponta que o nióbio que entra no país é consumido principalmente na forma de ferronióbio pelo setor do aço e, em menor escala, em ligas de nióbio usadas pela indústria aeroespacial.
Nesse último caso, trata-se de um mercado pequeno, mas com alto valor agregado, pontua Hugo Sandim.
Além de forte e mais leve (menos denso) do que outros metais, o nióbio é resistente à oxidação em altas temperaturas, o que faz dele um elemento extremamente importante na construção de turbinas para aviões e foguetes.
Sua aplicação no setor começou durante a corrida espacial na Guerra Fria, na década de 1960. O professor da USP lembra que partes do foguete que levou Neil Armstrong e Buzz Aldrin à Lua em 1969 na missão Apollo 11 foram feitas com uma liga de nióbio batizada de C-103, usada até os dias de hoje.
E aí entra um elemento importante na discussão sobre o nióbio como recurso estratégico. A depender da aplicação — na fabricação de aço para construção civil, por exemplo —, o metal pode ser substituído por materiais como titânio, vanádio e molibdênio, ainda que esse não seja um processo simples.
Para o setor aeroespacial, contudo, é difícil encontrar uma alternativa.
“Acho que esse seria um componente crítico quase insubstituível”, comenta Sandim, que é livre-docente na especialidade materiais metálicos.
O nióbio também tem ganhado protagonismo no setor de defesa. Tradicionalmente usado em mísseis e para blindagem, o metal se mostrou um recurso importante para o desenvolvimento de armas hipersônicas, a nova fronteira na tecnologia militar.
“No grande tabuleiro de xadrez da geopolítica da defesa, o nióbio emergiu como uma peça de suma importância”, diz um relatório sobre o assunto do think tank americano Center for Strategic and International Studies (CSIS) divulgado no ano passado.
Isso porque as armas hipersônicas, por serem capazes de atingir velocidades de até cinco vezes a do som, precisam ser construídas com materiais extremamente resistentes ao calor — caso do nióbio, que suporta até 2.400ºC.
Os especialistas destacam que a fronteira hipersônica tem potencial para redefinir o conceito de “vantagem do primeiro ataque” como se conhece hoje. Por conta da velocidade sem precedentes, o tempo para o oponente reagir é mínimo, representando um desafio mesmo para os sistemas mais modernos de alerta de bombardeios.
Com um míssil que se move nessa velocidade seria possível, por exemplo, direcionar sua trajetória para subir pelo pólo sul em direção aos EUA e surpreender os radares de longo alcance e de detecção americanos, que estão em sua maioria voltados para o norte.
“Isso porque tradicionalmente a probabilidade de um ataque nuclear vir dessa direção é maior”, diz Henry Ziemer, um dos autores do estudo, à BBC News Brasil.
A China saiu na frente, e até 2018 tinha realizado 20 vezes mais testes com armas hipersônicas do que os EUA. Os americanos, contudo, reagiram, também têm investido no segmento e se preparam para levar as primeiras armas a campo, segundo Ziemer.
Nesse cenário, ele avalia que qualquer interrupção na cadeia de fornecimento de nióbio seria problemática.
“Até onde sei, não existem bons substitutos para o que o nióbio oferece, que é leveza com elevada resistência térmica”, afirma o pesquisador do CSIS.
Questionado pela reportagem se faria sentido então usá-lo como arma para negociar a derrubada ou redução da tarifa de 50%, Ziemer comenta que ameaças não costumam funcionar bem quando se trata de Trump, mas diz ver espaço para que os minerais brasileiros sejam usados em uma eventual negociação de acordo.
“Eles deveriam estar em primeiro plano em uma eventual negociação entre Brasil e EUA, porque o Brasil não tem apenas nióbio, mas também vastas reservas de cobre, lítio e terras raras”, opina o especialista.
“Acho que existe espaço para acordo, mas se for rotulado como uma espécie de ameaça, de que o Brasil poderia reter [as exportações], isso geraria muito mais complicações”, completa Ziemer.
“Não foi a ameaça ou necessariamente a dor [decorrente das restrições] que fizeram Trump recuar. Foi a chance de [ele] apresentar isso como uma espécie de vitória para o governo.”
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Para o professor Hugo Sandim, usar o nióbio como instrumento de retaliação, com uma eventual ameaça de suspensão das exportações, seria uma aposta “equivocada”.
“A gente não pode, em uma negociação nessa escala, com tanta gente envolvida, com tantos setores afetados, responder na mesmíssima moeda”, opina.
Ele argumenta que, diante da continuidade da venda para a China e da importância do metal para o setor de defesa, um movimento nesse sentido poderia ser lido de forma negativa pelos EUA e escalar a atual crise.
Julio Nery, do Ibram, ressalta que o setor de mineração brasileiro defende uma saída para a atual crise pela negociação.
O temor é menos por um eventual impacto da tarifa de 50% sobre as exportações de minérios, já que a indústria poderia tentar redirecionar seus produtos para outros mercados, e mais por uma possível retaliação que imponha tarifas sobre produtos americanos que entrarem no Brasil e encareça máquinas e equipamentos que hoje são compradas de lá.
“Nós não produzimos caminhões acima de 100 toneladas, por exemplo, e a mineração usa caminhões de 240, 340 toneladas”, ele exemplifica.
“Então caminhões, escavadeiras, carregadeiras, tratores maiores, moinhos… têm muitas peças que vêm de lá, dos EUA. E isso preocupa muito as empresas, em termos de fornecimento desses materiais”, completa Nery.