Trocas de auditores sem explicação preocupam investidores em 2025


Ouvi outro dia que o investidor é naturalmente insatisfeito. Se a ação que ele comprou caiu, acha que não deveria ter comprado. Se subiu, acredita que foi tolo de não ter adquirido mais. Enxerga as oportunidades que perdeu, por não ter entrado, mas dificilmente vê as armadilhas que evitou pelo caminho. E essas são o ponto crucial da jornada.

É aí que está o papel das auditorias independentes. Contratação obrigatória das companhias abertas, para olhar as contas e identificar erros, fraudes, inconsistências, vazamentos e o que mais for um possível problema para as empresas e seus acionistas.

Elas costumam aparecer no noticiário quando erram, não quando evitam um problema, ou ignoram um colapso iminente. Lembremos que as contas das Americanas eram auditadas antes de anunciarem um esquema de fraude bilionário. Assim como as da Petrobras, quando “descobriu” rombos históricos, e as da Oi, quando saiu de uma recuperação judicial para, meses depois, pedir outra.

Até mesmo os bancos que emitiam títulos de subprime, quebrando o sistema financeiro mundial em 2008, eram auditados regularmente.

Aqui faço um mea culpa. Jornalistas e analistas, por razões humanas e profissionais, noticiam somente os erros. Convenhamos que o normal, o obrigatório, o óbvio não é notícia nem assunto para relatórios. Ninguém lerá uma manchete apontando que “Maurício saiu de casa, trabalhou normalmente na livraria, voltou, jantou e dormiu”.

O ponto é que o cumprimento do ofício das auditorias não vira notícia, mas não pode ser ignorado pelo investidor. E aí vem o que me preocupa: No primeiro semestre deste ano, o número de empresas que trocou de auditorias sem explicar os motivos ou alegando apenas “razões comerciais” cresceu muito.

Dados inéditos levantados pela MZ Group, aos quais tive acesso, mostram que 8 das 94 empresas que trocaram de auditor no primeiro semestre de 2025 não explicaram os motivos. Em 2024, haviam sido apenas duas. As que o fizeram por “razões comerciais/estratégicas” triplicaram, indo de 5 para 15.

Em números absolutos pode parecer pouco, mas isso significa que quase um quarto das empresas que trocaram de auditorias neste semestre não deram razões técnicas para isso. Lembrando que temos um mercado minúsculo, com menos de 400 empresas negociando ações ativamente na Bolsa. Para o investidor, a água do mercado parece mais turva.

A independência dos auditores é um dos últimos pilares na tentativa de garantir um mínimo de transparência no mercado brasileiro. Quando esse pilar começa a se mover, ou a ser removido, sem maiores explicações, uma luz amarela se acende.

O mundo das auditorias ainda é uma espécie de oligopólio. As big four, apelido do mercado para PricewaterhousCoopers (PwC), KPMG, Deloitte e Ernst & Young (EY), ainda são responsáveis por auditar cerca de 70% das empresas no nosso mercado. Esse tipo de concentração, por si só, já torna o mercado estruturalmente frágil.

Quando há um aumento nas trocas de auditores sem motivos claros, ou apenas por uma corrida de menores preços, um mercado já frágil, no sentido estratégico da palavra, começa a dar sinais de problemas.

Negociar preços faz parte, mas se isso estiver fechando as portas para investigações e análises mais aprofundadas, temos uma bola de neve se formando. Um risco à independência dos auditores independentes.

(*) Marcos de Vasconcellos, jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado, através da Folha de S.Paulo

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.



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